Conservar Nascentes


Nascentes são manifestações superficiais de água armazenada em reservatórios subterrâneos, conhecidos como aquíferos ou lençóis, e que dão origem a pequenos cursos d’água. Estes pequenos constituem os córregos que se ajuntam para formar riachos e ribeirões e que voltam a se juntar para formar os rios. É assim que surge tanto um pequeno ribeirão, quanto os rios Amazonas e São Francisco, e tantos outros.
Mas nem todas as manifestações superficiais dos lençóis subterrâneos chegam a formar cursos d’água, pois podem ficar simplesmente formando poças e constituindo as conhecidas fontes. Já os lençóis são abastecidos pela parte da água das chuvas que penetra no solo e desce pelo perfil do mesmo até encontrar uma camada impermeável (rochosa, por exemplo). Com a impossibilidade de continuar descendo, ela se acumula, preenchendo os poros, encharcando ou saturando o solo logo acima da referida camada impermeável. Esse volume de solo saturado constitui o lençol ou aquífero.
A conservação de nascentes é, portanto, uma tecnologia que precisa estar baseada em fundamentos hidrológicos. Sobre tais fundamentos, que variam com a variação dos ecossistemas, é que são estabelecidas as tecnologias de manejo. Toda a parte do ciclo hidrológico envolvida na conservação de nascentes ocorre numa área da superfície que se enquadra na definição de bacia hidrográfica. Pode ser pequena, uma simples grota, e aí está o segredo de tudo, pois a hidrologia de pequenas bacias tem peculiaridades que a difere daquela usada nos estudos de grandes rios, para construção de hidrelétricas, por exemplo.
Toda a parte do ciclo hidrológico envolvida na conservação de nascentes ocorre numa área da superfície que se enquadra na definição de bacia hidrográfica. Pode ser pequena, uma simples grota, e aí está o segredo de tudo, pois a hidrologia de pequenas bacias tem peculiaridades que a difere daquela usada nos estudos de grandes rios, para construção de hidrelétricas, por exemplo. E a grande dificuldade para salvar nossos cursos d’água está na falta desses especialistas, pois a construção de hidrelétricas, desde muito tempo, fez desenvolver a hidrologia de grandes bacias ou hidrologia de rios.
E apesar da recente legislação brasileira sobre recursos hídricos falar na bacia hidrográfica como unidade básica de planejamento e gestão de uso da água, a maioria de nossos hidrologistas continuam com seus olhos voltados para os rios. Falam na bacia, mas só agem nos rios. Falam em gestão da bacia, mas concentram suas atividades na gestão da água que já corre pelos rios.
Há, no assunto de conservação de nascentes, muitas verdades que são discutidas em artigos vários e em palestras, mas, também, muitos mitos que são insistentemente divulgados e que acabam se tornando perigosos para a boa compreensão dos sistemas envolvidos. Passaremos a listar alguns desses mitos e verdades, com explicações sucintas de cada um.
A princípio, toda a superfície da pequena bacia é responsável pela formação e manutenção da nascente. Mas só uma análise hidrológica é capaz de definir, nessa superfície, as áreas importantes para a recarga dos lençóis. Não há nenhuma razão científica e técnica para nomear, como regra geral válida para quaisquer situações, topos de morros, por exemplo, como sendo as áreas de recarga (combinaram com os lençóis que eles deverão estar distribuídos essencialmente abaixo dos topos?). Está ficando até irritante para os especialistas em hidrologia de formação e manutenção de nascentes verem uma bobagem como essa ser repetida até por pessoas que se dizem entendidas no assunto e que propagam esse grande mito.
É verdade que a mata ciliar é capaz de manter um ambiente favorável à manutenção da fauna e que também é um elemento importante para a biodiversidade. È verdade, até certo ponto, que ela é capaz de fazer uma barreira à chegada de poluentes aos cursos d’água . Até certo ponto, porque isso varia muito com a geomorfologia da área, com o tipo de solo e com a forma de exploração da encosta adjacente. Por outro lado, é um grande mito a propalada ação da mata ciliar no aumento das vazões de nascentes e cursos d’água (entendida como mata ciliar, é claro, aquela que forma uma faixa em torno das nascentes e dos cursos d’água e que está definida no Código Florestal).
Um corte do perfil do solo indica que na região da mata ciliar o lençol está a pequena profundidade, mesmo nas épocas de estiagens. E como muitos desses períodos de estiagens, em boa parte do país, ocorrem quando as temperaturas estão bem altas, refletindo bons níveis de energia no ambiente, há condições ideais para aumento das taxas de evapotranspiração, o que pode acarretar a perda de volumes expressivos de água que seriam destinados às vazões. Há, então, possibilidades hidrológicas de as matas ciliares, nessas circunstâncias, acabarem provocando a diminuição das vazões. Esse fenômeno é mais do que conhecido pelos especialistas em hidrologia de pequenas bacias hidrográficas.
Nas regiões montanhosas, encostas com declividades acentuadas, mas menores do 45o (fora da preservação permanente), exploradas de forma intensiva, com pastagens, por exemplo, são as áreas mais importantes para um trabalho efetivo de conservação de nascentes. Representam, em média, as maiores percentagens das superfícies das pequenas bacias e onde precisamos atuar para aumentar a infiltração de água e diminuir as enxurradas.
Aí estão algumas rápidas pinceladas sobre hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, mostrando que conservação de nascentes não é assunto para amadores, não pode ser tratada com “receitas de bolo”, é muito mais do que práticas de conservação de solos para controle de erosão e bem mais complexa do que as visões generalistas. Isso é fundamental para garantir a manutenção de nossos cursos d’água, pois é nas nascentes que tudo começa.
COMO PROTEGER ÁREAS DE NASCENTE
Recuperar ou proteger uma área de nascente, além de ser um ótimo investimento ambiental, ajuda a garantir o fornecimento de água no campo e a manter a biodiversidade local. Para ter sucesso, porém, a tarefa precisa ser bem planejada e ter acompanhamento técnico adequado. 'Por melhor que seja a intenção, deve-se, antes de qualquer intervenção, procurar o órgão ambiental competente para obter autorização e tocar o projeto', orienta o pesquisador Ladislau Skorupa, da Embrapa Meio Ambiente.
Ele explica que as nascentes são áreas onde há o afloramento do lençol freático e abastecem córregos, rios e reservatórios. 'Elas podem estar localizadas em encostas ou nas porções mais baixas do terreno e muitas vezes ocorrem ao longo de cursos d'água. Podem ser perenes ou temporárias e são locais bastante sensíveis', afirma.
Skorupa diz que a primeira providência em um processo de proteção ou recuperação de nascentes é impedir ou limitar o acesso de animais com a construção de cercas. 'Essa prática é suficiente para promover a regeneração da vegetação nativa.' Outra medida importante é associar métodos de controle de erosão (plantio direto, terraceamento, curvas de nível). 'Sem ações conjuntas, o processo pode ser inútil.'
Pela importância dessas áreas, o Código Florestal as estabelece como Áreas de Preservação Permanente (APP), definidas, conforme Skorupa, como 'áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.'
COBERTURA
Como a garantia de produção de água de uma nascente está ligada ao abastecimento do lençol freático, é fundamental manter o solo em boas condições para que a infiltração da chuva não seja impedida. 'A água que alimenta o lençol freático penetra pelos poros do solo; caso esse abastecimento seja comprometido, há diminuição da produção de água pela nascente e aumentam os riscos dela secar e até desaparecer', alerta.
Sabendo disso, é possível entender a importância de uma boa cobertura vegetal na área. 'A cobertura evita danos no solo - como a compactação - provocados pelo impacto da água de chuvas fortes', observa o pesquisador. 'O solo compactado favorece a formação de enxurradas, que fazem a água escorrer de maneira superficial e se perder. Com o solo coberto, ao contrário, as gotas são amortecidas: escorrem pelos galhos, ramos e folhas da vegetação mansamente.' A partir daí, parte da água é absorvida pela vegetação, parte evapora, uma pequena parcela escoa superficialmente e boa parte penetra no solo.
Embora o plantio deva ser feito apenas com plantas nativas, é difícil citar espécies, pois cada região tem suas particularidades. A titulo de exemplo, no Estado de São Paulo, o reflorestamento é orientado pela Resolução 58, da Secretaria do Meio Ambiente, que apresenta uma lista dividida por ecossistemas e que dá uma boa orientação.' A lista está disponível no site.
O diretor da regional sudoeste paulista do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), em Sorocaba, Minoru Iwakami Beltrão, faz, porém, uma ressalva. 'A introdução de espécies como a leucena e o pinus, por exemplo, pode ser problemática, pois elas têm grande dispersão de sementes e impedem o desenvolvimento de outras plantas.'
Segundo Beltrão, é importante saber que a proteção ou a recuperação de uma nascente é um projeto a médio e longo prazo. 'No início, uma árvore exigirá mais água do que uma pastagem, por exemplo, mas esta árvore protegerá o solo de chuvas fortes e trará benefícios posteriormente.'
Dicas úteis
Espécies nativas - Para preservar uma área de nascente é fundamental utilizar somente espécies nativas da região.
Cerca - É necessário cercar a área, pois o acesso de animais como bois, vacas, cavalos e ovelhas, provoca danos à vegetação e prejudica a qualidade da água.
APP - Segundo determinação do Código Florestal, a área de 50 metros de raio ao redor da nascente é considerada Área de Preservação Permanente (APP). Isso significa que qualquer intervenção neste local deve ser autorizada por órgão local competente.
DEPRN - Em São Paulo, o órgão responsável pelo licenciamento ambiental é o DEPRN, que possui equipes técnicas ambientais presentes em diversos municípios. Cada estado possui um órgão que cuida dos licenciamentos.
Projeto - É recomendável elaborar um projeto de intervenção para apresentar ao órgão responsável pela autorização. Baseado nisso, o local pode ser vistoriado por técnicos, que avaliam a viabilidade do projeto.
Multa - Qualquer intervenção em APP no Estado de São Paulo sem a autorização é enquadrada como crime ambiental, passível de multa de até R$ 50 mil/hectare. Pode-se verificar que haverá possíveis diferenças em valores conforme o estado.
Investimento - Proteger ou recuperar uma área de nascente é um processo lento, que deve ser encarado como um investimento e médio e longo prazos. 

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