Vida e morte nos rios
A produção mundial de mercúrio é
estimada em 10.000 toneladas por ano para uso nas mais diversas áreas, como
indústrias, mineração e odontologia, sendo os principais produtores o Canadá, a
Rússia e a Espanha. A emissão natural de mercúrio é devida à gaseificação da
crosta terrestre, emissões vulcânicas e à evaporação natural de corpos d'água.
A mineração de ouro e prata, a extração de mercúrio, a queima de fósseis e a
fabricação de cimento são exemplos de fontes antropogênicas de mercúrio.
Na América do Sul, o processo de
extração de ouro utilizando o mercúrio é usado em países como Venezuela,
Colômbia, Bolívia, Guiana Francesa, Guiana, Equador e Peru desde os anos 80. No
Brasil, desde o tempo dos bandeirantes.
O mercúrio (Hg) chega até o homem
por duas maneiras: ocupacional e ambiental. A primeira é mais conhecida e está
ligada ao ambiente de trabalho, tal como mineração e indústrias; geralmente
está associada aos garimpos de ouro, às fábricas de cloro-soda e de lâmpadas
fluorescentes. A contaminação ambiental, por sua vez, é provocada pela dieta
alimentar, comumente pela ingestão de peixes.
Os problemas associados à
contaminação por metais pesados têm recebido um destaque especial em vários
países, independente do seu grau de desenvolvimento. O controle do mercúrio
ressurge como uma preocupação atual devido à sua alta toxicidade e persistência
na atmosfera, estando incluído no rol das Substâncias Tóxicas Persistentes
(STP), sob monitoramento pelo Global Environmental Facility – GEF.
Tendo em vista a alta mobilidade
deste metal nos reservatórios do nosso planeta, com um tempo de residência que
pode chegar até dois anos na atmosfera, vários países já implementaram
programas para o seu monitoramento.
A Agência de Proteção Ambiental
dos EUA (USEPA), enfatizou a necessidade de se regular emissões de mercúrio
frente aos riscos que o mesmo apresenta. O programa similar canadense avalia o
transporte de mercúrio à longa distância e suas possíveis implicações na
qualidade de vida.
A comunidade científica internacional
reconheceu o metilmercúrio na cadeia alimentar aquática como risco em potencial
para o meio ambiente e à saúde humana, e como consequência, os países que
compõem o NAFTA - Estados Unidos, Canadá e México - criaram um programa de
controle do mercúrio.
No Brasil, o controle ambiental
ficou sob responsabilidade dos órgãos ambientais dos governos estaduais. No
entanto, falta uniformidade de objetivos, ações, e articulação com as
instituições da esfera federal. Como consequência, o país não dispunha até então
de nenhum programa nacional de monitoramento de poluentes.
Visando preencher esta lacuna a
Diretoria de Licenciamento e Qualidade Ambiental do IBAMA, com apoio do CNPq,
criou o PROGRAMA MERCÚRIO - PROMER, Programa Nacional de Controle e
Monitoramento de Mercúrio na Amazônia e no Pantanal, com a assessoria de 90%
dos especialistas brasileiros em mercúrio. O PROMER foi lançado oficialmente,
pelo IBAMA, no dia 31 de agosto de 2001. A coordenação técnica do Programa
ficou com a UNICAMP e a UFRJ, sob a coordenação institucional e administrativa
do IBAMA.
O mercúrio é, sem dúvida, um dos
mais tóxicos dentre os metais e encontra-se disseminado em rios e solos da
Amazônia, em grande parte devido à sua utilização na recuperação do ouro em
garimpos, de forma indiscriminada e sem qualquer controle. Publicações
recentes, no entanto, comprovam também a presença natural do mercúrio em
algumas regiões, sem histórico de atividade garimpeira, como é o caso do Rio
Negro.
Estima-se em 100 a 130 t/ano o
montante de Hg (mercúrio) introduzido na Amazônia nos últimos anos pela
atividade garimpeira, sendo 40% lançado diretamente nos rios e 60% disperso na
atmosfera e transportado a longas distâncias.
Além do garimpo, atualmente são
apontadas outras duas fontes de contaminação por mercúrio na Amazônia, a queima
da biomassa florestal e degradação dos solos lateríticos; nestes dois casos, a
acumulação do mercúrio seria devida a processos naturais de concentração desse
elemento. As condições dos rios da Amazônia (baixo pH da água, alta
concentração de matéria orgânica dissolvida e baixo teor de material
particulado) favorecendo a metilação do mercúrio, sugerem um cenário de
contaminação contínua e crescente.
Os resultados de pesquisas na
Amazônia apontam para níveis preocupantes de mercúrio nos peixes piscívoros,
superando em média os limites máximos permitidos para consumo humano
estabelecidos pela OMS. Como consequência deste resultado é também elevada a concentração
de Hg em amostras de cabelo da população ribeirinha da Amazônia em cuja dieta o
consumo do peixe é predominante.
O PROMER pretende montar uma Rede
Nacional e Permanente de Monitoramento dos níveis do mercúrio na Amazônia Legal
e no Pantanal, em várias matrizes, que permita elucidar o ciclo biogeoquímico
do mercúrio nestes biomas, identificando fontes de emissão regional e global,
transporte, ciclagem e acúmulo na cadeia trófica, de tal modo que se tenha um
diagnóstico preciso sobre o ciclo e, por conseguinte, a ecotoxicologia do
mercúrio.
A principal componente e a célula
unitária deste programa são as Unidades Geradoras de Dados de Monitoramento ou
simplesmente os Laboratórios Locais (LL), que compõem a Rede de Monitoramento,
localizados na Amazônia e no Pantanal que já dispõem de um histórico de atuação
na determinação de mercúrio.
Foram identificados e visitados 7
LL a fim de verificar in loco quanto a disponibilidade e adequação dos
equipamentos, a existência de um técnico exclusivo, as metodologias analíticas
disponíveis para as diversas matrizes a serem monitoradas.
A próxima etapa é estabelecer o
protocolo de amostragem, de análise e interpretação dos resultados e promover a
capacitação dos técnicos no Controle de Qualidade Analítica, coordenando
exercícios de intercalibração, de forma que todos os laboratórios da rede
estejam aptos a iniciar os trabalhos de monitoramento.
A avaliação consolidada das
concentrações nas diferentes matrizes das principais bacias da Amazônia e do
Pantanal; a elaboração de um banco de dados disponível para a população,
pesquisadores e governo; e subsídios para ações de gestão governamental são os
resultados esperados do PROMER. Além de permitir a capacitação e a consolidação
da qualidade analítica dos laboratórios da região e de beneficiar as populações
ribeirinhas, que terão o apoio de especialistas da saúde e do meio ambiente na
busca de soluções aos seus problemas de saúde causados pela contaminação de sua
principal fonte de alimento: os peixes.
Fonte: Donizetti Aurélio do Carmo
Comentários
Postar um comentário