A quem interessa a desinformação sobre a agenda de conservação da biodiversidade no Brasil
Como país de megadiversidade
biológica e signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o Brasil
vinha assumindo compromissos internacionais de proteção desse patrimônio
inestimável, por meio de políticas públicas e outras ações institucionais, nas
últimas décadas. A Política Nacional da Biodiversidade (Decreto 4.339/2002) é um
resultado direto desse comprometimento do governo brasileiro com a CDB. Vale
ressaltar que, dentre os sete componentes dessa política pública, o sexto se
refere à “Educação, Sensibilização Pública, Informação e Divulgação sobre
Biodiversidade”, alinhado, por sua vez, ao artigo 13 da própria Convenção da
Organização das Nações Unidas (ONU) que trata de “Educação e Conscientização
Pública”.
Considerando esse contexto, é
preocupante que o decreto presidencial 9.759/2019, assinado em 11 de abril 2019,
tenha extinguido a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) juntamente com
outros conselhos e colegiados que não tenham sido criados por lei. Essa é uma
questão que merece aprofundamento da mídia já que muitas dúvidas ainda pairam
no ar. Diante dessa iniciativa governamental e da falta de recursos financeiros
e humanos no âmbito do MMA, quem assumirá as funções que estavam a cargo da
Conabio? Como a sociedade brasileira poderá acompanhar esses desdobramentos?
Segundo informações disponíveis
no site do Ministério do Meio Ambiente, a Conabio “é composta por
representantes de órgãos governamentais e organizações da sociedade civil e tem
um relevante papel na discussão e implementação das políticas sobre a
biodiversidade”. Ainda segundo a mesma
fonte, “compete à comissão promover a implementação dos compromissos assumidos
pelo Brasil junto à CDB, bem como identificar e propor áreas e ações
prioritárias para pesquisa, conservação e uso sustentável dos componentes da
biodiversidade”.
Outra questão merece aprofundamento
e debate com a sociedade brasileira. No âmbito da CDB, a principal agenda
global envolvendo os signatários é o Plano Estratégico 2011-2020 ao qual se
vinculam as 20 Metas de Aichi, acordadas durante a Décima Conferência das
Partes da CDB (COP-10), realizada em Nagoya, Japão, em 2010. A meta 11, de ampliação das áreas protegidas,
se destaca nesse esforço de enfrentamento da perda de biodiversidade, até 2020.
Com as Metas Nacionais, o Brasil assumiu compromissos ainda mais ousados do que
os da própria CDB (proteção de 17% das áreas terrestres e 10% das áreas
marinhas e costeiras), conforme destacado a seguir, embora algumas decisões
governamentais pareçam estar na contramão desse comprometimento oficial.
“Até 2020, serão conservadas, por
meio de sistemas de unidades de conservação previstas na Lei do SNUC e outras
categorias de áreas oficialmente protegidas, como APPs, reservas legais e
terras indígenas com vegetação nativa, pelo menos 30% da Amazônia, 17% de cada
um dos demais biomas terrestres e 10% de áreas marinhas (…)” (5º Relatório
Nacional para a Convenção Sobre Diversidade Biológica), publicado pelo MMA, em
2016.
Informações
importantes não estão disponíveis
Apesar da relevância dessa agenda
e da sua atualidade, diante de um contexto de perda de biodiversidade sem
precedentes, no site do MMA, na área destinada aos compromissos do Brasil com a
CDB, alguns links estão aparentemente disponíveis, mas quando acessados não
apresentam as informações correspondentes. Isso acontece com os Documentos
Técnicos da CDB.
Segundo informado no site do MMA:
“O objetivo da Série de Documentos Técnicos da CDB é contribuir para a
disseminação de informações atualizadas e confiáveis sobre tópicos selecionados
de importância para a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável
de seus componentes e a repartição equitativa de seus benefícios”.
No entanto, a lacuna percebida
quando se tenta acessar os documentos mencionados contraria esse compromisso de
disseminação de informações atualizadas. Não há qualquer esclarecimento sobre o
porquê da indisponibilidade.
Já no espaço denominado O Brasil
e a CDB não consta nenhuma informação, o que tende a dificultar o entendimento
dos internautas sobre os compromissos assumidos pelo país como signatário dessa
Convenção e, consequentemente, o acompanhamento dos seus principais
desdobramentos.
A
importância do acesso à informação qualificada
Recentemente, foi divulgado que o
MMA iria rever a criação de 334 unidades de conservação federais,
implementadas, segundo o ministro Ricardo Salles, sem critérios técnicos para
tal. Nesse contexto, estaria em xeque até mesmo o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza – SNUC (lei 9.985/2000)? Esse é o arcabouço legal
que orienta a criação, implementação e gestão das UCs no Brasil, resultante de
um processo de debates e negociação envolvendo diversos segmentos sociais por
mais de uma década.
Há de se reconhecer que, nas
últimas décadas, têm sido desenvolvidos estudos para orientar a criação de
parques, reservas e outras unidades de conservação no Brasil (processo que se
tornou mais participativo a partir do SNUC). A definição de Áreas Prioritárias
para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição dos Benefícios da
Biodiversidade Brasileira (os três objetivos da CDB) é um exemplo nesse
sentido. No entanto, informações atualizadas sobre essas áreas foram retiradas
do ar pelo MMA, em abril, sob a alegação de erros identificados. Posteriormente
os dados foram reativados. Inicialmente, houve alguma repercussão na mídia
sobre essa questão, mas ainda cabem aprofundamentos sobre os desdobramentos
possíveis dessa tomada de decisão, tendo em vista as intenções já sinalizadas
pelo governo para a gestão de unidades de conservação e para o futuro de outras
estratégias de proteção da biodiversidade no Brasil.
Diante do atual contexto
político-institucional nacional, além dos riscos evidentes ao futuro do SNUC,
qual seria o destino da Política Nacional da Biodiversidade? Estaria em curso
algum plano para alterá-la ou mesmo exterminá-la do rol de políticas ambientais
brasileiras? E própria participação do Brasil na CDB, estaria em risco?
O Brasil está atrasado com a
entrega do 6º Relatório Nacional para a CDB (deveria ter ocorrido até o final
de 2018). Quando esse documento será entregue e como se dará a sua tramitação
considerando que a Conabio exercia um papel central nesse processo? Por outro
lado, é importante considerar que o Congresso brasileiro ainda não ratificou o
Protocolo de Nagoya, que apresenta diretrizes para a repartição justa e
equitativa dos recursos gerados pelo uso da biodiversidade, outra importante
deliberação da COP-10. Como está a tramitação desse processo, iniciada em 2012,
e quais são os segmentos sociais que têm colaborado para o bloqueio dessa
agenda?
Com a proximidade de 2020, o que
esperar como respostas do governo brasileiro frente aos compromissos assumidos
com as Metas de Aichi ? Nesse contexto, a Meta 1 orienta que “até 2020, no mais
tardar, as pessoas terão conhecimento dos valores da biodiversidade e das
medidas que poderão tomar para conservá-la e utilizá-la de forma sustentável”,
o que pressupõe a necessidade de acesso à informação qualificada e às ações
educativas, entre outras iniciativas de sensibilização sobre a importância
dessa agenda. E, ainda, quais são as perspectivas de participação do Brasil nos
debates para o chamado pós-2020, quando poderão ser atualizadas as metas ou
mesmo adotado um novo plano estratégico? Essa é uma discussão que já mobiliza
os signatários da CDB globalmente.
Por fim, diante da complexidade
desse cenário, cabe a todos uma reflexão urgente: A quem interessa a
desinformação sobre os desdobramentos dos compromissos brasileiros com a agenda
mais importante no âmbito do principal tratado internacional pela proteção da
biodiversidade?
Fonte: Envolverde - Artigo de Elizabeth Oliveira
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