Meio Ambiente e Saúde
Não é de hoje que as
inter-relações entre população, recursos naturais e desenvolvimento têm sido
objeto de preocupação social e de estudos científicos.
Desde há muito, as exigências
cada vez mais complexas da sociedade moderna vêm acelerando o uso dos recursos
naturais, resultando em danos ambientais que colocam em risco a sobrevivência
da humanidade no planeta.
A história mostra que o homem
sempre utilizou os recursos naturais para o desenvolvimento da tecnologia e da
economia e, com isso, garantir uma vida com mais qualidade.
Entretanto, é fácil constatar que
essa equação (exploração dos recursos naturais = desenvolvimento econômico e
tecnológico = qualidade de vida) não vem se relevando verdadeira. Isso porque
os recursos oriundos da natureza estão sendo aproveitados de forma predatória,
causando graves danos ao meio ambiente e refletindo negativamente na própria
condição de vida e de saúde do homem.
Nesse sentido, tudo se tornou
válido em nome do progresso, do bem estar da sociedade e da vida mais
confortável.
Mas, a busca do homem por uma
vida melhor está lhe trazendo doenças, problemas sociais e comprometendo seu
futuro na Terra, já que suas ações são altamente degradantes.
Diante desse quadro, fica claro
que meio ambiente e saúde são temas completamente indissociáveis, sendo certo
que o ordenamento jurídico nacional contempla tal relação.
Sem pretensão de exaurir o
assunto, destacaremos e exemplificaremos a correlação entre meio ambiente e
saúde, inclusive sob o aspecto legal, e mostrar a importância da aplicação dos
princípios da prevenção e da precaução, basilares do Direito Ambiental
Brasileiro.
Meio
Ambiente
Entre os especialistas,
verificamos a existência de diversas definições sobre "meio
ambiente", algumas abrangendo apenas os componentes naturais e outras
refletindo a concepção mais moderna, considerando-o como um sistema no qual
interagem fatores de ordem física, biológica e sócio econômica.
Meio ambiente é a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas suas formas. Uma outra maneira de
interpretar o tema meio ambiente como "o conjunto de elementos
físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem,
individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao
desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e
das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade
definidos".
Na legislação pátria, o inciso I,
do artigo 3º, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/81),
define meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas".
Assim, entende-se que a expressão
"meio ambiente" deve ser interpretada de uma forma ampla, não se
referindo apenas à natureza propriamente dita, mas sim a uma realidade
complexa, resultante do conjunto de elementos físicos, químicos, biológicos e
sócio econômicos, bem como de suas inúmeras interações que ocorrem dentro de
sistemas naturais, artificiais, sociais e culturais.
Saúde
A palavra saúde também deve ser
compreendida de forma abrangente, não se referindo somente à ausência de
doenças, mas sim ao completo bem-estar físico, mental e social de um indivíduo.
Nesse sentido, é a orientação que se extrai da disposição contida no artigo 3º
da Lei nº 8.080/90, onde se consigna que "a saúde tem como fatores
determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o
transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais".
Assim o termo "saúde"
engloba uma série condições que devem estar apropriadas para o bem estar
completo do ser humano, incluindo o meio ambiente equilibrado.
Meio
Ambiente e Saúde - Temas indissociáveis
Muitas pessoas não percebem, mas
o homem é parte integrante da natureza e, nesta condição, precisa do meio
ambiente saudável para ter uma vida salubre.
É certo que qualquer dano causado
ao meio ambiente provoca prejuízos à saúde pública e vice-versa. "A
existência de um é a própria condição da existência do outro", razão pela
qual o ser humano deve realizar suas atividades respeitando e protegendo a
natureza.
Com um pouco de atenção, é fácil
descobrir inúmeras situações que demonstram a relação entre o meio ambiente e a
saúde, senão vejamos.
O vibrião da cólera, por exemplo,
é transmitido pelo contato direto com a água ou pela ingestão de alimentos
contaminados. A falta de saneamento básico, os maus hábitos de higiene e as
condições precárias de vida de determinadas regiões do planeta são fatores que
estão intimamente ligados com o meio ambiente e que contribuem para a transmissão
da doença. "A água infectada, além de disseminar a doença ao ser ingerida,
pode também contaminar peixes, mariscos, camarões etc..".
Foi noticiado em outubro de 2004,
que as enormes quantidades de substâncias químicas encontradas no ar, na água,
nos alimentos e nos produtos utilizados rotineiramente estão diretamente
relacionadas com uma maior incidência de câncer, de distúrbios
neurocomportamentais, de depressão e de perda de memória. Tal reportagem também
divulgou dados do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, apontando que dois
terços dos casos de câncer daquele país tem causas ambientais. Interessante que
no Brasil em São Paulo, uma pesquisa feita com cinquenta controladores de
trânsito da cidade (conhecidos como "marronzinhos"), não fumantes e
sem doenças prévias. A conclusão foi que todos apresentavam elevação da pressão
arterial e variação da frequência cardíaca nos dias de maior poluição
atmosférica. Além disso, 33% deles possuíam condições típicas de fumantes, como
redução da capacidade pulmonar e inflamação frequente dos brônquios.
Portanto, diariamente é possível
presenciar várias situações que nos revelam como a degradação ambiental causa
problemas na saúde e nas condições de vida do homem.
Por sua vez, o sistema jurídico
brasileiro contempla a relação entre meio ambiente e saúde, conforme se
exemplifica a seguir.
O artigo 225, da Constituição
Federal do Brasil, estipula que: "Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Nota-se que o
dispositivo em foco é categórico ao afirmar que o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida, ou seja, à própria saúde.
O artigo 200 da Lei Maior fixa
algumas atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), dentre os quais se
menciona a fiscalização de alimentos, bebidas e água para o consumo humano
(inciso VI) e a colaboração na proteção do meio ambiente (inciso VIII).
A Lei Federal nº 6.938/81, conhecida
como Política Nacional do Meio Ambiente, tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental favorável à vida e, portanto, à
saúde, visando assegurar condições ao desenvolvimento sócio econômico e à
proteção da dignidade humana (artigo 2º).
Além disso, esta lei define
poluição como a degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que
direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população (artigo 3º, inciso III, alínea "a").
Por fim, cumpre mencionar a Lei
nº 8.080/90, que regula em todo país as ações e serviços de saúde. Essa lei,
além de consignar o meio ambiente como um dos vários fatores condicionantes
para a saúde (artigo 3º), prevê uma série de ações integradas relacionadas à saúde,
meio ambiente e saneamento básico.
Não se pretende cansar o leitor
citando todas leis pertinentes ao tema ora estudado, bastando afirmar que são
várias as normas legais que mostram a indissociabilidade das questões
ambientais e de saúde humana.
A atuação
dos Princípios da Prevenção e Precaução
Finalmente, cumpre examinar,
também de forma não exaustiva, os princípios da prevenção e da precaução,
basilares do Direito Ambiental.
"A palavra princípio, em sua
raiz latina última, significa ‘aquilo que se toma primeiro’ (primum capere),
designando o início, começo, ponto de partida. Princípios de uma ciência, são
as proposições básicas, fundamentais, típicas, que condicionam todas as
estruturas subsequentes. Os princípios fornecem a base para a criação de leis e
são a essência das normas de direito.
O Direito Ambiental, que visa a
manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente,
possui alicerces próprios (princípios), que são decorrentes não apenas de um
sistema normativo ambiental, mas também do sistema de direito positivo em vigor.
Dentre os diversos princípios do
Direito Ambiental, cumpre destacar os princípios da prevenção e da precaução.
O princípio da prevenção se caracteriza
pela "prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de
atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações
suscetíveis de alterar sua qualidade".
Pelo princípio da prevenção,
permite-se a instalação de uma determinada atividade ou empreendimento,
impedindo, todavia, que ele cause danos futuros, por meio de medidas
mitigadoras ou de caráter preventivo.
Existe um dever jurídico constitucional
de levar em conta o meio ambiente quando se for implantar qualquer
empreendimento econômico. Assim, segundo o referido doutrinador, a Carta Magna
obriga todo empreendedor a proteger o meio ambiente ao exercer sua atividade
econômica, razão pela qual se conclui que o princípio da prevenção impõe o
equilíbrio entre o desenvolvimento sócio econômico e a preservação ambiental.
O principio da precaução, por
outro lado, "é um estágio além da prevenção, à medida que o primeiro
(precaução) tende à não realização do empreendimento, se houver risco de dano
irreversível, e o segundo (prevenção) busca, ao menos em um primeiro momento, a
compatibilização entre a atividade e a proteção ambiental".
Assim, pelo princípio da
precaução, quando existe risco ou incerteza científica de dano ambiental, a
atividade sequer poderá ser licenciada.
A implementação do princípio da
precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata
da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O
princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das
gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta.
A precaução caracteriza-se pela
ação antecipada diante do risco ou do perigo. No mundo da precaução há uma
dupla fonte de incerteza: o perigo ele mesmo considerado e a ausência de
conhecimentos científicos sobre o perigo. A precaução visa a gerir a espera da
informação. Ela nasce da diferença temporal entre a necessidade imediata de
ação e o momento onde nossos conhecimentos científicos vão modificar-se.
Como exemplo, vale mencionar que,
em junho de 1999, o Juiz de Direito da 6ª Vara da Secção Judiciária do Distrito
Federal acolheu expressamente o princípio da precaução na ação judicial
proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra a União
Federal e a Monsanto do Brasil Ltda., ao proibir o plantio e comercialização de
sementes da soja transgênica enquanto não fosse apresentado o Estudo Prévio de
Impacto Ambiental e enquanto não fosse regulamentado, pelo Poder Público, as
normas de biossegurança e de rotulagem de Organismos Geneticamente Modificados.
Diante do exposto, percebe-se que
tais princípios visam restringir e até mesmo proibir a implantação de novos
empreendimentos, na hipótese dos mesmos oferecerem risco ao ambiente e a saúde
das pessoas.
Afinal, o Direito Ambiental
possui caráter preventivo, pois é praticamente impossível a reparação integral
nos casos de degradação ambiental, já que na maioria das vezes a região afetada
jamais voltará ao estado em que se encontrava antes do evento danoso.
"Muitos danos ambientais são compensáveis, mas, sob a ótica da ciência e
da técnica, irreparáveis".
E, da mesma forma, são várias as
doenças causadas por danos ambientais cujas sequelas se tornam irreversíveis
para o homem.
Uma citação diz: não podem a humanidade
e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. Como
reparar o desaparecimento de uma espécie ? Como trazer de volta uma floresta de
séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso ? Como purificar um lençol
freático contaminado por agrotóxicos?
Por isso, o legislador
constituinte atribuiu ao Poder Público o dever de aplicar os princípios da
prevenção e precaução, por meio do controle da produção, comercialização e do
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a qualidade
de vida e para o meio ambiente (artigo 225, parágrafo primeiro, inciso V, da
Constituição Federal).
O poder de polícia, o zoneamento
ambiental, as normas legais, os padrões ambientais, a aplicação de penalidades,
o licenciamento ambiental, o estudo prévio de impacto ambiental, as regras de
construção, o controle da poluição, o saneamento básico, o controle do uso do
solo nos meios urbanos e rurais, o planejamento do crescimento da cidade e
outros, são exemplos de instrumentos de controle ambiental onde se costuma
aplicar os princípios da prevenção e da precaução.
Lamentavelmente, os princípios em
estudo não estão sendo empregados na forma preconizada pelo legislador
constitucional, o que vem colaborando com o aumento dos problemas ambientais e
com o agravamento das condições de vida e de saúde o homem.
Conclusão
O ordenamento jurídico brasileiro
é bastante claro, em suas várias normas, sobre a indissociabilidade dos temas
concernentes à saúde e ao meio ambiente. A atuação dos princípios da prevenção
e da precaução é de suma importância, pois eles restringem e até mesmo proíbem
o estabelecimento de um empreendimento que potencialmente ofereça riscos à
natureza e à saúde da população.
Sob um aspecto geral,
considera-se que o direito brasileiro fornece as ferramentas necessárias para
que o Poder Público possa aplicar os princípios da prevenção e precaução na
preservação dos recursos naturais.
Entretanto, observa-se que alguns
mecanismos legais destinados à proteção do meio ambiente e, consequentemente,
da saúde humana, esvaem-se no ar, atingidos por males maiores, capitaneados
pela corrupção, que, por sua vez, é alimentada pela ambição e pela ignorância
dos habitantes deste planeta.
Ademais, não basta a existência
material da lei. Isso é apenas marco zero de um longo processo de implementação
dessa norma. Embora as leis ambientais em nosso país sejam avançadas, nota-se
ainda uma lacuna, consistente na articulação institucional.
São vários os motivos pelos
quais, hodiernamente, a legislação e os princípios ambientais têm
aplicabilidade limitada, valendo destacar: (i) dissociação entre os objetivos
das políticas ambientais e as estratégias de desenvolvimento econômico adotadas
pelo próprio Poder Público; (ii) presença de interesses sociais contraditórios
segundo cada instância de governo; (iii) falta de recursos financeiros para a
área ambiental; (iv) falta de capacitação técnica dos órgãos ambientais, entre
outros.
Urge superar as barreiras que
obstam os processos de implementação das normas legais de cunho ambiental, sob
pena da ineficiência dos princípios constitucionais estabelecidos na Carta de
1988, dentre eles os princípios da prevenção e da precaução, o que
descaracterizaria por completo o Direito Ambiental Brasileiro.
E, sem dúvida nenhuma, uma dessas
barreiras é a moderna e insustentável sociedade de consumo que transformou a
natureza em três etapas: "a primeira, efetivou-a como ambiente, cenário em
que o homem se proclama ‘dono e senhor’; em etapa posterior, esta natureza perde
sua ‘consistência ontológica’, passando a ser um reservatório de recursos; por
fim, uma terceira etapa, ‘em depósito de resíduos’".
Para a efetiva aplicação da
legislação e dos princípios ambientais é preciso também que as políticas
relacionadas à saúde pública e ao meio ambiente caminhem em conjunto e que os
órgãos dos três níveis de governo ligados a essas áreas, bem como aos setores
de agricultura e trabalho, não atuem isoladamente. Afinal, as consequências dos
problemas ambientais que afetam a saúde da população não respeitam fronteiras
geográficas ou níveis de competência.
Quando se fala em questões
ambientais e de saúde humana, não basta indenizar o vexame, a dor e as
irreparáveis sequelas causadas pelas doenças surgidas por conta da degradação
da natureza. É preciso agir antes, empregando de forma efetiva o princípio da
prevenção e, ser for preciso, o da precaução.
Afinal preservar e conservar o
meio ambiente se traduz na garantia de sobrevivência da própria espécie humana
e, nesse sentido, "a natureza não pode se adequar às leis criadas pelo
homem, muito pelo contrário, o direito deve ser formulado em respeito às
limitações naturais, submetendo às atividades econômicas às exigências
naturais".
Fonte: Paulo Roberto Cunha
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