Investir no meio ambiente é uma oportunidade competitiva para o Brasil
Para o Brasil escapar da
armadilha da renda média – a situação em que um país deixa de ser pobre, mas
nunca chega a se tornar desenvolvido –, o fundamental é valorizar o
conhecimento, a educação e a construção de instituições que elevem a qualidade
da democracia brasileira. Mas isso leva duas ou três gerações. A História,
contudo, em sua complexidade e contingência, ofereceu-nos um presente, um
atalho até atingirmos esses objetivos. Trata-se do significado do
desenvolvimento sustentável e da transição de uma civilização baseada em
combustíveis fósseis e processos produtivos que aquecem o planeta para uma
outra, baseada numa economia tecnicamente conhecida como de baixo carbono. E
das implicações dessa transição para a macroeconomia global e a competitividade
da economia brasileira. O paradoxo é que, para colhermos essa bênção,
precisamos de conhecimento.
Esse ainda é escasso. Ainda que
muitos empresários, intelectuais, ativistas e mesmo autoridades (não só o
ministro do Meio Ambiente, mas autoridades econômicas deste governo e do
anterior) tenham compreensão da transição revolucionária que inevitavelmente
ocorrerá nas próximas décadas, a grande maioria dos tomadores de decisão ainda
pensa no tema como “problemas do meio ambiente” – ou nem isso. Ignorância
grave.
Não fosse a firme resistência de
muitas organizações da sociedade civil e do Ministério do Meio Ambiente,
setores corporativistas do Congresso e do ruralismo atrasado (em contraposição
à opinião pública e ao empresariado sintonizado com o século XXI) conseguiriam
impor uma agenda e marcha à ré. Ela inclui os seguintes retrocessos:
* no licenciamento ambiental, a
transferência de atribuições do IBAMA, federal, para os estados (nada contra o
federalismo, mas imagine a situação nos territórios institucionalmente menos
avançados);
* na delimitação de terras
indígenas, a transferência da responsabilidade do Executivo para o Congresso,
uma garantia de que terras indígenas dificilmente seriam demarcadas segundo
critérios técnicos (sendo os povos nativos os que melhor protegem nossas
florestas);
* na definição de áreas
protegidas, a redução de parques nacionais e partes fundamentais da Bacia
Amazônica. As tentativas, nos últimos meses, eram de subtrair 1,1 milhão de
hectares de proteção no território nacional. Felizmente, foram vetadas pela
Presidência da República, em conformidade com a recomendação do ministro do
Meio Ambiente. Uma proposta de redução muito menor deve voltar sob a forma de
Projeto de Lei, mas é importante que não contrarie as recomendações técnicas do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), órgão federal
responsável por propor e monitorar áreas de conservação.
Permitir o avanço de propostas
assim significa fabricar subdesenvolvimento em nome de visões da economia
completamente anacrônicas. A questão não é “salvar” a natureza ou o planeta.
Nosso tempo e o da natureza diferem dramaticamente. Estamos fazendo um imenso
mal ao meio ambiente e a nós mesmos, mas somos impotentes para causar qualquer
dano à natureza do planeta nos milhões de anos em que ela conta o tempo. A
questão é que acabou o tempo de acreditar no “almoço grátis” – a ideia de que
podemos consumir o capital natural e sair ganhando. Se o planeta fosse dez
vezes maior ou a população fosse de um décimo, talvez o “almoço grátis” durasse
mais várias décadas. Mas acabou agora.
Uma revolução terá de ser feita
nas próximas duas ou três décadas, em especial a transição para a economia de
baixo consumo de carbono, única forma de evitar um péssimo negócio e uma
gigantesca tragédia – o aumento da temperatura média do planeta em mais de 2
graus célsius até 2100 e as consequentes e gigantescas mudanças climáticas,
principalmente para os mais vulneráveis, os mais pobres, centenas de milhões em
todo o mundo.
O Acordo de Paris importa muito
politicamente, mas é ineficaz operacionalmente. Em uma economia de mercado
global, a única forma de agir com a necessária eficiência e rapidez é fazer com
que os preços enviem o sinal correto ao mercado, ou seja, que a emissão de
gases que aquecem o planeta seja precificada. Tem de ficar claro qual é o custo
de poluir.
Isso vai acontecer, embora ainda
não saibamos com precisão quando e como, porque o custo alternativo é
incrivelmente excessivo. E também porque não há como superar os efeitos da
crise global de 2008 por meio da única forma sólida possível – a retomada dos
investimentos – enquanto prevalecer a incerteza sobre os preços relativos do
futuro.
O Brasil é, possivelmente, a
única economia do mundo que, ocorrendo a transição para o baixo carbono, se
tornará muito mais competitiva. Se souber aproveitar a oportunidade.
Podemos ter a matriz energética
mais limpa do mundo a menor custo do que qualquer outro país grande. Nossa
infraestrutura é lamentável, o que aumenta muito o custo Brasil. Temos de
modernizá-la. Por que já não o fazer com o conceito de baixo carbono, se é
sabido que isso significará mais competitividade no futuro?
Não seremos os campeões globais
da tecnologia em energia solar e eólica, embora seja certo que usaremos
intensamente ambas as fontes. Mas podemos ser os campeões mundiais do uso de
biomassa com alta tecnologia.
Temos a maior biblioteca genética
do mundo – o reservatório genômico da maior biodiversidade do planeta. Por que
não podemos investir muito em biotecnologia? Ainda falamos em engenharia
genética, enquanto o mundo avança na direção da biologia sintética, nova área
de pesquisa que combina biologia e engenharia, a fim de projetar e construir
novas funções e sistemas biológicos.
Em um modelo de agronegócio
completamente diferente do atual, seríamos um de pouquíssimos países aptos a
ofertar alimentos para o mundo com baixo carbono e com conservação, ou até
aumento, da biodiversidade. Essas medidas têm o potencial de causar um grande
impacto positivo na imagem internacional do Brasil. Mais que isso: sendo
seguramente o desenvolvimento sustentável um dos itens fundamentais e
permanentes da agenda do mundo nas próximas décadas, temos a nosso alcance uma
formidável ferramenta de projeção de nossa influência no mundo, nosso soft
power, capaz de nos transformar em potência global.
Fonte: Sergio Besserman Vianna - ÉPOCA
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