Antropoceno: Uma nova era
Segundo o Quinto Relatório do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de Março de 2014,
durante o Século 21 os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o
crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a
insegurança alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em
áreas urbanas e regiões castigadas pela fome. Um aumento maior na temperatura
do Planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações
mais pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos
climáticos extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas
agricultáveis levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à
disseminação de doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social.
A concentração de gases que
produzem o Efeito Estufa na atmosfera atingiu seus níveis mais elevados desde
800 mil anos, o que dá uma ideia do impacto atual na biosfera. Segundo os
cientistas do IPCC, as mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e
irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e
obrigatórias como as que foram adotadas no Acordo sobre o clima, discutido em
Paris em Dezembro de 2015 e ratificado em Abril último com a sua entrada em, vigor
no dia 4 deste mês (Novembro 2016).
Há um certo consenso de que o
aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2ºC, sob pena de
consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos,
como secas, inundações, desertificação, calor intenso, redução da produção
agrícola, aumento no preço dos alimentos etc. Desde a Conferência RIO-92,
porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da
indústria do petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para
evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi tamanho
que há, entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até
4°C!
Segundo o cientista brasileiro
Carlos Nobre, a cada hora, 9 mil pessoas se somam à população mundial, 1.700
toneladas de nitrogênio são lançadas na atmosfera e 4 milhões de toneladas de
CO2 são emitidas – sendo que 50% delas são absorvidas pela vegetação e também
pelos oceanos, que estão cada vez mais ácidos, prejudicando a vida marinha.
Neste mesmo intervalo de tempo, 1.500 hectares de florestas são derrubados no
mundo – comprometendo a absorção de carbono, que começa a se concentrar ainda
mais nos oceanos e na atmosfera, aumentando o Efeito Estufa – e três espécies
entram em extinção – velocidade 1.000 vezes maior do que o processo natural.
As mudanças climáticas e a perda
da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos
naturais que ameaça as condições de vida humana no Planeta. Segundo Paul
Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova era geológica,
o Antropoceno, em que o homem começa a destruir suas condições de existência no
Planeta.
Em 2002, o historiador John
McNeill alertou em seu livro “Algo de Novo Sob o Sol” (Something New Under the
Sun) que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras
planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso
total da capacidade de o Planeta suportar as atividades humanas. Os eventos
climáticos extremos não cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações,
desertificação, falta d’água, temperaturas excessivas, desastres naturais,
refugiados ambientais.
Em Setembro de 2009, um artigo da
revista Nature (A safe operating space for humanity – Rockström et alii) afirma
que pode estar sob grave ameaça a longa era de estabilidade – conhecida como
Holoceno – em que a Terra foi capaz de absorver, de maneira mais ou menos
suave, perturbações internas e externas. Um novo período, o Antropoceno, vem
emergindo desde a Revolução Industrial e seu traço característico é a
centralidade das ações humanas sobre as mudanças ambientais globais.
No 38º Encontro Anual da ANPOCS,
em outubro de 2014, Caxambu – MG, um documento do Grupo de Trabalho sobre
Política Internacional afirmava que “o advento do Antropoceno traz consigo o
fim da estabilidade geobiofísica do Planeta, quebrando a matriz de estabilidade
e linearidade que é o pressuposto para previsões do futuro com base em
acontecimentos do passado. A não linearidade é a nova realidade, porque é
característica de sistemas complexos tais como os sistemas geobiofísicos”. (O
sistema internacional no Antropoceno: o imperativo da governança global e de um
novo paradigma geopolítico de Larissa Basso e Eduardo Viola). Os autores
advertem que, como as fronteiras planetárias estão sendo ultrapassadas, a
solução seria caminhar na direção de uma governança global que ultrapassasse os
atuais limites do soberanismo para um sistema internacional baseado no
pós-soberanismo.
Fases do
Antropoceno
Dois anos antes, em Dezembro de
2007, na revista Ambio da Real Academia de Ciências da Suécia, Paul Crutzen
detalhou os impactos que marcam a entrada no antropoceno. Com Will Steffen,
especialista em problemas ambientais da Universidade Nacional de Canberra,
Austrália, e John McNeill, professor de história na School of Foreign Service
em Washington, ele publicou um artigo intitulado “O antropoceno: os humanos
estão prestes a fazer submergir as grandes forças da natureza?” Após ter
modificado, nestes últimos 50 anos, seu ambiente como nunca o fizera antes,
perturbando o sistema climático e deteriorando o equilíbrio da biosfera, a
espécie humana, transformada numa “força geofísica planetária”, deve agora agir
muito rapidamente para limitar os desgastes.
De acordo com ele, essa era se
iniciou por volta de 1800, com a chegada da sociedade industrial, caracterizada
pela utilização maciça de hidrocarbonetos. Desde então, não cessa de crescer a
concentração de dióxido de carbono na atmosfera, causada pela combustão desses
produtos. A acumulação dos gases do efeito-estufa contribui para o aquecimento
global. A primeira fase do Antropoceno vai de 1800 a 1945 ou 1950 e
corresponde, portanto, à formação da era industrial.
A segunda fase vai de 1950 a 2000
ou 2015 e vem sendo chamada de “A Grande Aceleração”. Entre 1950 e 2000, a
população humana dobrou de 3 para 6 bilhões de pessoas e o número de automóveis
passou de 40 para 800 milhões! O consumo dos mais ricos se destacou do restante
da Humanidade, alimentado pela disponibilidade geográfica de petróleo abundante
e barato no contexto do pós-Segunda Guerra e pela difusão de tecnologias
inovadoras que catalisaram um vasto processo de consumo de massa (como os
automóveis modernos, as TVs etc.).
Na atual fase 2 da Era
Antropocênica (1945-2015), registrou-se uma aceleração considerável das
atividades humanas exageradas sobre a natureza. “A grande aceleração se
encontra em estado crítico”, afirmaram Crutzen, Steffen e McNeill no artigo
citado, porque 60% dos serviços fornecidos pelos ecossistemas terrestres já
enfrentam degradação.
Vemos hoje uma combinação
explosiva entre os dilemas da crise ecológica global e os dilemas da
desigualdade global. Um grupo de 2 bilhões de pessoas dispõe de padrão de
consumo elevado e se apropria dos consequentes benefícios materiais, enquanto 4
bilhões vivem na pobreza e 1 bilhão na miséria absoluta.
Numa terceira fase, a partir de
2000 ou, segundo alguns, de 2015, a humanidade toma consciência do Antropoceno.
Na realidade, a partir dos anos 1980, os seres humanos começam a tomar
progressivamente consciência dos perigos que sua atividade produtiva cada vez
mais intensa gerava para o “sistema Terra”. Trata-se de perigos para a própria
humanidade que não poderia sobreviver com a destruição dos recursos naturais.
Opções
A humanidade teria três escolhas
para a terceira fase da Era Antropocênica. A primeira consiste em manter as
mesmas atitudes e esperar que a economia de mercado e o espírito humano de
adaptação cuidem dos problemas ambientais. Segundo os autores citados acima,
esta opção oferece “riscos consideráveis”: quando forem decididas medidas
adequadas de combate aos problemas pode ser “tarde demais”.
A segunda opção, a de atenuação,
tem por objetivo reduzir consideravelmente a influência humana sobre o Planeta,
por meio de uma melhor gestão ambiental, com novas tecnologias, uso mais sábio
de recursos e restauração de áreas degradadas, mas isso requer “importantes
mudanças no comportamento dos indivíduos e nos valores sociais”.
Caso isso não se prove possível,
existe uma polêmica terceira opção: o uso de geoengenharia para alterar o clima
e combater o aquecimento global. A opção envolveria manipulações bastante
poderosas do meio ambiente em escala mundial, com o objetivo de contrabalançar
as atividades humanas. Por exemplo, já existem planos para reter o gás
carbônico em reservatórios subterrâneos, ou espalhar na atmosfera partículas
que reflitam a luz solar, refrigerando a temperaturas. Mas isso envolve
elevados riscos, pois “o remédio pode ser pior que a doença”.
Outros caminhos podem surgir. Do
lado otimista, há quem afirme que, em 15 anos, não haverá mais produção de
carros movidos a combustível. Todos os novos carros seriam elétricos. O custo
para recarregar baterias seria 80% mais barato do que os atuais combustíveis
fósseis. O preço barato do petróleo, a continuar, inviabilizaria investimentos
na produção via pré-sal ou gás de xisto. A Europa, os EUA e a China já fazem
grandes investimentos na pesquisa e produção de energia alternativa,
principalmente solar. Por outro lado, o preço do petróleo baixo “pode ter o
efeito de tornar mais lento o crescimento de renováveis nos próximos anos” (“A
Proposta do Brasil para a COP-21 Vai Ser Ruim”, artigo de Eduardo Viola na
revista ECO 21, Agosto 2015).
Enquanto isso, na época, no
Brasil, o Ministro de Minas e Energia anunciou a criação de novas usinas
térmicas a carvão e gás, altamente poluentes. O Ministério da Agricultura
queria avançar sobre Terras Indígenas e Parques Nacionais para uso do
agronegócio, atropelando a biodiversidade. O então Ministro de Assuntos
Estratégicos demitiu dois economistas especializados em sustentabilidade que
não é considerado assunto estratégico. E o Ministério do Meio Ambiente
silenciava como de costume.
Os acordos vazios e sem compromissos assinados
pelos presidentes do Brasil e dos EUA não enganaram ninguém. O Brasil ainda
está entre os dez maiores emissores mundiais de Gases de Efeito Estufa.
Encontra-se, portanto, no grupo de países que deve assumir compromissos
substanciais de reduções de suas emissões. Mas ainda prevalecia no Governo a
rejeição a energias alternativas por “falta de escala”.
Não há visão de futuro. A sustentabilidade
desapareceu até mesmo dos discursos oficiais. A COP-21 poderia ter sido uma
grande oportunidade para o Brasil ressurgir das cinzas e propor medidas
eficazes de combate às mudanças climáticas que ameaçam a humanidade pelo abuso
e destruição irresponsável dos recursos naturais. Mas isso exige liderança e
consciência da importância da sustentabilidade.
Fonte: Liszt Vieira - Doutor em Sociologia/Professor da
PUC-Rio
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