Amazônia: rumo à destruição
A falta de água pode transformar
a Amazônia em Cerrado dentro de algumas décadas. De co-autoria do professor do
Instituto de Física da USP Henrique Barbosa, o estudo “O círculo virtuoso de
seca e perda florestal na Amazônia” [tradução livre], publicado na revista
científica Nature, mostra como problemas no fluxo hídrico, somados ao
desmatamento e às mudanças climáticas, podem levar ao fim a maior floresta
tropical do planeta.
Amazônia:
estamos na metade do caminho rumo à destruição
A Amazônia está na metade do
caminho em direção à destruição. O avanço do desmatamento - tanto legal, quanto
ilegal - e as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global agridem a
floresta de forma muito intensa. Se o ritmo de aniquilamento da floresta seguir
como nos últimos 30 anos, em seis décadas será iniciado um processo de
transformação da região em Cerrado - fenômeno que se chama “savanização”.
De 1987 até hoje, mais de 10% da
Amazônia desapareceu: 91,3% dela estava então preservada, índice que hoje não
passa de 81%. A escalada de destruição é mais expressiva ao levarmos em conta
que até 1970 mais de 97% dela estava intacta.
É comum pensar que um bioma tão
grande como a Amazônia, a segunda maior floresta do mundo (perde apenas para a
imensa taiga siberiana) e a maior floresta tropical do planeta, dificilmente
acabará, mas isso não é verdade.
A princípio, a área de 20%
desmatada pode não parecer tão crítica, mas é exatamente metade do caminho para
seu fim: cientistas do mundo inteiro mantêm a tese de que a partir de 40% de
Amazônia destruída, o bioma entrará em um ciclo de falta de água e será
irrecuperável.
“É até perigoso estabelecer este
alerta de 40%, é uma conta que nem deveria existir. Uma floresta tem tantas
variáveis que, mesmo bem antes deste limite, é provável que a situação já
esteja fora de controle”, explica o professor do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo Henrique Barbosa, cujo trabalho é dedicado a
pesquisar o ciclo da água na Amazônia.
Em artigo publicado na revista
científica Nature, Henrique e sua equipe denunciam o risco iminente que se
agiganta diante do maior bioma brasileiro e explicam: a falta de água é o
grande problema.
Falta de
água pode destruir a floresta
“Se juntarmos toda a água do
mundo, o volume que está contido nos oceanos teria profundidade de 2,8
quilômetros. Os rios, lagos, geleiras glaciais e aquíferos do solo
representariam 70 metros. E o vapor de água na atmosfera apenas 2,5 centímetros
- parece pouco, mas é o suficiente para manter as florestas vivas”, explica o
professor Henrique Barbosa.
O equilíbrio destas águas
voadoras é a chave para a sobrevivência da Amazônia. O ciclo começa no Oceano
Atlântico, onde se formam os rios aéreos que avançam para a floresta, passando
por cima dos estados do Amapá e, principalmente, Pará.
Na floresta, a água se precipita
em formato de chuva. Chuva muito intensa, por sinal: em média, são cerca de
3000 milímetros por ano - é o dobro do índice pluviométrico da cidade de São
Paulo, por exemplo. O que garante, contudo, a harmonia entre volume de água nas
nuvens, no solo e nas chuvas é um fenômeno chamado evapotranspiração, ou seja,
o movimento no qual a água evapora das folhas das plantas.
O bioma amazônico tem um processo
de evapotranspiração bastante eficiente, em que aproximadamente metade de tudo
aquilo que chove é devolvido ao ambiente. Isso significa que o ar continua
bastante úmido e segue viagem para o interior do continente sul-americano.
As crescentes alterações
climáticas afetam as correntes de ar que carregam o vapor de água. Isso, por si
só, alteraria as condições de vida na Amazônia. A situação se agrava com o
desmatamento: a floresta perde capacidade de evapotranspirar e isso leva,
gradualmente, ao fim de algumas espécies e perda de biodiversidade.
Amazônia
virando Cerrado
A matemática é simples: menos
árvores reciclam menos água das chuvas. O avanço do agronegócio pela Amazônia e
o desmatamento ilegal para exploração de madeira e minérios destroçam a vegetação
nativa do bioma.
O resultado desta conta é que há
um ponto crítico - segundo os cientistas, os temidos 40% - no qual o que sobra
de floresta amazônica não é capaz de repor a água de forma suficiente para
manter a sobrevivência do todo. A partir daí, a transformação em Cerrado é
questão de tempo.
“O desmatamento e o uso do solo
fazem com que um pedaço de terra que foi trocado por pastagem, por exemplo, não
tenha capacidade de devolver a água para a atmosfera. Afeta imediatamente a
região e afeta também outras áreas que sequer foram tocadas. Assim, começa a
savanização”, explica o professor Henrique.
A Amazônia, uma floresta tropical
úmida, tem como característica uma massa vegetal robusta com árvores bem
agrupadas e bastante grandes, de mais de 20 metros de altura, copa com muitas
folhas e troncos grossos.
O avanço do desmatamento, além de
desfigurar imediatamente a biodiversidade e a paisagem das margens do bioma,
promove uma reação em cadeia para dentro do sistema. “Muitas árvores da
Amazônia têm ciclo de vida curto, de dez a vinte anos. Sem água, a tendência é
que sejam substituídas rapidamente por outro tipo de vegetação”, prevê
Henrique.
“Existem dois estados de
equilíbrio para a região: ou será Amazônia ou será Cerrado”. A nova vegetação,
portanto, terá todas características deste bioma, como copas menos robustas e
árvores mais espaçadas, além dos rios, que devem perder volume de água.
Ainda que esteja sofrendo, a
Amazônia é o bioma brasileiro mais bem preservado. O Cerrado está tomado de pecuária
e plantações de soja e eucalipto e a Mata Atlântica sobrevive somente em
pequenos corredores e em parques de preservação ambiental. Portanto, sem a
floresta amazônica todo equilíbrio dos fluxos de água pelos canais aéreos está
comprometido. E isto pode afetar a vida de pessoas em todas as regiões do país.
Resultado:
menos chuva, alimentos mais caros e perda da floresta
Se o quadro apocalíptico se
confirmar, e tudo virar Cerrado, a temperatura vai subir e o volume de chuvas,
diminuir. “Pode-se chegar, até 2100, a um aumento de 4 a 8 graus Celsius na
região amazônica e um quadro de redução de chuvas. O aumento da temperatura e
diminuição de pressão leva a graves prejuízos”, analisa o pesquisador.
O fluxo dos rios aéreos que
passam sobre a Amazônia, onde se reciclam graças à evapotranspiração, segue até
os Andes, onde encontra a enorme cordilheira e muda seu rumo sentido ao norte
da Argentina e Sul e Sudeste brasileiros, com reflexos também no Centro-Oeste.
Este canal de água que sobrevoa
quase toda América do Sul chega nestas regiões como responsável por até 25% de
toda a chuva. “Nosso estudo, que faz uma interpretação deste movimento via
cascatas [pontos onde a água se recicla], aponta com mais precisão este
volume”, afirma Henrique.
No Sul e Sudeste, a principal
condicionante para a quantidade de chuvas é a chegada de frentes frias pelo
oceano. Mas, ainda assim, o impacto de um eventual fim da corrente continental
amazônica pode ser enorme: além de diminuir o volume de precipitação de água,
pode gerar instabilidade ainda maior nas condições climáticas e afetar a
produção do agronegócio, ou seja, de alimentos.
“O principal risco é político. A
falta de preocupação com biodiversidade e proteção ambiental é perigosa para
todos. Para as empresas, que terão solos e condições climáticas piores para
produzir e, para o país, que não protege a água, que será a principal commodity
do futuro”, conclui o professor.
Os efeitos práticos são
evidentes. Menos água para consumo próprio e para produção, o que leva ao
aumento dos preços de alimentos. Como país, perderemos a floresta da qual mais
nos orgulhamos e a água que produz a riqueza da nação. É bom cuidarmos melhor
dela.
Fonte: Luiz Felipe Silva - VIX
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