Todo projeto de futuro tem de mirar a biodiversidade
Estamos nos aproximando do
momento decisivo da campanha para as eleições de Outubro 2018. O Brasil
atravessa uma crise múltipla e profunda, com desemprego em massa, miséria
voltando, violência civil generalizada, corrupção crônica, educação ineficaz,
caos e desassistência à saúde e milhares de jovens deixando o país em busca de
oportunidades. Porém, enfrentar a crise, com sucesso, exige projeto de país.
Temas como o manejo da
biodiversidade e a economia das populações tradicionais parecem secundários
diante de tantas emergências. Mas já não há como ignorar a sua essencialidade
para qualquer projeto de futuro que se pretenda, embora os candidatos à
Presidência da República pareça não saber disso, ou não concordar.
Quando se soma a extensão dos
Parques e Reservas Nacionais e Estaduais, dos quilombos titulados por Estados
ou União, das Terras Indígenas e das áreas públicas concedidas para uso de
comunidades extrativistas, chega-se a 31% do território brasileiro e a mais da
metade da Amazônia Legal. Trata-se da parte do território que conserva mais e
melhor a diversidade biológica dos nossos biomas e que também faz do Brasil o
país mais megadiverso da Terra.
Não há um censo apurado das
populações que vivem nessas áreas ou mantêm relação direta com elas. Estima-se
que a soma das populações extrativistas (ribeirinhos, caiçaras, seringueiros),
quilombola e indígena, em todo o país, possa chegar a 18 milhões de pessoas,
incluídas as que vivem em áreas que ainda não foram destinadas pelos poderes
públicos. Para viverem nessas áreas, essas populações desenvolveram,
secularmente, diversas formas de relação com cada ambiente, acumulando
conhecimentos especializados sobre eles, o que é essencial para o
desenvolvimento da biotecnologia.
Também não temos referências,
senão fragmentárias, sobre a produção agroflorestal oriunda dessas regiões. Mas
os indicadores disponíveis mostram uma tendência de crescimento, apesar das
dificuldades concorrenciais que boa parte dessa produção enfrenta devido às
condições de logística para escoamento e comercialização. Políticas de fomento
e de assistência técnica podem multiplicar essa produção e torná-la disponível
para consumo em geral. Da mesma forma é inesgotável o potencial nessas regiões
para o desenvolvimento do turismo de base comunitária. Além disso, essas
populações produzem e consomem mais e melhores alimentos e medicamentos
naturais do que a população urbana de baixa renda.
Além da biodiversidade, esses
territórios conservam um formidável estoque de carbono (CO2) florestal. Se o
desmatamento, o fogo ou o impacto do aquecimento global provocar a liberação do
CO2 contido nas florestas, a luta da humanidade para conter as mudanças
climáticas poderá fracassar. As florestas são responsáveis pela reprodução e
transporte das chuvas amazônicas até as principais cidades e regiões agrícolas
do Cone Sul. A sua conservação não interessa apenas às populações locais, mas a
todos.
Não faz sentido separar
conservação e produção num contexto de crise climática que se agrava. O
desmatamento (não compensado) é um tiro no pé da produção agropecuária. Isso
não é retórica, nem teoria: apesar de o Brasil dispor do maior estoque de água
doce do mundo, as crises hídricas deixaram de ser um problema nordestino e
estão atacando São Paulo, Brasília e outras regiões, ameaçando as condições de
vida. Há focos de desertificação em expansão em várias partes do território
nacional.
Candidatos a presidente
apresentam programas de governo que, de formas diferentes, colocam a agenda
socioambiental como um dos seus elementos centrais: “Transversalidade”,
“Transição Ecológica”, “Eco Socialismo”, “Economia Pós Carbono”,
“Sustentabilidade”. Mas, também a candidatos, porém, enfatizam, sofregamente, a
“retomada do crescimento econômico”, como se houvesse na história recente algum
paradigma a retomar, ignorando os imensos desafios desse século, que demandam
projetos apropriados de desenvolvimento.
Já no decorrer do próximo mandato
presidencial se esgotarão os primeiros prazos para cumprimentos de metas
climáticas por parte de cada país. Mesmo tendo obrigações a cumprir, o Brasil
vem se afastando das suas metas em anos recentes e precisa se reajustar, para
fazer a sua parte e se manter como protagonista decisivo nas negociações
internacionais. Também deve se concluir, nesse período, a destinação pelos
governos de terras devolutas na Amazônia e em outras regiões do país.
Qualquer presidente eleito, ainda
que não saiba ou não entenda a importância estratégica dessas populações, seus
territórios e produtos, vai se defrontar com a crise climática e suas
consequências. Qualquer estratégia nacional frente a essa crise pode dispor
desses recursos como ativos. Ignorando-os, ou encarando-os apenas como
passivos, estará sujeito a administrar só uma sucessão interminável de
conflitos. Quem não faz, leva!
Fonte: Marcio Santilli - ECO21
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