Aquaponia: alimentação saudável ao alcance de todos


Aquaponia, em resumo, é a combinação de hidroponia com aquacultura. A “ciência & tecnologia” por trás do sistema é baseada no ciclo de nitrogênio. Os peixes que você cria excretam compostos nitrogenados como amônia. A água onde o peixe está fica então “nitrogenada”, e esta água é a que “rega” o seu jardim (não é bem regar, vocês vão ver abaixo). O canteiro está cheio de bactérias que convertem amônia em nitritos, que repassam os nitritos para outras bactérias fixadoras de nitrogênio, que se encontram nas raízes das plantas cultivadas em simbiose. Estas últimas bactérias transformam nitritos em nitratos, fixando em última análise o nitrogênio do peixe, e facilitando para as plantas o absorverem e transformarem, no final das contas, em folhas, flores e frutos.
O sistema é praticamente fechado, autônomo e de crescimento ultra-rápido. Além disso, é orgânico e principalmente local (mais local que a sua própria casa, impossível), não depende de nenhum gasto de petróleo para chegar até a sua cozinha. E, dependendo do jeito que você o monta, pode ser bastante sustentável, até auto-sustentável. (No passo a passo abaixo explico melhor.) É uma solução prática e extremamente útil para o futuro, já que torna cada “aquaponista” até certo nível independente para sua própria alimentação. Além disso, o sistema é ideal para um ambiente urbano (mas não só ele), onde espaço é bem limitado. E, chantillizando ainda mais a aquaponia, você tem no final das contas controle total sobre o sistema, e esta é talvez a maior vantagem da aquaponia sobre qualquer outro princípio de produção em pequena escala de alimentos. (Imagine sistemas aquapônicos nos telhados dos prédios, uma área de concreto enorme inutilizada na maior parte das vezes… E já tem gente pensando em aquaponia em larga escala, já pensou que maravilha?)
1º passo – os canteiros e os tanques
Nós escolhemos ter 4 canteiros, por questões de espaço. Para alimentar 4 canteiros, estamos usando 2 tanques de ~100 litros, conectados entre si em um ponto baixo do tanque – portanto a água dos 2 tanques se mistura bem. (Na foto abaixo, apenas um dos tanques aparece, no chão.)
Temos cerca de 20 peixes, e são tilápias nilóticas.
O peixe é a chave do sistema de aquaponia, então você quer colocar no seu tanque um peixe que não exija muito em termos de fisiologia nem manutenção e que produza muitas fezes, para ter bastante nutriente disponível para as plantas.
Os canteiros precisam então ser “furados” para colocar um sifão, como na foto acima. O sifão regula a água que sairá do canteiro por um cano de drenagem, fazendo com que a água do solo “vaze” de tempos em tempos, como numa maré. Esse movimento da água é importante para que as plantas estejam sempre recebendo água na quantidade correta, nem demais nem de menos.
2º passo – encanamento
Uma vez preparados os canteiros e tanques, hora de conectá-los com canos. O cano do sifão é o de drenagem, mas precisa colocar também o de “entrada” da água nos canteiros, que vem direto do tanque dos peixes – no nosso caso, a entrada foi dividida em 2, com um cano pra cada lado em cada canteiro, conectado com torneiras, pra que você possa desligar o sistema quando quiser/precisar (pra fazer algum conserto, ou mudar a posição, etc.).
O único gasto de eletricidade do sistema entra aqui: você precisa de uma bomba (pequena) para jogar a água do tanque para os canteiros. Fizemos os cálculos e custará cerca de 6 dólares por mês na nossa conta de luz a manutenção dessa bomba.
A água da drenagem volta pro tanque dos peixes, filtrada pelas pedrinhas. Além disso, um pouco dessa água é desviada para formar um sistema de aeração dos tanques, e cai nos tanques fazendo uma pequena “cascatinha”, que oxigenará a água dos peixes.
3º passo – o solo
Na verdade, não se usa terra. Então, parte significativa dos problemas de uma lavoura com pestes e doenças já é eliminada aqui. O ideal é cobrir os canteiros com cascalho poroso – no nosso caso, pelo preço barato e disponibilidade, usamos pedra de lava preta, que é rica nos minerais que a planta precisa, super-porosa e leve.
Independente do cascalho que você escolher, você precisa lavar estas pedras antes de cobrir os canteiros com elas. Essa é a parte mais chata do processo.
Uma vez que você encha os canteiros com o cascalho, precisa ligar o sistema (ou seja, deixar a água circulando) e esperar cerca de uma semana para começar a “plantação”. Esse é o tempo para que as bactérias da flora intestinal dos peixes (expelidas com as fezes) comecem a popular o cascalho, de modo que quando as plantas forem ali colocadas, as bactérias do peixe já estão ali, prontas para iniciar a simbiose.
Além disso, as pedras servem como sistema filtrador da água drenada. Ela voltará pro tanque dos peixes limpa, tornando o ambiente sempre agradável para o ciclo de vida deles.
4º passo – as plantas
Uma semana depois, começamos a plantação. Eu tinha recebido umas sementes de manjericão numa dessas milhares de cartas de spam que chegam diariamente pra gente na nossa caixa de correio. Resolvi colocar em um dos canteiros. Aproveitamos e fomos numa loja de jardinagem e compramos umas mudinhas, tudo não custou mais de 10 dólares. Plantamos: alface (uns 20 pés), pepino, tomate, cebolinha (pegamos uma que tínhamos na geladeira que estava estragando, usamos na comida e plantamos os cotocos), coentro (também plantamos o que estava na geladeira), tomilho, beringela, hortelã, cebolinha-capim (chive, em inglês), manjericão, pimentão, brócolis, rúcula e endro (dill, em inglês).
É claro que a escolha das plantas depende de um monte de variáveis. Se você mora numa área de clima frio, dê preferência a plantas que agüentam o frio, ou monte o sistema numa área aquecida. É preciso ter luz também, então o quintal é a melhor escolha. Plantas tuberosas (batata, inhame, cebola etc.) não funcionam muito bem por causa do movimento da “maré” aquapônica, embora tenha jeito para plantá-las, se você tiver mais espaço. Plantas que não gostam de muita água, por motivos óbvios, também não devem se dar muito bem em aquapônica.
As plantas não precisam de fertilizantes, pois a água do peixe já é rica o suficiente em nutrientes. Não precisa usar pesticidas – aliás, não se deve, porque eles podem matar o peixe. Lembre-se: tudo que você põe na planta, termina chegando no peixe de alguma forma, é uma brincadeira de ecossistema deliciosa.
A maior parte dos insetos problemáticos não se estabelece porque não tem “solo” de terra, é tudo pedra.
As sementes também não devem ser plantadas muito no fundo. Por causa da maré aquapônica, se a semente estiver muito no fundo, a raiz inicial ficará o tempo todo dentro d’água, fazendo com que ela apodreça. Plantas maiorzinhas devem ter a raiz encostando na água de maré cheia, de modo que quando o canteiro esvazia, estas raízes secam um pouco.
5º passo – o ciclo da água
Uma das vantagens que eu mais gosto no sistema aquapônico é que não preciso regar (ver história do cacto acima). O sistema se auto-rega. Ou seja, o único trabalho que a gente tem é alimentar o peixe – e a tilápia é super-resistente, você pode alimentá-la uma vez a cada 2 dias – mas ela pode resistir a até 2 semanas sem alimento sem se comprometer fisiologicamente. Nós damos ração de peixe, comprada na loja de rações. A ração é super-balanceada, e dá todos os nutrientes básicos para uma vida saudável pro peixe. E esta é a única razão pela qual chamo o sistema de “quase-fechado”, porque você ainda é responsável por um pouco de input, ao alimentar o peixe.
O maior gasto de água é no primeiro dia, quando você monta o sistema e precisa encher o tanque dos peixes. Ali vão, de uma tacada só, quase 40 galões de água. Mas, uma vez cheio, teoricamente você não precisa mais encher . A mesma água vai cheia de nutrientes pros canteiros e volta filtrada para os peixes. Há uma porcentagem de evaporação natural, e uma vez a cada mês a gente completa com água de novo – uma porcentagem muito pequena, devo dizer. Dá pra tornar esse “completar com água” em algo sustentável também, basta usar um coletor de água da chuva e ligá-lo com uma cisterna ao tanque do peixe. Assim nem com a evaporação natural você se preocupa mais (é isso que o Kai faz com alguns dos canteiros de aquapônica que ele tem na instituição onde trabalha, gerando assim sistemas quase 100% sustentáveis e super-hiper-eficientes energeticamente, by the way).
6º passo – problemas
O oxigênio da água e matem os peixes. Então um ambiente mais escurinho facilita isso. A tilápia não se importa, já que a cobertura da rede é vazada e deixa uma penumbra agradável e fresquinha pro tanque.
Há também um déficit de ferro inerente ao sistema. Para saná-lo, uma vez por mês, nos 3 primeiros meses, você adiciona sulfato ferroso em pó entre as pedras. Depois, pode fazer isso uma vez a cada 6 meses.
Há também um investimento inicial, em canteiros, canos, pedra, peixe, etc. Mas, é claro, cada um desses itens pode ser repensado de forma mais econômica ainda principalmente se quisermos levar o sistema a comunidades carentes, populações necessitadas, etc. Seja criativo(a). Reuse, recicle.
O único input constante do sistema é a ração que se dá pros peixes, como dito acima. Esse é o ponto onde a pegada ecológica ainda é alta. Afinal, ração de peixe em geral contém 20% de pescado, que portanto depende de pesca e petróleo para transporte. A ração, porém, possui ômega-3 e proteínas que facilitam o crescimento da tilápia, o que é vantajoso para a saúde do peixe e pro sistema. Você pode, como alternativa ecoconsciente, usar alface para alimentar o peixe – mas aí o metabolismo do peixe diminui bastante e as plantas vão crescer mais devagar. Ou seja, este é um ponto em que a aquaponia precisa ser (re)pensada um pouco mais para poder então ser considerada 100% verde. Mas acho que, mesmo não sendo 100%, os 90% Nosso maior problema tem sido os pássaros. Os pombos adoram bicar nossas alfaces, já descobriram o “fast-food” da varanda. Além disso, pusemos uma rede ao redor do tanque dos peixes para evitar que garças comam os peixes também.
A rede ao redor do tanque também serve a outro propósito (na verdade, o propósito inicial foi esse): diminuir o crescimento de algas na água e evitar uma “maré vermelha” na aquapônica – na foto inicial do post dá pra ver a rede cobrindo os tanques. Há um pouco de alga que cresce na água, inevitável. Mas você não quer que elas tomem conta, exauram que ela já é de verdice valem à pena numa primeira instância, vocês não acham?
7º passo – benefício colateral não-esperado
O barulhinho da água circulando na aquapônica melhorou em uns 1000% nossa qualidade de sono. Insônia, never more. Parece que saímos da cidade e estamos agora ao lado de uma cachoeira eterna – mesmo estando obviamente ainda dentro da cidade, com buzinas, sirenes e afins ao nosso redor. A água abafa um pouco toda essa poluição sonora. O barulho da água correndo me deixa mais focada, me sinto mais relaxada… enfim, é mentalmente saudável. 

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