Catadores cobram conscientização e papel mais ativo de gestores municipais
A demanda não é atual: os
catadores de material reciclável tiram do que é descartado o sustento,
cumprindo importante papel social e ambiental, e querem ser valorizados e
respeitados por esse trabalho.
Catadores de material reciclável
que estiveram reunidos em Belo Horizonte durante o 7º Expocatadores destacaram
a importância da organização de cooperativas e a necessidade de conscientização
de gestores municipais. O evento, que começou na segunda-feira (28 novembro
2016) e terminou na noite de quarta-feira (30 novembro 2016), discutiu os
desafios para a atividade.
A Lei 12.305/2010, conhecida como
Política Nacional de Resíduos Sólidos, estimula o contrato de cooperativas
pelos municípios para a coleta e triagem de material reciclável.
Considerada um avanço na gestão
dos resíduos, a lei institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de
vida dos produtos e estabelece obrigações de fabricantes, importadores,
distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de
limpeza urbana.
A lei obriga, por exemplo, que
empresas tenham um plano de gerenciamento de resíduos sólidos. É também
pré-requisito que estados e municípios tenham um plano de resíduos sólidos para
obterem recursos, incentivos e financiamentos do governo federal. Mas a
implementação plena da lei ainda enfrenta dificuldades. Os catadores,
organizados em cooperativas, ainda não são contratados na maioria dos
municípios brasileiros.
Segundo Alex Cardoso, catador de
Porto Alegre e líder do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis (MNCR), seis anos após a aprovação da lei, ainda há muito
desconhecimento. “O próprio Judiciário ainda tem dificuldade de compreender a
lei. Para os gestores é ainda mais complicado. Os indicados pelos prefeitos
para atuar na gestão de resíduos do município, em sua maioria, não são
capacitados”, lamenta.
Para o catador, os municípios têm
recursos suficientes para investir na atividade e os problemas são de ordem
prática. Alex elogia a lei, mas diz que a norma precisa ser concretizada. “Ela
coloca as prefeituras como operacionalizadora dos processos, as empresas como
pagadoras pelas poluições que produzem e as cooperativas de catadores como recebedora
de toda esta política. É uma medida que aponta para a rota tecnológica que nós
defendemos para o país, onde deve haver reciclagem, tratamento de resíduos
orgânicos e participação massiva da sociedade”.
Segundo Gilberto Chagas, catador
de Contagem (MG), a coleta seletiva oficial que ocorre tanto em sua cidade como
em Belo Horizonte não alcança 3% dos bairros. O site da Prefeitura de Belo
Horizonte informa que a coleta seletiva por meio de caminhões do Serviço de
Limpeza Urbana (SLU) alcança 36 bairros de um total de 487 existentes na
capital. “Existe uma coleta seletiva independente que está dispersa pelas
cidades, sem incentivo do gestor público. Ela é feita pelos catadores. Cada
bairro que você for, vai ter algum catador fazendo coleta.”
Jeane dos Santos, catadora de
Salvador e também dirigente do MNCR, destaca que as cooperativas, quando
remuneradas pelo município, fazem um serviço de utilidade pública.
“Infelizmente, tem governante que prefere pagar empresas de limpeza urbana para
jogar o material reciclável no aterro. E nós, inclusive, damos mais vida útil a
esse aterro, reduzindo o volume de lixo jogado ali”.
Ela avalia ainda que a cadeia de
reciclagem produz emprego e renda, tanto nas cooperativas quanto na indústria
que vai transformar o material recolhido. “O grande desafio hoje é garantir que
as cooperativas de cada cidade sejam contratadas pelas prefeituras e tenham uma
renda fixa, para sobreviver melhor. E melhorando as condições de vida dos
catadores, também se movimenta a economia, pois eles vão gastar o seu dinheiro
naquela cidade, fortalecendo o mercado local”.
Para além da importância
econômica, as cooperativas têm um poder transformador na opinião de Jeane.
“Eu comecei a trabalhar em um
lixão aos 7 anos. Há 15 anos, eu ainda era catadora em um lixão. Hoje eu sou
catadora de material reciclável, mas eu comecei catando lixo. E quando eu tinha
20 anos, o Poder Público tirou o lixão de mim. Não me deu nenhuma explicação do
porquê eles estavam tirando meu trabalho. E aí eu fui catar na rua. Foi quando
eu vi o preconceito. Até então eu ficava no meu mundinho, lá no lixão. Por isso
a cooperativa é importante. A gente se fortalece para enfrentar o preconceito,
a falta de conhecimento. Eu me alfabetizei na cooperativa.”
Liderança feminista do movimento,
Jeane comemora o avanço das discussões sobre o machismo. Hoje, segundo ela, 70%
dos catadores são mulheres. “Às vezes os homens são orgulhosos, não querem
fazer esse tipo de trabalho. Acham que não é algo para eles. Mas mesmo sendo
maioria, o machismo existe na nossa categoria. Muitas vezes reproduzido pelas
próprias mulheres. Mas já avançamos muito. Olha onde chegamos. Nós criamos um
espaço de duas horas nesta Expocatadores para falar de gênero. Hoje nós estamos
empoderadas. Nós trabalhamos igual os homens dentro das cooperativas e agora
estamos sendo respeitadas.”
André Vilhena, representante do
setor empresarial, também vê como positivo o fortalecimento das cooperativas.
“A importância de organizar e
capacitar as cooperativas é justamente para que tenhamos condições de aumentar
a escala de materiais coletados pelos catadores e tornar a atividade deles
formal. Infelizmente há catadores que estão no lixão, no aterro e nas ruas que
não trabalham de maneira formal. E quando você organiza estes profissionais em
uma cooperativa, eles podem prestar serviço para o setor empresarial ou para a
prefeitura”, disse Vilhena, que é diretor executivo do Compromisso Empresarial
para Reciclagem (Cempre), uma associação sem fins lucrativos fundada em 1992
que reúne 36 grandes empresas privadas e atua no gerenciamento integrado de
resíduos sólidos.
Ele entende que a Política
Nacional de Resíduos Sólidos inovou ao colocar as cooperativas dos catadores
como protagonistas da reciclagem e refletiu uma evolução do modelo brasileiro.
“Antes da lei, já existia o catador, e nós e outras organizações já apoiávamos
a melhoria e a capacitação deles para que se organizassem em cooperativas e
oferecessem um trabalho melhor. E com o tempo isso deu um desenho do modelo
brasileiro”.
Logística reversa – Na opinião da catadora Jeane dos Santos, a
relação entre o setor privado e os catadores ainda precisa melhorar. “Cerca de
30% do material que chega na cooperativa poderia ser reciclado mas não tem
mercado. Não tem empresa ou indústria que compre. Ele termina virando rejeito e
tem município que paga para jogar esse rejeito no aterro sanitário”.
Um dos dispositivos estabelecidos
pela Política Nacional de Resíduos Sólidos são os acordos setoriais, através
dos quais o Poder Público, os fabricantes, importadores, distribuidores ou
comerciantes estabelecem diretrizes sobre a responsabilidade compartilhada pelo
ciclo de vida do produto. Em novembro de 2015, o governo federal e 23
associações empresariais firmaram o acordo para implantação do sistema de
logística reversa de embalagens, que visa garantir o retorno da embalagem do
produto à empresa geradora após o seu uso pelo consumidor. Foi estabelecida a
meta de, até 2018, reduzir em 22% o volume de embalagens que vão para aterros
sanitários.
Um dos signatários do acordo é o
Cempre. “A logística reversa é uma parte da cadeia de reciclagem. O processo é
bem mais amplo. Você tem que ter tecnologia para transformar o material que
você está recebendo e capacidade instalada para reciclar. A logística, que pega
daqui e leva para lá, é importante. Mas precisa ser integrada à capacitação
para a coleta seletiva, o transporte, a triagem, a manutenção dos galpões e a
transformação do que foi coletado e triado”, destaca André Vilhena.
Lixo eletroeletrônico – Enquanto o Brasil avança na destinação adequada
de embalagens, a reciclagem do lixo eletroeletrônico está longe de ser uma
realidade efetiva no país. Para André Vilhena, é necessário um acordo setorial
para definir como lidar com esse tipo de lixo, que aparece bastante nas
cooperativas.
Para o catador Gilberto Chagas,
que atua em uma cooperativa de Contagem (MG), ainda há muito o que evoluir.
“Estamos a anos-luz dos países europeus, por exemplo. Lá eles fazem
aproveitamento das placas, trabalham o silício, aproveitam muitos elementos. De
toda forma, todo o mundo ainda precisa avançar muito no tratamento do lixo
eletrônico. Mas de fato, o Brasil está ainda bem atrasado”.
Fonte: Agência Brasil
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