A Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável


Seus desdobramentos
As avaliações sobre os resultados da Rio + 10 publicadas na mídia naquela época foram muito divergentes. Para as organizações não-governamentais e ambientalistas foi um fracasso, um retrocesso, ou a Rio - 10, como chegou a ser classificada. Para altos funcionários das Nações Unidas, diplomatas e Ministros do Meio Ambiente, importantes avanços foram alcançados, embora mais modestos do que se esperava. O nosso julgamento é influenciado, certamente, pelos resultados da Rio 92.
Dez anos antes, a Conferência do Rio de Janeiro foi convocada para comemorar os vinte anos da Conferência de Estocolmo e para discutir o conceito de desenvolvimento sustentável, definido com grande habilidade e bom senso pela Comissão Brundtland, no seu relatório Nosso Futuro Comum. A Rio 92 aprovou a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração sobre Florestas, duas convenções internacionais e a Agenda 21, um documento com propostas concretas de como iniciar o processo de transição em direção ao desenvolvimento sustentável. Por este motivo, a Rio 92 foi uma conferência fantástica, que mobilizou milhares de reuniões locais, regionais e internacionais durante o processo de preparação, e contou com a participação de 178 países e 112 Chefes de Estado.
Na realidade, para analisarmos com isenção os resultados da Rio + 10, precisamos entender que ela foi convocada pelas Nações Unidas apenas para avaliar os avanços dos países na implementação da Agenda 21, e não para discutir novos conceitos ou caminhos futuros. A Resolução das Nações Unidas que determinou a revisão decenal dos resultados da Rio 92 vedava a revisão da Agenda 21 e dos princípios aprovados na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Por este motivo, a Rio + 10 produziu apenas um plano de implementação e uma declaração política, a Declaração de Johannesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável.
Como veremos em seguida, em algumas áreas, como saneamento, combata à pobreza, gestão de produtos químicos e biodiversidade, foram definidas metas com prazos para atendimento, o que pode ser considerado um avanço em relação aos compromissos mais vagos assumidos na Conferência do Rio de Janeiro. 
A Declaração de Johannesburgo sobre desenvolvimento sustentável
A Declaração de Johannesburgo é formada por 37 pontos, divididos em seis grupos: Dasd nossas Origens para o Futuro, De Estocolmo para o Rio de Janeiro, Os Desafios que Enfrentamos, Nosso Compromisso para o Desenvolvimento Sustentável, Multilateralismo é o Futuro, e Fazendo Acontecer.
A Declaração reafirma o nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a construção de uma sociedade global mais humana, cuidadosa e equitativa. Cita as conferências realizadas sob a orientação das Nações Unidas durante o período entre Rio de Janeiro e Johannesburgo, incluindo :
•a Conferência de Monterrey sobre Financiamento para o Desenvolvimento, realizada pelo Departamento de Assuntos Economicos e Sociais das Nações Unidas, entre 18 e 22 de março de 2002 em Monterrey, no México;
•a Conferência Ministerial de Doha,realizada pela Organização Mundial do Comércio entre 9 e 13 de novembro de 2001 em Doha, Qatar.
A Declaração reconhece que a erradicação da pobreza, a mudança dos padrões de produção e consumo são os objetivos mais altos, e requisitos essenciais para o desenvolvimento sustentável. Reconhece que o ambiente global continua a sofrer, continua a perda de biodiversidade, os estoques pesqueiros continuam a diminuir, a desertificação continua a avançar sobre as terras férteis, os efeitos adversos das mudanças climáticas já são evidentes, os desastres naturais são mais freqüentes e mais devastadores e os países em desenvolvimento são mais vulneráveis a estes desastres. Reconhece também que, para atingir os nossos objetivos de desenvolvimento sustentável, precisamos de instituições internacionais e multilaterais mais efetivas, democráticas e responsáveis.
Reafirma nosso compromisso com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e com o direito internacional, bem como com o fortalecimento do multilateralismo. Assume o compromisso de monitorar regularmente o progresso na direção do alcance das nossas metas e objetivos para o desenvolvimento sustentável. Exprime o nosso compromisso de agir juntos, unidos pela determinação comum de salvar nosso planeta, promover o desenvolvimento humano e atingir a paz e prosperidade universais.
O plano de implementação de Johannesburgo
O plano de implementação de Johannesburgo – PIJ, foi planejado como uma estrutura para ação para implementar os compromissos da Conferência do Rio de Janeiro, e inclui vários compromissos novos. O PIJ contém 10 capítulos sobre a erradicação da pobreza, produção e consumo, a base de recursos naturais, globalização, saúde, pequenos países insulares em desenvolvimento, África, outras iniciativas regionais, meios de implementação, e estrutura institucional.
O plano de implementação assume compromissos em áreas importantes para o desenvolvimento sustentável, como:
1-Saneamento: reduzir à metade, até 2015, o número de pessoas sem acesso a água potável e ao esgotamento sanitário. As Nações Unidas estimam que temos hoje 1,1 bilhão de pessoas sem água encanada e 2,4 bilhões sem esgotamento sanitário. Foram anunciadas parcerias e projetos num montante de 1,5 bilhão de dólares.
2-Biodiversidade: reduzir significativamente o desmatamento e a perda de recursos genéticos até 2010. Um grande avanço para os países em desenvolvimento foi o compromisso firmado para iniciar a negociação sobre a repartição dos benefícios do uso dos recursos genéticos.
3-Pesca: restaurar os estoques pesqueiros a níveis sustentáveis até 2015, onde for possível. Regiões tradicionais de pesca, como a do bacalhau no Atlântico Norte, já entraram em colapso, o que provocou a perda de 40 mil empregos no Canadá. Mas a linguagem diplomática onde for possível é preocupante – talvez possamos entender com um habeas corpus preventivo.
4-Químicos: nova forma de gestão para os produtos químicos, com a harmonização da sua rotulagem e classificação até 2008, e a fabricação e uso de produtos químicos sem afetar a saúde humana até 2020.
5-Combate à pobreza: reduzir em dois terços até 2015 os índices de mortalidade infantil – o que será facilitado se a meta de água potável for atingida –, reduzir à metade até 2015 a proporção de pessoas com renda inferior a 1 dólar por dia, e melhorar significativamente a qualidade de vida de 100 milhões de favelados.
O plano de implementação menciona a intenção dos países industrializados em aumentar a  ajuda oficial ao desenvolvimento para os países pobres, mas não cita a meta de 0,7% que havia sido acordada na Rio 92 e nunca foi atingida. Apenas cinco países - Noruega, Dinamarca, Holanda, Suécia e Luxemburgo dedicam 0,7% de seu PIB para esta ajuda a fundo perdido aos países em desenvolvimento.
Outra vitória importante dos países em desenvolvimento foi a reafirmação, no plano de implementação, dos princípios aprovados na Declaração do Rio de Janeiro, mencionando explicitamente o Princípio 7, das responsabilidades comuns porém diferenciadas, que havia sido questionado pelos Estados Unidos durante as reuniões preparatórias. O Primeiro Ministro da Alemanha, Gerard Schroeder defendeu o fim dos subsídios agrícolas nos países ricos, que alcançam 1 bilhão de dólares por dia e dificultam o acesso dos produtos dos países em desenvolvimento aos mercados mundiais. Com relação às mudanças climáticas, a Rússia e o Canadá se comprometeram a ratificar o Protocolo de Quioto. O Canadá cumpriu a promessa poucos meses depois da Cúpula, mas a Rússia somente ratificou o Protocolo de Quioto em novembro de 2004, viabilizando sua entrada em vigor no dia 16 de fevereiro de 2005.
Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas, declarou que a Rio + 10 não foi uma reunião isolada, pois faz parte de um processo que inclui a Cúpula do Milênio (2000), a Conferência de Doha sobre Comércio Internacional (2001) e a Conferência de Monterrey sobre Financiamento para o Desenvolvimento (abril de 2002). Segundo ele, Nós temos que ser práticos e realistas, e caminhar adiante. O que é importante não é o que aconteceu na cúpula, mas o que acontecerá quando voltarmos para casa. A cúpula é apenas o começo.
A participação do Brasil e a Iniciativa Latino-americana e Caribenha
A América Latina e o Caribe assumiram seus próprios compromissos através da iniciativa latino-americana e caribenha para o desenvolvimento sustentável – ILAC, aprovada na sessão extraordinária do Fórum de Ministros da América Latina e Caribe, realizada em 31 de agosto de 2002, durante a Cúpula Mundial, em Johannesburgo.
A ILAC tinha sido discutida e acertada numa reunião do Fórum de Ministros realizada em São Paulo, sob a Presidência do Brasil, em maio de 2002.  O Ministro de Meio Ambiente do Brasil, José Carlos Carvalho, declarou que  com o texto da ILAC ratificado em Johannesburgo, a América Latina e o Caribe oferecem um exemplo de coerência em uma época particularmente marcada pelas incertezas.
Ficamos frustrados com os escassos consensos e metas definidas a serem alcançadas a nível mundial. Apesar disso, conseguimos avanços conceituais em algumas áreas, como por exemplo energias renováveis. A proposta brasileira para 10% de energias renováveis até 2010, que contava com o apoio de toda a América Latina e Caribe, não foi aprovada, mas o plano de implementação de Johannesburgo tem vários parágrafos sobre este assunto, com ênfase maior que a da Agenda 21. Por isso, o Secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldemberg, afirmou que já na próxima revisão anual do plano de implementação, a ser realizada pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável, a questão das energias renováveis poderia ser rediscutida.
O Brasil saiu da Rio + 10 fortalecido pela liderança que exerceu entre os países da América Latina e Caribe, que resultou na aprovação da iniciativa latino-americana e caribenha, onde até a Venezuela apoiou a meta de energia renovável e pela destacada participação de sua delegação oficial, com maioria da sociedade civil. Neste intervalo de dez anos entre a Conferência do Rio de Janeiro e a Cúpula de Johannesburgo, o Brasil adotou várias ações concretas, como o aumento das áreas protegidas na Amazônia e com o fortalecimento de sua legislação ambiental: aprovação da Lei dos Crimes Ambientais e da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos.
O Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, declarou na solenidade de encerramento da Cúpula Mundial que se tivesse que agradecer a algum país, agradeceria ao país anfitrião, por sediar a conferência, e ao Brasil, porque foi o país que mais avançou na questão ambiental nos últimos dez anos.  

Comentários

Postagens mais visitadas