Relâmpagos


Relâmpago é uma corrente elétrica muito intensa que ocorre na atmosfera com típica duração de meio segundo e típica trajetória com comprimento de 5-10 quilômetros. Ele é conseqüência do rápido movimento de elétrons de um lugar para outro. Os elétrons se movem tão rápido que fazem o ar ao seu redor iluminar-se, resultando em um clarão, e aquecer-se, resultando em um som (trovão). Apesar de estarem normalmente associados a tempestades, também podem ocorrer em tempestades de neve, tempestades de areia, durante erupções vulcânicas, ou mesmo em outros tipos de nuvens, embora nestes outros casos costumam ter extensões e intensidade bem menores.
História
Desde o século XVIII, a partir dos experimentos pioneiros do cientista americano Benjamin Franklin (1706-1790), sabe-se que os relâmpagos são descargas elétricas que ocorrem devido ao acúmulo de cargas elétricas em regiões localizadas na atmosfera, na maioria das vezes dentro de tempestades. A descarga inicia quando o campo elétrico produzido por estas cargas excede a rigidez dielétrica ou capacidade isolante do ar em um dado local na atmosfera. Franklin demonstrou a natureza elétrica do relâmpago através de seu famoso experimento com uma pipa, realizado em 1752. O experimento consistiu em empinar uma pipa, presa a um fio condutor, em uma região próxima a uma nuvem de tempestade. A carga induzida na pipa deslocava-se ao longo do fio provocando uma pequena descarga entre um condutor preso a sua extremidade e a sua mão. Várias pessoas morreram nos anos seguintes tentando reproduzir a sua experiência. O experimento de Franklin pode ser considerado como o marco do início da pesquisa científica sobre os relâmpagos.
No século seguinte à descoberta de Franklin, poucas descobertas foram realizadas. Foi somente em 1889 que H.H. Hoffert identificou descargas individuais, conhecidas como descargas de retorno, em um relâmpago próximo ao solo usando uma câmera fotográfica primitiva. Em 1897, F. Pockels estimou pela primeira vez a intensidade máxima da corrente de um relâmpago próximo ao solo, através da medida do campo magnético residual produzido por relâmpagos em rochas basálticas.
A partir destas descobertas, um estudo sistemático dos relâmpagos teve início através da fotografia e de outras técnicas tais como espectroscopia, medidas de radiação eletromagnética, e mais recentemente através de medidas diretas de corrente elétrica no solo e medidas óticas no espaço.
Tipos
Em termos gerais, existem dois tipos de relâmpagos:
*Relâmpagos na nuvem
*Relâmpagos no solo
Relâmpagos na nuvem originam-se dentro das nuvens cumulonimbus e propagam-se dentro da nuvem (relâmpagos intranuvem) e fora da nuvem, rumo a outra nuvem (relâmpagos nuvem-nuvem) ou numa direção qualquer no ar (descargas para o ar). Relâmpagos no solo, por sua vez, podem se originar na mesma ou em outras regiões dentro da nuvem Cumulonimbus (relâmpagos nuvem-solo) ou no solo, abaixo ou perto da tempestade (relâmpagos solo-nuvem). Mais de 99% dos relâmpagos no solo são relâmpagos nuvem-solo. Em raras ocasiões, os relâmpagos nuvem-solo apresentam um canal alargado ou com múltiplas interrupções, sendo conhecidos nestes casos como relâmpago de faixa ou relâmpago em contas. Relâmpagos solo-nuvem são relativamente raros e, geralmente, ocorrem no topo de montanhas ou estruturas altas. Os relâmpagos no solo podem também ser classificados em termos do sinal da carga líquida transportada da nuvem para o solo, como relâmpagos negativos ou relâmpagos positivos. Cerca de 90% dos relâmpagos nuvem-solo e dos relâmpagos solo-nuvem que ocorrem em nosso planeta são negativos. Esta percentagem, entretanto, pode mudar substancialmente em determinadas tempestades.
Cerca de 70% do total de relâmpagos são relâmpagos na nuvem. Embora eles sejam a maioria dos relâmpagos, são menos conhecidos que os relâmpagos no solo, em parte porque eles são menos perigosos e porque são escondidos pela nuvem. Relâmpagos intra-nuvem são normalmente visíveis apenas como um clarão no céu. Em geral, o canal inicia-se na região inferior de cargas negativas com diversas ramificações horizontais, propagando-se então para cima em direção à região de cargas positivas, onde novamente ramifica-se horizontalmente, embora em alguns casos possa se iniciar na parte superior da nuvem e se propagar para baixo, sendo denominados relâmpagos intra-nuvem invertidos. Em alguns casos, o canal pode sair da nuvem para em seguida retornar para dentro dela. Nestes casos, eles podem ser confundidos com relâmpagos entre nuvens e descargas para o ar. Relâmpagos intra-nuvem costumam ser os primeiros a ocorrer em uma tempestade, precedendo os relâmpagos nuvem-solo por várias dezenas de minutos, dependendo do tipo de tempestade. Relâmpagos intra-nuvem costumam também apresentar um aumento de atividade durante períodos que antecedem tornados, diferentemente dos relâmpagos nuvem-solo que podem apresentar alta ou baixa atividade nestes períodos. Por sua vez, o percentual de relâmpagos intra-nuvem de uma tempestade pode ser altamente variável, com valores desde 30% até 100%.
Uma forma rara de relâmpagos, não incluída nas categorias acima, são os relâmpagos esféricos. Um relâmpago esférico é uma esfera luminosa que geralmente ocorre perto das tempestades, mas não necessariamente simultaneamente a um relâmpago normal. Elas são, em geral, vermelhas, amarelas, azuis, laranjas ou brancas, têm um diâmetro de 10 a 40 centímetros, aparecem próximos ao solo ou na atmosfera, e mantém um brilho relativamente constante durante sua vida. Eles podem se mover rápido ou lentamente, ou ficar parados, podem ser silenciosos ou produzir estalos, duram de segundos a minutos (média de 4 segundos) e desaparecem lenta ou subitamente em silêncio ou produzindo um ruído. Embora eles tenham sido observados por mais de um século, não são bem conhecidos e permanecem um mistério.
Outra forma rara de relâmpago são os relâmpagos bipolares. Eles são caracterizados por apresentarem corrente de ambas as polaridades. Evidências sugerem que na maioria dos casos eles iniciam com uma descarga de retorno negativa. Em geral, estes relâmpagos são bastante raros e pouco conhecidos. Acredita-se que estes relâmpagos possam ser uma forma rara (cerca de 5%) de relâmpagos solo-nuvem. Medidas feitas no inverno no Japão têm registrado algumas tempestades com um percentual de quase 20% de relâmpagos bipolares. As causas destes altos valores ainda não são conhecidas.
Origem
Os relâmpagos se originam da quebra de rigidez dielétrica ou da capacidade isolante do ar. A quebra de rigidez do ar ocorre quando o campo elétrico é suficiente para ionizar os átomos do ar e acelerar os elétrons a ponto de produzir uma descarga. Medidas em laboratório estimam que para que a quebra de rigidez do ar ocorra dentro da nuvem, campos elétricos devem ser da ordem de 1 milhão de V/m. Medidas recentes têm mostrado que o campo elétrico dentro das nuvens de tempestade atinge valores máximos entre 100 e 400 kV/m. Estes valores são inferiores àquele para a quebra de rigidez do ar na altura da nuvem, e em princípio, não seriam suficientes para que ocorra a quebra de rigidez dielétrica do ar nestes níveis, a não ser que outros processos estejam atuando.
Dois processos têm sido propostos para explicar a iniciação dos relâmpagos a partir dos valores de campo elétrico medidos. Um deles considera que as gotículas de água se polarizam pelo campo elétrico ambiente atuando de modo a reduzir o campo necessário para a quebra de rigidez. Tal processo, contudo, aparentemente não é capaz de reduzir o campo para quebra de rigidez aos valores observados. O segundo processo considera que os elétrons secundários produzidos pela radiação cósmica na atmosfera atuam de modo a iniciar as descargas ao serem acelerados por estes campos, ao invés dos elétrons de baixa energia dos átomos do ar, num processo denominado quebra de rigidez por avalanche. Ambos os processos não explicam completamente o surgimento dos relâmpagos. Depois de iniciada a descarga, os elétrons na região de cargas negativas são atraídos por cargas positivas que começam a se mover através do ar rumo a estas cargas criando um canal condutor. O processo de quebra de rigidez é normalmente localizado perto da região de cargas negativas da nuvem.
Modelagem da Corrente Elétrica
A corrente da descarga de retorno de relâmpagos nuvem-solo tem sido modelada com o intuito de calcular as características termodinâmicas do canal do relâmpago tais como temperatura e pressão ou a radiação eletromagnética gerada a diferentes distâncias do canal. Os resultados dos modelos podem ser comparados com observações da radiação para validar os modelos. Uma vez validado, o modelo pode ser utilizado no cálculo dos efeitos da corrente sobre objetos ou para a obtenção do pico de corrente de uma descarga de retorno a partir da observação da radiação. Quatro tipos de modelos têm sido desenvolvidos baseados na termodinâmica dos gases, nas equações de Maxwell, em circuitos elétricos e em aproximações empíricas, conhecidos como modelos de engenharia. Devido à complexidade dos processos envolvidos, os modelos de engenharia são os mais utilizados, empregando como parâmetros a corrente na base do canal, a velocidade da descarga de retorno e, em alguns casos, o perfil de luminosidade do canal com a altura.
Radiação Eletromagnética - Luz e Sferics
Durante o relâmpago são produzidos campos elétricos e magnéticos com variações temporais desde nanossegundos até milissegundos. Estes campos são genericamente chamados de sferics. A forma de onda dos sferics é similar a forma de onda da corrente, com um pico quase no mesmo instante do pico de corrente e um segundo pico invertido associado com o campo refletido na base da ionosfera. Em distâncias maiores que 10 km do relâmpago, o pico dos campos tende a diminuir inversamente com a distância, na ausência de efeitos de propagação significativos. Para distâncias maiores que cerca de 50-100 km, o pico dos campos é significativamente atenuado devido a propagação sobre a superfície não perfeitamente condutora da terra.
No instante do pico dos campos, a média da potência eletromagnética total irradiada é cerca de dez vezes maior do que aquela no espectro ótico. No domínio de freqüência, os campos têm uma máxima intensidade ao redor de 5-10 kHz para relâmpagos no solo e ao redor de 100-200 kHz para relâmpagos nas nuvens. Esta diferença é devida a diferente geometria do canal nos dois casos. Porém, em geral o pico da radiação produzida por relâmpagos intra-nuvem é menos intenso do que aquele associado aos relâmpagos nuvem-solo.
Relâmpagos intra-nuvem, assim como os relâmpagos entre nuvens e descargas para o ar são menos conhecidos que os relâmpagos nuvem-solo e solo-nuvem, e indistinguíveis entre si através de medidas de radiação no solo.
Energia Total
Diferentemente do que se acredita, a energia dos relâmpagos não é muito grande.
 Considerando que um relâmpago nuvem-solo transporta uma carga elétrica média de 10 C, e que a tensão ao longo do canal é em torno de 100 milhões de volts, então a energia elétrica total do relâmpago é de 109 J, ou seja, cerca de 300 kwh. A maior parte da energia do relâmpago (mais de 90%) é gasta na expansão do ar nos primeiros metros ao redor do canal, sendo o restante convertida em energia térmica (cerca de 1%), energia acústica (cerca de 1%) e energia eletromagnética (cerca de 0,01% sobre a forma de sferics e cerca de 1% na forma de luz). Portanto, cerca de 1% da energia total do relâmpago pode ser aproveitada no solo. Se considerarmos, por exemplo, uma torre com uma altura em torno de 100m instalada em um local apropriado para captar os relâmpagos, ela provavelmente seria atingida por algo em torno de 10 a 20 relâmpagos por ano. Em suma, isto representaria algo em torno 50 kwh por ano, o que seria suficiente para o consumo de apenas uma única residência. Portanto, podemos concluir que, do ponto de vista da utilização como uma fonte de energia, os relâmpagos nuvem-solo são inviáveis.
Ondas Acústicas
Relâmpagos quando ocorrem aquecem violentamente o ar ao seu redor. O ar atinge temperaturas máximas de cerca de 20 mil a 30 mil graus Celsius em cerca de 10 microssegundos, correspondendo a densidades de elétrons de 1020 elétrons por metro cúbico. Quando o ar é aquecido ele se expande, e esta expansão gera em uma distância de poucas centenas de metros uma onda de choque supersônica e, em distâncias maiores uma onda sonora intensa que se afasta do canal em todas as direções. Estas ondas são os trovões que ouvimos. Trovões produzidos por relâmpagos no solo tem, tipicamente, um máximo de intensidade em torno de 50-100 Hz, enquanto que aqueles produzidos por relâmpagos nas nuvens têm um máximo de intensidade em torno de 20-30 Hz. Próximo do relâmpago, o som assemelha-se a intenso estalo e pode causar danos ao ouvido humano. Distante do relâmpago, o som assemelha-se a um estrondo grave relativamente fraco.
A duração do trovão é uma medida da diferença entre as distâncias do ponto mais próximo e do ponto mais distante do canal ao observador. A duração típica de um trovão é de 5 a 20 segundos. A maioria dos trovões tem estrondos e estalos porque o canal é torto, fazendo com que ondas de som cheguem ao observador em diferentes instantes e direções.
Trovões produzidos por relâmpagos no solo em geral podem ser escutados até distâncias de 20 km. Trovões produzidos por relâmpagos nas nuvens são similares àqueles produzidos por relâmpagos no solo, porém são mais fracos. Parte da energia acústica do trovão está concentrada em freqüências abaixo daquelas que o ouvido humano pode escutar, em geral, umas poucas dezenas de Hz. Esta parte é chamada de trovão infra-sônico e acredita-se estar associada com mudanças na energia eletrostática dentro da nuvem após a ocorrência de um relâmpago.
O trovão pode ser usado para calcular qual à distância de um relâmpago. Quando você enxergar o clarão, comece a contar os segundos até escutar o trovão. Divida o número de segundos por três (3) e você terá a distância aproximada do relâmpago em quilômetros. O erro médio associado com este método é de 20%. Finalmente, se você enxergar o clarão e não escutar o trovão, o relâmpago provavelmente está a mais de 20 quilômetros de você.
Ocorrência na Terra
Cerca de 100 relâmpagos ocorrem no mundo a cada segundo, o que equivale a cerca de 5 a 10 milhões por dia ou cerca de 1 a 3 bilhões por ano. Apesar do fato de que a maior parte da superfície de nosso planeta estar coberta por água, menos de 10% do total de relâmpagos ocorrem nos oceanos, devido a dificuldade destes responderem às variações de temperatura ao longo do dia, o relevo menos acidentado e a menor concentração de aerossóis comparado à superfície dos continentes. Relâmpagos ocorrem predominantemente no verão, devido ao maior aquecimento solar, embora ocorram em qualquer período do ano. Em médias latitudes, relâmpagos já foram registrados em dias com temperaturas tão baixas quanto -10° C. A distribuição global de relâmpagos, em relação ao número de relâmpagos nuvem-solo por quilômetro quadrado (densidade de relâmpagos) por ano, foi pela primeira vez estimada com base em observações feitas ao longo das décadas de 40 e 50, do número de dias de tempestade que ocorrem por ano em um dado local, também conhecido como índice ceráunico.
Dias de tempestade são definidos como aqueles em que um observador, num dado local, registra a ocorrência de trovão. A partir das observações do número de dias de tempestade por ano, a densidade anual de relâmpagos nuvem-solo pode ser estimada de forma aproximada através de uma fórmula empírica obtida por estudos realizados em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Recentemente, a distribuição global de relâmpagos tem sido obtida através de observações feitas com sensores ópticos a bordo de satélites. A densidade de relâmpagos por ano obtida a partir de observações feitas por satélite após 1995 é, contudo, restritas a latitudes inferiores a 35°, devido à órbita do satélite, e tendem a representar a densidade total de relâmpagos, visto que o sensor a bordo do satélite não é capaz de discriminar os diferentes tipos de relâmpagos. Assim como para o índice ceráunico, a densidade de relâmpagos nuvem-solo pode ser estimada a partir das observações de satélite.
As observações de satélite confirmam que a maioria dos relâmpagos ocorre sobre os continentes e em regiões tropicais. De um modo geral, sabe-se que as principais regiões de ocorrência de relâmpagos são a região central da África, o sul da Ásia e a região sul dos Estados Unidos no hemisfério norte, e o Brasil (exceto pela região nordeste), a região norte da Argentina, o sul da África, a ilha de Madagascar, a Indonésia e a região norte da Austrália no hemisfério sul. Em alguns pontos destas regiões, como Uganda e a ilha de Java, a densidade de relâmpagos por ano atinge valores próximos àqueles registrados no famoso edifício "Empire State" em Nova York, que com seus 410 metros de altura é atingido em média por cerca de 20 relâmpagos por ano, a maioria relâmpagos solo-nuvem. Relâmpagos são raros em regiões de altas latitudes geográficas (latitudes maiores que 60°), devido ao ar ser muito frio, e em regiões desérticas, onde não há umidade suficiente para a formação das nuvens de tempestade.
O Brasil, devido a sua grande extensão territorial e ao fato de estar próximo do equador geográfico, é um dos países de maior ocorrência de relâmpagos no mundo. Estima-se, com base em dados de satélite, que cerca de 50 milhões de relâmpagos nuvem-solo atinjam o solo brasileiro por ano, ou seja, cerca de dois relâmpagos por segundo. Isto equivale a uma média de quase 7 relâmpagos por quilômetro quadrado por ano. As pesquisas sobre relâmpagos em nosso país têm-se intensificado nos últimos anos. Atualmente, cerca de um terço da superfície de nosso país está coberta por sistemas de detecção de relâmpagos, inclusive parte da região amazônica, onde medidas nunca tinham sido feitas.
Por outro lado, a atividade humana está afetando significativamente os relâmpagos.
 Estudos recentes têm mostrado que a ocorrência de relâmpagos tem aumentado significativamente sobre grandes áreas urbanas em relação às áreas vizinhas. Acredita-se que este efeito esteja relacionado ao maior grau de poluição sobre estas regiões e ao fenômeno conhecido como "ilha de calor", aquecimento provocado pela alteração do tipo de solo e a presença de prédios.  

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