O perigo das espécies invasoras
Aproveitando-se da globalização,
diversas espécies pegam carona em aviões, navios ou até vasos de flores e
chegam a novos ecossistemas, aos quais se adaptam e passam a dominar. Esse novo
problema ambiental e econômico se espalha pelo Brasil e pelo mundo num ritmo
assustador. Não faltam exemplos nos ambientes naturais brasileiros de situações
de invasão por espécies exóticas, e muitas espécies foram introduzidas por
motivos econômicos, mas hoje pagamos um alto preço.
Para cada espécie naturalmente
existente há outras que interagem com ela ou dependem dela para que o
ecossistema funcione de forma harmônica. O conjunto de seres vivos em cada
local se regula, equilibrando o ambiente. Quando chega uma espécie exótica, o
controle natural pode não ocorrer, pois os inimigos naturais que fazem o
controle da espécie não vêm junto com ela. Quando a exótica se torna invasora,
a consequência é a propagação descontrolada e o desequilíbrio ambiental. Como
as introduções de espécies estão ligadas a interesses humanos, cabe também ao
ser humano melhor escolher espécies a introduzir e arcar com a responsabilidade
de medidas de prevenção e controle.
Há evidências contundentes de
consequências ecológicas negativas da invasão por espécies invasoras. Entre
elas estão a eliminação de espécies nativas por competição ou predação,
alterações em ciclos ecológicos como a produção de água e a frequência e
intensidade de incêndios naturais, mudanças químicas nos solos e mudanças em
processos de polinização e dispersão de sementes.
A disseminação global de um
conjunto de espécies de alta capacidade de adaptação e invasão tende a levar à
homogeneização da flora e da fauna em países com condições ambientais
similares. Ou seja, ocorre gradativa redução da diversidade natural de espécies
e da relação entre os diferentes seres vivos e os serviços ambientais
provenientes dessas interações. Sem a adoção contínua de medidas de prevenção e
manejo para a conservação da biodiversidade, invasões por espécies exóticas vão
tomar cada vez mais espaço e interferir na sustentabilidade dos processos
naturais (Sílvia Ziller).
No rastro da globalização, de
carona em aviões ou navios ou até em solas de sapatos ou inocentes vasos de
flores, esse novo problema ambiental e econômico se alastra pelo planeta num
ritmo alarmante. As espécies invasoras introduzidas num ecossistema do qual não
fazem parte originariamente, mas onde se adaptam e passam a dominar, prejudicam
os processos naturais e os organismos nativos. Além do
caramujo-gigante-africano, animais como o mexilhão-dourado (Limnoperna
fortunei), o javali (Sus scrofa) e o mosquito Aedes aegypti, que transmite a
dengue, e plantas como o pínus (Pinus elliottii e Pinus taeda) são alguns
exemplos. Outro, que está todos os dias nos meios de comunicação, é o vírus
H1N1, causador da gripe conhecida popularmente como suína. Ele apareceu primeiramente
na América do Norte e de lá se espalhou pelo mundo.
Além de representarem uma das
principais ameaças a ecossistemas, hábitats e outras espécies, os invasores
também causam enormes prejuízos às atividades produtivas e riscos consideráveis
à saúde humana. Embora não existam números precisos em termos econômicos, há
estimativas dignas de crédito. Uma delas foi feita pelo professor David
Pimentel, da Universidade de Cornell. “Ele calcula que as espécies exóticas
invasoras causem prejuízos globais de US$ 1,4 trilhão por ano, o que representa
5% da economia mundial”, diz a ecóloga Sílvia Ziller, do Instituto Hórus de
Desenvolvimento e Conservação Ambiental, uma organização não governamental. “No
Brasil, as perdas chegam a US$ 100 bilhões”, completa Lídio Coradin, gerente de
Recursos Genéticos da Secretaria de Biodiversidade e Florestas, do Ministério
do Meio Ambiente (MMA).
O problema é tão grave que a
União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês)
considera as espécies exóticas invasoras a segunda causa mundial de redução da
biodiversidade em geral, atrás apenas da destruição de hábitats pelo homem. “O
aumento da introdução de espécies vem ocorrendo associado à elevação do
comércio global de bens e serviços”, diz Rafael Dudeque Zenni, especialista no
assunto, que fez parte do Programa de Espécies Exóticas Invasoras para a
América do Sul da organização não governamental The Nature Conservancy (TNC).
“Poucos países já possuem visão formada para lidar com essa ameaça à biodiversidade
e à manutenção da capacidade produtiva dos ambientes.”
Há várias formas de invasão.
Algumas podem ser acidentais, como quando larvas, ovos, sementes,
microrganismos ou pequenos animais, como insetos, são transportados de um lugar
para outro involuntariamente pelas pessoas. Isso pode acontecer na água de
lastro de navios, usada para manter o equilíbrio e a navegabilidade das
embarcações, quando estão descarregadas. Ela é recolhida no porto de origem e
despejada no de chegada.
A maior parte das invasões, no
entanto, está relacionada a atividades intencionais do homem, como o comércio
internacional de animais de estimação ou destinados a criações de interesse
econômico e de plantas ornamentais ou de cultivo. Na maioria das vezes, esses
organismos se adaptam muito bem e fogem do controle, acabando por se
transformar num problema. Não há um ranking dos que causam os maiores
prejuízos, mas entre os mais problemáticos atualmente no Brasil estão o
mexilhão-dourado e o javali, além do caramujogigante- africano.
Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei) - O primeiro é um bichinho pequeno – não tem mais
do que 4 centímetros – e vem de longe, mas é capaz de fazer um estrago
considerável. Tratase de um molusco de água doce, originário do sul da Ásia, que
chegou ao Brasil em 1998. Ele já infestou rios, lagos e reservatórios da Região
Sul, do Pantanal e de São Paulo. Além de desequilibrar os nichos ecológicos em
que se instalou, pondo em risco de extinção espécies nativas, o mexilhãodourado
ameaça o setor elétrico brasileiro, a agricultura irrigada, a pesca e o
abastecimento de água, já que entope tubulações, interfere na cadeia alimentar
e provoca contaminação. Com capacidade de se incrustar em qualquer superfície
submersa, como madeira, rocha, plástico e até vidro, esse organismo exótico vem
causando um problema tão grave que, em dezembro de 2003, o MMA criou uma
força-tarefa nacional para combatê-lo. Composta por representantes de 7
ministérios e 13 entidades ligadas aos setores de geração de energia,
abastecimento e meio ambiente, ela teve poucos resultados concretos, no
entanto. Dois anos depois, em 2005, foi desativada e o mexilhão-dourado
continuou a se espalhar.
Caramujo-gigante-africano (Achatina fulica)
- Ele veio para ser ingrediente
da alta culinária e frequentar a mesa de restaurantes caros. Mas não demorou
muito para o caramujo-gigante-africano (Achatina fulica) mostrar seu verdadeiro
caráter, de um animal perigoso, que transmite doença. De alternativa econômica
ao escargot (Helix aspersa), passou a ser um problema. É uma espécie exótica
invasora, que se disseminou pelo litoral brasileiro, colocando em risco animais
nativos e causando outros danos ambientais. Mas, faça-se justiça, ele não é o
único. Centenas de outras espécies de animais e plantas, fungos e
microrganismos são consideradas invasoras no Brasil e em outras partes do
mundo. Se esse animal chegou ao continente sul-americano trazido de maneira
acidental ou involuntária, o mesmo não ocorreu com o caramujo-gigante. Esse
molusco terrestre, que atinge 15 centímetros de comprimento por 8 de largura e
pesa mais de 200 gramas, foi introduzido no Brasil há cerca de 20 anos. A tentativa
de torná-lo uma alternativa gastronômica ao escargot não deu certo. Dez anos
depois, descobriu-se que ele podia transmitir vermes que causam a
angiostrongilíase meningoencefálica, doença que tem como sintomas dor de cabeça
forte e constante, rigidez na nuca e distúrbios do sistema nervoso. Os
criadores, então, o soltaram na natureza. Não poderiam ter feito pior. O bicho
proliferou e hoje é encontrado em quase todo o território nacional,
principalmente no Nordeste. Além de transmitir vermes, o caramujo tornou-se uma
praga. Ele destrói plantações, come frutas e legumes e compete com outros
moluscos da fauna nativa, podendo levá-los à extinção. Por tudo isso, o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) pretende exterminá-lo. Entre outras medidas, o órgão proibiu sua
criação no território nacional.
Javali (Sus scrofa) - Invadiu o Brasil via Uruguai, e hoje já pode ser
encontrado até em Minas Gerais. O javali, por sua vez, não chegou ao País como
clandestino nem foi trazido para ser criado. Ele veio com as próprias pernas. Essa
espécie de porco- do-mato europeu, ancestral do doméstico e com peso de até 200
quilos, foi levada para a Argentina para a caça esportiva. De lá, passou para o
Uruguai e depois, em 1991, para o Brasil, invadindo o Rio Grande do Sul, de
onde se espalhou pelo País. Hoje ele também é encontrado em estado selvagem no
Paraná, em São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Devido
à sua grande resistência, alta capacidade de adaptação e à inexistência de
predadores naturais em muitos locais que invade, ele é considerado pela IUCN
uma das 100 piores espécies exóticas invasoras do mundo. O javali ataca
principalmente plantações de milho e animais de criação, e pode transmitir
doenças para a fauna nativa. Além disso, se adapta com facilidade a qualquer
tipo de ambiente e começa a proliferar rapidamente. No Rio Grande do Sul, já
causa problemas muito sérios. Para tentar reduzir a população do animal nesse
Estado, o Ibama realizou nos últimos dez anos vários estudos e autorizou a caça
do animal.
Não para
por ai...
Além desses três invasores, outros vêm causando prejuízos
significativos no País. Entre os vegetais, estão algumas gramíneas africanas,
como a braquiária (Brachiaria decumbens), o capim-gordura (Melinis minutiflora)
e o capim-anoni (Eragrostis plana wees), que infestam espaços naturais e
agrícolas e são muito difíceis de erradicar. Também se incluem nessa categoria
várias espécies do gênero Pinus, que podem se dispersar facilmente em áreas
naturais e causam grande impacto quando plantadas em regiões de savana ou de
vegetação rasteira.
Entre os animais, um caso sério é o da rã-touro (Rana
catesbeiana), a mais comum para criação no mundo e que no Brasil já escapou
para áreas naturais, causando sérios danos ao meio ambiente. Ela é uma comedora
voraz de invertebrados e pequenos vertebrados. Outra vilã nessa história é a lebre
europeia (Lepus europaeus), que invadiu o País pela fronteira com a Argentina e
já é encontrada no sul de Goiás, causando grandes prejuízos à agricultura.
Diante desse quadro, o mundo resolveu se mexer e está
tomando medidas para, pelo menos, amenizar o problema. No Brasil, o MMA, por
meio da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), criou em 2006 e instalou
no ano passado a Câmara Técnica Permanente sobre Espécies Exóticas Invasoras.
“O objetivo é integrar os diversos setores públicos e privados a fim de propor
estratégias para a prevenção, controle, monitoramento e erradicação delas e a
mitigação de seus impactos”, explica Coradin.
Em nível mundial, existem ações da IUCN e do Grupo de
Especialistas em Espécies Invasoras (ISSG, na sigla em inglês). Formado por 146
especialistas de 41 países, esse grupo fornece informações e métodos de
controle e erradicação aos membros da IUCN, ambientalistas e órgãos
governamentais. Além da sede em Auckland, na Nova Zelândia, o ISSG tem seções
regionais na América do Norte, na Europa e na Ásia. Existe ainda o Programa
Global de Espécies Invasoras (Global Invasive Species Programme – Gisp), criado
em 1997 a partir de uma parceria entre o Comitê Científico para os Problemas do
Meio Ambiente (Scope, na sigla em inglês), a IUCN e o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês).
Apesar de todos esses esforços, os invasores estão em
franca vantagem. O Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB),
da ONU, estima que, desde 1600, as plantas exóticas estão relacionadas a 39% do
total de espécies animais que se extinguiram. Outros dados da Convenção mostram
que mais de 120 mil espécies exóticas de plantas, animais e microrganismos já
invadiram os Estados Unidos, o Reino Unido, a Austrália, a Índia, a África do
Sul e o Brasil. No Brasil, elas estão presentes em 103 unidades de conservação,
espalhadas por 17 Estados. Como se vê, o problema está longe de uma solução. A
maior parte das invasões esta ligada a atividades intencionais do homem, como
criações com finalidades comerciais, que mal organizada e direcionada foge ao
controle.
Fonte: Revista Planeta
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