Bioeconomia: uma tendência global?
Com refinarias e uma alta chaminé
como pano de fundo, grandes amontoados de lenha recepcionam os visitantes da
fábrica de bioprodutos Äänekoski Metsä. Localizada na região central da
Finlândia, ela é a maior fábrica do tipo no Hemisfério Norte.
Na verdade, ela é mais que uma
fábrica, ela reúne todo um ecossistema de empresas que ganham dinheiro a partir
de árvores como pinheiro, bétula e píceas, todas típicas de países com clima
temperado. As toras de madeira são trazidas diariamente por caminhões e vêm de
florestas do país gerenciadas de forma sustentável.
Reaberta em agosto de 2017, a
fábrica de polpa de celulose do grupo Metsä já existe há 35 anos. Trata-se de
uma parceria público-privada e é, de longe, o maior investimento já feito pela
indústria florestal finlandesa. Ela é também um ótimo exemplo da tendência
crescente de se apostar na bioeconomia, defendida tanto por legisladores quanto
pela indústria como opção para reduzir a dependência do país de combustíveis
fósseis.
Transformando
lixo em lucro
Atualmente, a produção da fábrica
não se restringe apenas à polpa de celulose, mas a uma ampla gama de produtos
feitos a partir de materiais que antes eram categorizados como lixo.
A capacidade de processamento
anual da fábrica é de 6,5 milhões de metros cúbicos de madeira, que são então
transformados em 1,3 milhão de toneladas de polpa de celulose. A venda dessa
polpa para Europa e Ásia representa aproximadamente 90% do faturamento.
Além disso, companhias parceiras
da Metsä refinam subprodutos da produção de celulose, como tall oil e
terebentina, e ainda produzem biocombustíveis sólidos a partir da casca dos
troncos das árvores e da serragem.
“Nós introduzimos novos produtos,
como o ácido sulfúrico, o biogás e um novo tipo de pellet de biocombustível e biocompósitos”,
explica o vice-presidente da Metsä, Niklas von Weymarn.
À parte dos produtos já citados,
a fábrica gera mais um produto final: eletricidade. A expectativa é que, assim
que atingir sua capacidade máxima de produção – o que deve ocorrer ainda este
ano – ela esteja gerando 1,8 terawatt de energia livre de combustíveis fósseis
anualmente. Esse valor é equivalente a 2,5% da produção de energia de toda a
Finlândia e seria suficiente para aquecer cerca de 100 mil casas.
O que é
bioeconomia
Não há uma definição única do que
é bioeconomia, pois ela abarca uma grande variedade de setores que estão
adotando usos altamente tecnológicos de processos biológicos e de materiais
orgânicos.
“A bioeconomia é uma mudança de
paradigma. Basicamente, é uma economia baseada na vida”, afirma Marc Palahi,
diretor do Instituto Florestal Europeu.
Palahi destaca que o petróleo não
é apenas usado para energia, mas também para a produção de uma variedade de
produtos e materiais, desde plásticos até tecidos. Entre os exemplos de
produtos da bioeconomia em que petroquímicos são substituídos por matéria
orgânica estão desde tecidos produzidos a partir do leite até plásticos feitos
a partir de algas ou de casca de camarão.
O termo bioeconomia também é
utilizado para se referir a usos já mais tradicionais de matérias-primas
naturais, como a madeira, que pode ser utilizada em construções no lugar do
aço-carbono e do concreto.
“[Na bioeconomia], se utiliza
biomassa ou recursos renováveis vindos da natureza para produtos e serviços, em
vez de utilizar materiais não renováveis, como petróleo e carvão”, afirmou
Lauri Hetemäki, diretor-assistente do Instituto Florestal Europeu, em seu
discurso na Cúpula de Investimento em Bioeconomia, realizada em 2017 na cidade
de Helsinque.
Quando se fala em bioeconomia é
muito frequente que se fale também de economia circular, visto que com a
bioeconomia é possível reciclar subprodutos da agricultura e da manufatura,
utilizando resíduos como matéria-prima.
A fábrica finlandesa do grupo Metsä,
por exemplo, é pioneira no uso do lodo gerado na produção da polpa de celulose
para fazer pellets, um tipo de biocombustível. Esses pellets produzidos podem
ser convertidos em até 20 gigawatts de biogás por ano. Isso seria suficiente
para abastecer cerca de 1,8 mil carros.
Além disso, a Metsä também
abastece empresas em outras localidades, como uma refinaria de tall oil dos EUA
que produz substâncias químicas para tintas, marcação de estradas e produtos
farmacêuticos e que, sem isso, utilizariam matérias-primas obtidas de
combustíveis fósseis.
Ganhando
força no mundo
A União Europeia abraçou a
bioeconomia com entusiasmo, tendo lançado sua primeira estratégia bioeconômica
em 2012. Atualmente, no entanto, a bioeconomia já está se tornando um tema
quente por todo o globo.
“Hoje nós temos mais de 50 países
e regiões no mundo que possuem estratégias bioeconômicas nacionais e
regionais”, afirmou à DW o ex-diretor da Comissão Europeia e conselheiro do
Governo Alemão para Bioeconomia, Christian Patermann. “É um grande sucesso, que
não esperávamos.”
Além da Finlândia, que
estabeleceu a Estatégia Finalndesa de Bioeconomia tendo em vista uma economia
sustentável, outro exemplo disso é o Canadá. Todas as províncias canadenses
assinaram recentemente o Quadro Pan-Canadense sobre Crescimento Limpo e Mudança
Climática, abrindo caminho para um potencial boom bioeconômico.
“O mundo inteiro está colocando
em prática uma economia de baixo carbono e, definitivamente, bioprodutos são uma forma de atingir tal objetivo”, afirma
Judith Bossé, diretora geral de Recursos Naturais do Canadá. ”Por isso, há
muito interesse [na bioeconomia] neste momento.”
Defensores afirmam que outros
países, como Brasil, China e Índia ainda estão distantes de compreender todo o
potencial da bioeconomia.
Um grupo industrial indiano de
biotecnologia estimou o valor da bioeconomia do país em mais de 30 bilhões de
euros (116 bilhões de reais) em 2015. Porém, mais da metade dessa quantia se
referia ao setor biofarmacêutico, que produz drogas com materiais naturais e
que, portanto, não envolve essencialmente nem redução do uso de combustíveis
fósseis nem reciclagem ou economia circular.
“A Índia tem que focar mais em
pesquisa e investir em [energias] renováveis”, afirmou Hemanathan Kumar,
pesquisador indiano na Universidade Jyväskylä na Finlândia com pós-doutorado em
bioeconomia.
Kumar vê com bons olhos um novo
projeto em bioeconomia planejado pela Corporação Indiana de Petróleo e pela
empresa de reciclagem de carbono LanzaTech. Juntas elas pretendem construir a
primeira usina de conversão de gás em bioetanol do mundo. O plano é utilizar
enzimas para converter as emissões de resíduos de gás das refinarias tanto em
eletricidade quanto em combustíveis. E, com isso, reduzir a emissão de carbono.
O futuro
da bioeconomia
De acordo com Weyman, a fábrica
Metsä é “carbono-negativa”, isso porque ela utiliza madeira de florestas
sustentáveis em seu processo produtivo. A cada árvore derrubada para ser usada
na fábrica, outras três são plantadas.
Ainda assim, a fábrica finlandesa
é independente de combustíveis fósseis apenas em suas premissas, já que, para
chegar até lá, a matéria-prima da fábrica, a madeira, é transportada em
caminhões movidos a diesel. Essa é uma realidade que o grupo Metsä pretende
mudar.
“Para melhorar essa situação, nós
discutimos com as montadoras de caminhões sobre [desenvolver] veículos movidos
a biogás e, então, começaremos a produzir biogás na fábrica”, disse Weyman.
“Dessa forma, no futuro, uma parte significativa do transporte também poderia
ser baseada em biocombustíveis.”
Porém, segundo Hetemäki do
Instituto Florestal Europeu, para de fato se distinguir como uma pioneira da
bioeconomia, pelo menos 50% do faturamento da fábrica deve corresponder a
bioprodutos gerados a partir de resíduos em vez de vir da polpa de celulose em
si. Atualmente, contudo, esse valor está na marca dos 10%.
“Você deveria repetir essas
perguntas daqui a dez anos, para verificar se essa pretensão de gerar
bioprodutos inovadores em redes a partir de resíduos, se concretizou”, conclui
ele.
Fonte: Deutsche Welle
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