Manguezais sofrem com a expansão imobiliária e o agronegócio
A área costeira brasileira é um
lugar dinâmico e belo. Espaço intranquilo, onde as ondas se chocam contra a
terra, recuando e voltando a atacar. Na maré baixa, surgem amplas planícies
margeadas por pequenas árvores de ramos retorcidos, folhas lustrosas e raízes
que se assemelham a longos dedos agarrando a lama. Essa vegetação é nomeada de
mangue e o ecossistema classificado como manguezal. Mesmo sem possuir uma
grande variedade de espécies vegetais, a forma como suas árvores se adaptaram
às constantes investidas do mar e ao solo instável transformou-as em exemplos
extraordinários dentro da botânica.
Na maré cheia, a floresta de
mangue tem suas raízes cobertas por água repleta de larvas e pequenos seres
juvenis que encontram condições adequadas para se desenvolverem nos seus
primeiros dias de vida, o que justifica o apelido de berçário marinho atribuído
pelos pesquisadores de ambientes costeiros e pelas comunidades tradicionais de
pescadores. As raízes são cobertas de algas e ostras, com caramujos e insetos
equilibrando-se à procura de alimento. No solo lamoso, caranguejos de diversos
formatos e tamanhos aventuram-se fora de suas tocas e se assustam com as
investidas das garças, que madrugam revirando pequenas poças com seus bicos
finos.
O pescador solitário segura a
rede, esperando por um cardume descuidado. Logo, outros moradores locais
assumirão seus postos em busca sustento e de um complemento da renda familiar.
O manguezal é a vida das comunidades tradicionais, que aprendem a usar as
variações da maré como a unidade de tempo que regula as atividades diárias.
Apesar de sua importância
biológica e social, esse ecossistema tem sofrido constantes e crescentes
investidas da expansão imobiliária e da agroindústria. Durante estudo iniciado
em 2010 pela US Geological Survey, pesquisadores criaram mapas com fotos de
satélites para localizar densidades relativas de manguezais em todo o globo.
Descobriram que as estimativas anteriores, realizadas pela FAO – Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, subestimaram a degradação ao
longo de décadas. A extensão atual dos manguezais no mundo é de provavelmente
metade daquela que uma vez já existiu. Além disso, apenas 6,9% dos manguezais
mundiais são protegidos por lei.
No Brasil, eles são preservados
por diversos instrumentos legais, sendo caracterizados como Área de Preservação
Permanente (APP). Porém, em 1995, o Estado de Pernambuco aprovou lei que dispõe
sobre a Política Florestal Estadual, a qual permitia o corte de árvores em APP
para execução de obras de utilidade pública ou interesse social e desde que não
existisse nenhuma outra área alternativa para realização do projeto.
Com o intuito de realizar
levantamento inédito das autorizações concedidas por essa lei estadual, a
bióloga Patrícia Ferreira Tavares e o professor da Universidade Federal de
Pernambuco, Clemente Coelho Júnior, conduziram estudo a partir de dados do
próprio site da Assembleia Legislativa do Estado. Foram identificadas 12
autorizações, a partir de 1997, totalizando quase sete milhões de metros
quadrados de manguezais desmatados. Grande parte, durante a gestão do
ex-governador Eduardo Campos, morto em 2014 num acidente de helicóptero, quando
em campanha presidencial.
Metade dessas autorizações
contemplava as obras de construção e ampliação do Complexo Industrial Porto de
Suape, totalizando 97% da área desmatada (6,5 milhões de m2) e foram
respaldadas por Decretos Estaduais que validaram sua utilidade pública. Nesse
contexto, o estudo do Professor Clemente questiona, por exemplo, a relevância
de se eliminar uma área com mais de 470 mil m2, para a implantação de um moinho
de trigo.
“Desmatamento para construções de
moinhos de trigo aponta para a pouca eloquência destas autorizações em prol de
ações que não contemplam a preservação de um ecossistema ameaçado. Ele poderia
ter sido construído em outras áreas fora da APP. Essa política de adotar
medidas baseadas na geração de empregos e renda com danos ao meio ambiente –
sem considerar os prejuízos causados pelo desmatamento de manguezais e usando
dispositivos legais duvidosos – é, no mínimo, contraditória”.
Licenciamento
ambiental e compensação
Para a execução de
empreendimentos e atividades considerados potencialmente causadores de
significativa degradação ambiental, é necessária a elaboração prévia do Estudo
de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente
(EIA/RIMA). Ainda é prevista compensação ambiental que consiste na preservação
ou na recuperação de ecossistema semelhante, em uma área mínima correspondente
àquela degradada.
Os autores do trabalho alertam
para a possível confusão em se usar a compensação ambiental como uma espécie de
“venda do direito de desmatar”. No caso em questão, o Estado de Pernambuco
propôs preservar o ecossistema manguezal criando duas Unidades de Conservação
em áreas de manguezal que já são Áreas de Proteção Permanente (APP), ou seja,
áreas protegidas por lei.
Com o Novo Código Florestal,
aprovado em 2012, outros Estados do País também podem autorizar o desmatamento
de APP para a realização de obras, as quais podem ser justificadas mediante a
classificação pelo próprio governo como sendo de utilidade pública ou interesse
social. Para o Professor Clemente, o que torna a situação ainda mais
preocupante é o fato de a nova legislação não considerar a faixa de transição
entre o mangue e as outras vegetações continentais – conhecida como Apicum –
como parte integrante do ecossistema manguezal, uma vez que ela possui
elementos de fauna e flora que interagem com o mangue. Para ele, a nova lei
facilita interpretações deturpadas na caracterização dos limites das áreas
consideradas como de preservação.
A pesquisa ainda aponta a grande
relevância dos manguezais como um dos sistemas mais produtivos do mundo, fonte
de matéria orgânica, constituindo a base da cadeia alimentar de espécies
marinhas de importância econômica e ecológica.
“Não é de interesse social a
qualidade ambiental e a segurança alimentar dessas comunidades litorâneas tradicionais?
Todos esses fatores são considerados quando se autoriza o desmatamento de um
ecossistema tão produtivo? Acredito que aterrar mangue, modificar cursos de
rios, escavar a terra, sejam engenharias ultrapassadas do séc. XIX”, argumenta
o professor.
Fonte: Gualter Pedrini - Conexão Planeta
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