A era que tarda em nascer
Porque podemos estar otimistas apesar de tudo?
Desmatamento no Brasil cresceu,
Trump se elegeu, OPEP visa forçar alta no preço do petróleo mais uma vez e os
chamados para o tradicional consumo desenfreado de fim de ano já se
multiplicam, como se não houvesse amanhã.
Um olhar apressado pelas
principais manchetes nacionais e internacionais pode tornar nossos corações
pesados. Ainda mais se somarmos a isso os constantes escândalos de corrupção no
país e os conflitos ad infinitum no Oriente Médio.
A impressão predominante é de que
a humanidade não tem mesmo jeito. Sai década, entra década, segue poluindo e
destruindo ciclos naturais – apesar dos insistentes avisos sobre os riscos
desta conduta desde os anos 70 – e segue apelando para a violência para resolver
diferenças de crença e valores e necessidades não atendidas.
Mas é uma falsa impressão. Uma
visão aprofundada revela motivos para comemorarmos o estágio atual de
civilização.
Nunca a barbarie foi tão
condenada – mesmo se ainda praticada em pontos isolados do planeta. O
pensamento vigente no passado de que era lícito invadir, pilhar, tomar terras e
dizimar povos por terem hábitos diferentes ou acreditarem em deuses diversos, hoje,
envergonha os que o adotaram. A ponto de vários pedidos de desculpas formais
serem feitos. Não reparam, é verdade, os crimes e abusos cometidos. Mas mostram
uma mudança radical de ética e de opinião pública.
Fatos antes comemorados como
“vitórias”, “descobertas” e “conquistas”, nos dias atuais, provocariam asco e
indignação virulenta.
A humanidade se volta, na sua
maioria, para o respeito a direitos humanos universais. Pelo menos em tese. O
que já é um grande avanço.
A História mostra que é preciso
repetir e repetir as lições até que os hábitos se transformem.
Há uma grande força a favor da
construção de um mundo acolhedor, com boa qualidade de vida para todos e todas.
Inclusive para as demais espécies. Essa visão se construiu durante décadas e,
agora, contamos com diversas formas concretas (e testadas) de alcançá-lo. Como
nunca antes, os “comos” começam a ser aplicados.
Pela primeira vez, desde que
começamos a queimar combustíveis fósseis, os investimentos globais em
eletricidade gerada por energias renováveis são maiores que qualquer outra
fonte. Estes atingiram um recorde de U$ 286 bilhões em 2015, mais que o dobro
de dólares investidos na geração por carvão ou gás natural.
As maiores refinadoras mundiais,
Exxon, Shell, BP e Chevron, dobraram seu endividamento nos últimos dois anos.
Sinal de alerta para investidores que, mais e mais, as abandonam em busca de
negócios mais promissores. A troca de matriz energética se torna irreversível e
se reflete no campo dos empregos. As vagas junto a energias renováveis somaram
mais que o triplo do que as em petróleo, gás e carvão, nos Estados Unidos em
2015, por exemplo.
A adoção de carros, ônibus e
trólebus elétricos acelera em diversos países. A energia solar também se
expande em velocidades recordes. Grandes poluidores, como a China, entraram
para ganhar na corrida por uma produção limpa. A gigante asiática, inclusive,
lidera os investimentos em energia eólica e solar, atualmente.
A ‘revolução verde’ se anuncia
também no aumento de eficácia das baterias e em inovações como as impressoras
3D, que permitem fabricar sob demanda e no próprio local do uso. O que anula
desperdícios de matéria-prima e impactos do transporte por longas distâncias.
Políticas e regras pela proteção
do clima e dos recursos naturais ganham consenso com mais agilidade nos fóruns
globais, como as COPs – Conferência entre as Partes das Nações Unidas. Pela
primeira vez, o texto aceito em Paris em 2015, pelas 197 nações integrantes da
ONU, foi ratificado em tempo recorde por um número suficiente de países, e já
entrou em vigor um ano após assinado. Ainda não traz metas individuais que
somem o total de redução de emissões de poluentes necessárias. Mas compromete
com a transformação dos modos de produção. Conforme esta acontece, uma boa
comunicação promete atrair fatias consideráveis de consumidores. Estes, por sua
vez, com suas escolhas de compra e descarte, podem gerar um efeito
multiplicador das boas soluções. Um poder que fica cada vez mais claro nas
dinâmicas sociais existentes.
Há países que já anunciaram o
banimento total de carros movidos a gasolina e diesel nas próximas décadas
(como a Alemanha, até 2030 e a Noruega, até 2025). Que reaproveitam e reciclam
quase 100% dos resíduos gerados (Áustria, Alemanha, Bélgica, Holanda e Suíça
ultrapassaram a meta de 50% de reciclagem do lixo urbano estabelecida pela
União Européia para até 2020). Que adotaram a produção de orgânicos como a
única permitida em suas terras (Dinamarca e Butão). Exemplos concretos que
incentivarão outros, conforme exibirem as vantagens alcançadas com estas
opções.
O olhar humano acorda para a
visão sistêmica da vida, perdida quando se oprimiu os povos mais ligados à
Terra. O termo ‘do berço ao berço” reflete bem as novas dinâmicas produtivas
que as empresas almejam alcançar. A gestão integrada de territórios, com foco
em bacias hidrográficas e regeneração de rios e nascentes, se alastra e se
fortalece. A abordagem gerencial clássica expandiu-se da busca simples de
lucro, para conceitos complexos como de pagamento por serviços ambientais a
quem protege, preserva e/ou ‘produz’ clima e água; e de responsabilidade
socioempresarial de suas atividades.
Todo o árduo trabalho de criar
cidades formou ambientes suficientes para a população humana no planeta – que
já está em declínio em diversas partes, vale notar. Movimentos como Transitions
Towns, Hortelões Urbanos e Cidades Sustentáveis apontam para modos de vida
sustentáveis em plenas selvas de pedra’. Estes adotam costumes antigos como
compostagem, captação de água de chuva, biodigestores, de forma experimental
mas consistente, para mostrar como tornar as urbes, daqui para frente,
regeneradoras da vida que sua construção destruiu.
A cultura de paz, o cuidar desde
um nascimento humanizado até a aceitação de adultos de todo e qualquer gênero e
cores, passando por uma educação sem violência, anunciam um novo ser humano.
Voltado para a construção do Bem, do Bom e do Belo. Ciente de que sua ‘mão’
(leia-se suas escolhas diárias) pode criar paraísos ou infernos na Terra.
Estamos cada vez mais próximos,
enquanto família humana, de uma grande mudança de era. Para muitos, que já a
vislumbram há anos, ela pode parecer retida, em um parto arrastado e, por
demais, atrasado. Mas para o Universo, tudo pode estar exatamente no ritmo
certo. O que hoje parece caótico são apenas os esforços derradeiros para dar à
luz a uma nova, ou qui çá antiga e imutável, forma sustentável e equilibrada de
vida. Os excessos que agora vemos são ‘vacinas’ a criar antídotos no novo
organismo que se anuncia.
Atacamos hoje os males que não mais desejamos em nosso DNA.
Fonte: Neuza Arbocz - Jornalista e pioneira da Internet do
Brasil
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