Pegada Hídrica

Faça uma conta rápida e diga quantos litros de água você utiliza por dia? Não vale contar apenas os litros usados durante o banho, para lavar a louça ou regar o jardim. A água embutida na carne do almoço, no chocolate da sobremesa e no algodão da camisa, além da gasolina, o papel da impressora e o cafezinho no final da tarde também devem ser contabilizados. E agora, já sabe a quantidade de água que usa diariamente?
Para responder a essa pergunta foi criada a Pegada Hídrica ou Water Footprint, como é chamada em inglês. Trata-se de um cálculo feito para levantar todo o consumo de água ao longo do ciclo de vida dos produtos e serviços de uma empresa, comunidade ou pessoa comum. A pegada contabiliza os usos diretos e indiretos e indica o real volume do recurso natural que foi gasto em cada etapa de sua cadeia produtiva.
Para chegar a um número exato, o uso de água é medido em termos de volume consumido (evaporado) e/ou poluído por unidade de tempo. O cálculo pode ser feito para um único produto em particular ou para um grupo bem definido de consumidores (como uma família, uma empresa, uma comunidade, ou uma nação) ou de produtores (como uma entidade pública, empresa privada ou setor econômico).
Com o objetivo de avançar nas estratégias de conservação e gestão da água doce, uma parceria entre WWF-Brasil, Water Footprint Network, The Nature Conservancy e USP São Carlos traz ao Brasil o criador do conceito de Pegada Hídrica, Prof. Arjen Hoekstra. Ele cumpre agenda, por meio de cursos e palestras, com o objetivo de transmitir conhecimento técnico a representantes de instituições-chave que possam unir esforços para atrair o engajamento de governos, empresas, universidades, institutos de pesquisa, ONGs, entre outros, no sentido de implementar a metodologia de gestão eficiente e sustentável da água no País.
Segundo o professor Mario Mendiondo da USP-São Carlos, “os parceiros atuam na ampliação da capacidade do Brasil a partir de três pilares: sustentabilidade, inovação e empreendedorismo”. O primeiro busca promover o uso responsável da água, trazendo benefícios sociais, econômicos e ambientais. O segundo é retratado na própria metodologia da Pegada Hídrica como uma nova ferramenta de gestão de recursos hídricos. Por fim, “será preciso empreender mecanismos para minimizar a Pegada Hídrica até um patamar aceitável”, complementa Mendiondo.
“Embora o Brasil seja o país com a maior reserva hídrica do planeta, em muitas regiões já existe conflito pelo uso da água, o que demanda uma boa governança. Além disso, o crescimento da economia brasileira deve aumentar significativamente o uso da água nas diversas atividades produtivas”, explica Samuel Barrêto, coordenador do Programa Água para a Vida do WWF-Brasil. Dessa forma, é preciso reduzir os riscos de escassez de água, promovendo o uso eficiente desse recurso natural, e até mesmo reduzir o risco de imagem negativa, que pode estar associado a uma empresa que não utiliza bem este recurso.
A Pegada Hídrica é uma ferramenta de gestão de recursos hídricos que indica o consumo de água doce com base em seus usos direto e indireto. O método permite que as iniciativas públicas e privadas, assim como a população em geral, entendam o quanto de água é necessário para a fabricação de produtos ao longo de toda a cadeia produtiva. Desta forma, os segmentos da sociedade podem quantificar a sua contribuição para os conflitos de uso da água e degradação ambiental nas bacias hidrográficas em todo o mundo.
Para Hoekstra, apesar de os governos terem papel fundamental na elaboração de leis que tornem a gestão eficiente da água uma obrigação, a população e as empresas também devem se envolver completamente. As companhias precisam entender como utilizar os recursos hídricos da melhor forma e devolvê-los limpos para a natureza. Já os consumidores devem se preocupar com a origem dos produtos que consomem e com os procedimentos adotados na produção.
A Pegada Hídrica pode ser Verde, quando a água da chuva evapora ou é incorporada em um produto durante a sua produção; Azul, que calcula as águas superficiais ou subterrâneas que evaporam ou são incorporadas em produtos, ou então devolvidas ao mar ou lançadas em outra bacia; e Cinza, que mede o volume de água necessário para diluir a poluição gerada durante o processo produtivo.
Ao analisar a Pegada Hídrica de um produto, é preciso levar em consideração as etapas do processo de fabricação e os locais por onde ele passou – desde a matéria-prima até o produto final. De acordo com o professor, “a Pegada Hídrica de uma área onde tem água em abundância é muito diferente da que está numa região mais seca”. Por isso, ele criou uma forma de distinguir estas Pegadas.
Hoekstra destaca que a média global de Pegada Hídrica de uma camisa de algodão, por exemplo, é de 2.700 litros de água (consulte as médias globais de outros produtos no quadro ao lado). Durante a produção, o algodão pode ter sido cultivado e transformado em tecido no Paquistão e em camisa na Malásia para ser vendida nos Estados Unidos. “Portanto, para calcular a Pegada Hídrica de uma camisa vamos precisar do somatório da pegada de cada etapa e isso será distribuído por vários locais do mundo”.
“Quem sabe se, no futuro, não poderemos dizer que a Pegada Hídrica não é tão alta porque foi produzida onde há abundancia de água ou onde não está poluindo. Cada vez mais os consumidores querem saber este tipo de informação”, destaca Hoekstra. “Devemos considerar quanto de poluição pode ser gerada nas águas da Ásia, por exemplo, para que o europeu possa vestir uma camisa. Com a Pegada Hídrica, fazemos uma ligação entre o consumo que acontece em um lugar e o impacto no sistema hídrico de outro lugar”.
Hoekstra explica que é possível também calcular a Pegada Hídrica de um indivíduo, de acordo com o padrão de consumo que ele segue e a oferta de produtos que ele tem. Uma pessoa que adota dieta vegetariana, por exemplo, tem uma Pegada Hídrica 30% menor do que uma não vegetariana. O brasileiro tem cerca de 5% da sua pegada em casa, com consumo de água na cozinha e no banheiro, e 95% estão relacionados com o que compra no supermercado, especialmente com produtos agrícolas. Outro dado importante é que 8% da pegada do brasileiro estão fora do País, um índice muito pequeno se comparado aos 85% da Holanda.
“Precisamos desconstruir a percepção de que a água vem apenas da torneira e que simplesmente consertar um pequeno vazamento é o bastante para assumir uma atitude sustentável”, ressalta Albano Araujo, coordenador da Estratégia de Água Doce do Programa de Conservação da Mata Atlântica e das Savanas Centrais da The Nature Conservancy.
Mesmo já sofrendo com conflitos pelo uso da água doce, a América do Sul tem a maior reserva de recursos hídricos do mundo. Por isso, há uma crescente demanda por produtos de uso intensivo de água na região. Um país como a China, que vive essencialmente de exportações, precisa transferir a pegada para outros países que têm maior oferta. “Existem países, como a Nigéria, que têm uma pegada enorme não só por falta de água, mas também por práticas pouco sustentáveis do recurso”, observa Hoekstra.
Hoekstra acredita que as empresas estão buscando entender o que podem fazer para ajudar. O comprometimento dos recursos hídricos pode afetar diretamente os negócios de uma companhia, prejudicando a reputação, a área financeira, regulatória e até mesmo a sua localização. A WFN deu um grande passo e publicou o Manual Técnico de Pegada Hídrica, disponível para download em www.waterfootprint.org, que contém normas globais. De acordo com Hoekstra, a criação de normas globais e padrões é um ponto chave para comparar produtos e empresas.
Médias globais de Pegada Hídrica
1 taça de vinho - 120 litros de água
1 xícara de café- 140 litros de água
1 kg de açúcar refinado - 1.500 litros de água
100 gramas de chocolate - 2.400 litros de água
1 hambúrguer - 2.400 litros de água
1 camiseta de algodão - 2.700 litros de água
1 kg de carne bovina – 15.500 litros de água



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