Transgênicos trouxeram aumento do uso de agrotóxicos
Quando iniciou o debate sobre a
utilização de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) na agricultura, uma
das principais promessas feitas por seus defensores era que o cultivo de
transgênicos, entre outros benefícios, traria uma diminuição do uso de agrotóxicos,
em função do desenvolvimento de plantas resistentes a pragas. Passadas cerca de
duas décadas, o que se viu no Brasil foi exatamente o contrário. A crescente
liberação do plantio de variedades transgênicas de soja, milho e outros
cultivos trouxe não uma diminuição, mas um aumento da utilização de
agrotóxicos. Mais grave ainda: vem provocando o surgimento de novas pragas mais
resistentes aos venenos, que demandam o desenvolvimento de novos venenos, numa
espiral que parece não ter fim e que vem sendo construída sem os estudos de
impacto ambiental necessários.
Esse foi um dos alertas feitos no
painel “10 anos da Lei de Biossegurança e os Transgênicos no Brasil”, realizado
terça-feira (24 março 2015) à noite, no auditório da Faculdade de Arquitetura
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Promovido pela Agapan,
InGá Estudos Ambientais, Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGDeMA)
e GVC – Projeto de Extensão da Biologia da UFRGS, o encontro, além de atualizar
a situação da Lei de Biossegurança e da transgenia no Brasil, prestou uma
homenagem à pesquisadora Magda Zanoni, recentemente falecida, que foi uma das
principais pesquisadoras no campo da reforma agrária e da agricultura familiar
no país, e uma crítica do uso de organismos transgênicos na agricultura como
uma solução para os problemas da alimentação no mundo.
Situação
da Biossegurança no país piorou, diz pesquisadora
O painel reuniu a doutora em
Ciências Sociais, Marijane Lisboa, professora da PUC-SP, e o engenheiro
agrônomo Leonardo Melgarejo, integrante da Agapan. Marijane Lisboa fez um
balanço dos dez anos da Lei de Biossegurança, lembrando que essa é, na verdade,
a segunda legislação sobre esse tema no Brasil. A primeira lei, de 1995,
assinalou, era melhor que a atual pois tinha uma regra que submetia as decisões
da Coordenação-Geral da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ao
parecer de órgãos ambientais e da área da saúde. “Essa cláusula permitiu, por
exemplo, ingressarmos na justiça contra a liberação da primeira variedade de
soja transgênica no Brasil. Isso, ao menos, atrasou a liberação dos
transgênicos no país”, assinalou a pesquisadora. Mas essa lei tinha uma
desvantagem em relação à atual: durante a sua vigência, as reuniões da CTNBio
eram fechadas para a sociedade.
O atraso na liberação das
primeiras variedades transgênicas não impediu, porém que elas começassem a ser
plantadas de forma ilegal no país. O Rio Grande do Sul foi um Estado pioneiro
nessa ilegalidade, com o plantio da chamada soja Maradona, contrabandeada da
Argentina. Marijane Lisboa trabalhou no Ministério do Meio Ambiente, quando
Marina Silva, era ministra, e vivenciou diretamente todo o lobby da indústria
dos transgênicos e de seus braços parlamentares para a liberação do plantio. “A
pressão política foi muito forte e a soja transgênica acabou sendo liberada, no
governo Lula, por Medida Provisória. Quando o governo enviou a MP para o
Congresso, a bancada ruralista anunciou que pretendia fazer uma emenda para
ampliar a liberação e torná-la permanente. Seguiu-se uma negociação que acabou
dando origem à nova Lei de Biossegurança”, relatou.
Para
construir uma ponte, precisa estudo de impacto ambiental. Para liberar
transgênico, não
Uma das principais disputas
travadas na época se deu em torno da vinculação ou não dos pareceres da CTNBio
à avaliação dos órgãos ambientais. “Nós defendíamos essa vinculação, mas,
infelizmente, o então ministro Aldo Rebelo decidiu pela posição contrária. O
que os cientistas decidissem na CTNBio seria a palavra final, o que deu origem
à uma lei muito pior que a anterior. “Não é possível que, para construir uma
ponte, seja preciso ter um estudo de impacto ambiental, e para liberar um
produto transgênico para o consumo humano não exista a mesma exigência”,
criticou a professora da PUC-SP. “Hoje”, acrescentou, “os integrantes da CTNBio
são escolhidos diretamente pelo ministro da Ciência e Tecnologia. Nós temos
cinco representantes da sociedade civil, mas eles devem ser doutores e
representam uma posição minoritária. Os lobistas da indústria dos transgênicos
assistem às reuniões para ver como os cientistas estão se comportando. Essa é a
CTNBio hoje. Ela foi sendo adaptada para liberar tudo”.
Na mesma direção, Leonardo
Melgarejo criticou o atual modo de funcionamento da CTNBio, observando que os
integrantes da comissão aprovam a liberação de transgênicos com base em uma
bibliografia totalmente favorável a essa posição, composta em sua maioria por
artigos não publicados em revistas indexadas. Para enfrentar essa situação, um
grupo de pesquisadores está preparando um livro com 700 artigos de cientistas
que fazem um contraponto a esse suposto consenso favorável à liberação do
plantio e consumo dos transgênicos. Esse livro incluirá artigos publicados já
nos primeiros meses de 2015 que contestam esse suposto consenso. Um deles, “No
scientific consensus on GMO safety”, de autoria de um grupo de cientistas da
European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility,
denuncia a fragilidade de evidências científicas para sustentar tal consenso.
Hoje, não
dá para dissociar agrotóxicos de transgênicos
Melgarejo chamou a atenção para o
fato de que não é possível, hoje, dissociar agrotóxicos de transgênicos.
“Quando alguém sente cheiro de veneno já está sendo envenenado”, resumiu. Além
dos problemas de contaminação, advertiu, há vários outros que não são do
conhecimento da sociedade. Entre eles, está o fenômeno do aumento da
resistência de certas bactérias a antibióticos e o surgimento de novas pragas,
o que leva ao desenvolvimento de novos tipo de transgênicos. A França, relatou
ainda o engenheiro agrônomo, proibiu ontem (23 março 2015) o cultivo do milho
geneticamente modificado MON 810. Melgarejo advertiu também para os riscos da
aprovação no Brasil do agrotóxico 2,4 D, muito mais tóxico que o glifosato, e
do projeto de lei do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), propondo o
fim da rotulagem dos transgênicos.
O biólogo Paulo Brack, do InGá
Estudos Ambientais, também criticou o modo de funcionamento atual da Comissão
Nacional de Biossegurança. “A situação da CTNBio passou dos limites. Não há
espaço para debate científico nas reuniões, as cartas já estão marcadas. A
maioria dos integrantes da CTNBio tem vínculos com empresas”. Para Brack, a
agricultura convencional hoje se tornou disfuncional pois não respeita
princípios ecológicos básicos. “A lógica é aumentar o consumo dos agrotóxicos”,
assinalou o biólogo, que apresentou um gráfico que atesta esse crescimento.
Em 2005, quando foi a aprovada a
Lei de Biossegurança 11.105, que impulsionou a liberação de transgênicos no
país, o consumo de agrotóxicos no Brasil estava na casa dos 700 milhões de
litros/ano. Em 2011, seis anos apenas depois, já estava na casa dos 853 milhões
de litros/ano. Em 2013, as estimativas apontam para um consumo superior a um
bilhão de litros/ano, uma cota per capita de aproximadamente 5 litros por
habitante. O Brasil consome hoje pelo menos 14 agrotóxicos que são proibidos em
outros países do mundo.
Fonte: www.sul21.com.br
Comentários
Postar um comentário