Os princípios ecológicos das práticas agroecológicas
Pode-se dizer que as práticas
agrícolas modernas evoluíram em resposta a estímulos econômicos provenientes
das vantagens da monocultura em termos da organização e da produtividade do
trabalho agrícola e da perspectiva de ganho com a especialização na produção do
produto mais rentável. Tecnicamente isso foi possível por meio da introdução de
procedimentos químico mecânicos que se revelaram eles próprios degradantes da
base produtiva.
É preciso ter claro que a
monocultura contraria uma regra básica na natureza, segundo a qual diversidade
é sinônimo de estabilidade. Quanto mais simplificado for um determinado
ecossistema, maior a necessidade de fontes exógenas de energia e matéria para
manter o equilíbrio. A monocultura provoca um profundo desequilíbrio, tanto do
ponto de vista da cobertura vegetal (infestações de pragas) como daquele das
atividades física, química e biológica do solo.
Os fatores desestabilizadores
ganham força e obrigam o agricultor a recorrer a técnicas intensivas em energia
para manter as condições favoráveis ao desenvolvimento dos vegetais.
Entretanto, essas soluções técnicas não buscam eliminar as causas do
desequilíbrio, mas apenas contornar seus efeitos sobre os rendimentos. A
eficácia inicial dessas técnicas e procedimentos tornou a grande maioria dos
especialistas extremamente otimista.
A experiência mostrou,
entretanto, que não havia razão para esse otimismo.
Na França, por exemplo, devido à
baixa geral da taxa de matéria orgânica, a estrutura física dos solos tornou-se
cada vez mais suscetivel à ação de fatores climáticos, bem como à passagem de
máquinas e equipamentos pesados – cujo uso, por sua vez, se fez necessário para
descompactar solos mais suscetíveis à compactação devido ao baixo teor de
matéria orgânica!
Em outras palavras, a degradação
da estrutura física do solo provoca uma contradição permanente no nível das
intervenções que visam modificar favoravelmente as condições de abastecimento
de água e nutrientes para as plantas: quanto mais o solo se degrada, menos se
pode contar com fatores naturais (serviços ecossistêmicos) para se obter as
condições necessárias para o cultivo, as quais têm que ser obtidas por meio de
intervenções químico mecânicas que também contribuem para a degradação. No
entanto, é preciso ter claro que essas inovações não resolvem a contradição, na
medida em que se destinam a contornar os efeitos da degradação do meio sobre a
produtividade, sem tocar nas causas dos problemas.
É preciso enfrentá-los com a
adoção de práticas agrícolas que manejem a natureza e não lutem contra ela! Um
ecossistema agrícola implica forçosamente a simplificação do ecossistema
original. Por essa razão é necessário que o agricultor intervenha
permanentemente para mantê-lo estável. Contudo, essa intervenção deve ser feita
de acordo com as próprias leis da natureza.
A simplificação extrema pode ser
evitada através da rotação de culturas.
Essa prática é um notável meio de
manutenção da estabilidade do ecossistema agrícola. Além de reduzir
drasticamente o risco de infestação de pragas na cobertura vegetal, as rotações
contribuem eficazmente para a manutenção de uma boa estrutura física do solo. A
agroecologia busca precisamente isto: a partir da experiência milenar das
agriculturas camponesas bem sucedidas, desenvolver cientificamente práticas
agropecuárias que manejem a natureza de modo a obter serviços ecossistêmicos
úteis à produção.
Políticas
agro ambientais
Em decorrência do exposto nas
seções anteriores, a pesquisa científica em agroecossistemas sustentáveis deve
ser parte fundamental de uma política agroambiental para a agricultura. No
Brasil já há mais de 20 anos se começou a pesquisa com práticas agrícolas menos
impactantes. Um dos mais notáveis resultados desse trabalho é a expansão do
sistema de plantio direto, que já ultrapassou a marca dos 10 milhões de
hectares. Trata-se de um sistema de cultivo em que o agricultor cria as
condições, garantindo o teor de matéria orgânica necessário e protegendo o solo
do sol e da chuva, medidas necessárias para que as atividades da microvida do
solo resultem uma estrutura física adequada ao plantio. Representa um
reconhecimento de como o manejo inteligente das forças da própria natureza
permite obter serviços ecossistêmicos de conservação de solo e manter uma
produtividade elevada. Outro exemplo notável, mais antigo e de imenso sucesso é
aquele do uso em larga escala da fixação de nitrogênio atmosférico através de
inoculantes que potencializam esse processo natural que ocorre com plantas leguminosas
como a soja. Ainda, o controle biológico de pragas na soja, com o uso de vírus
que ataca seu principal inseto predador. São técnicas que usam processos
naturais, serviços ecossistêmicos, mas que ainda são aplicadas principalmente
em monoculturas.
Atualmente os órgãos de pesquisa
no Brasil vêm ampliando o esforço de pesquisa em agroecossistemas sustentáveis.
Por exemplo, a EMBRAPA já há alguns anos criou um centro de pesquisa em
agrobiologia, além de manter outro centro de pesquisa em agricultura e meio
ambiente16. São centros de referência, mas todos os demais centros de pesquisa
da EMBRAPA também têm essa preocupação com a sustentabilidade das práticas
agrícolas. Recentemente foi lançado um “pacote” tecnológico de integração
pecuária-agricultura.
São duas atividades que possuem
fortes complementaridades ecológicas, de modo que sua integração aumenta a
produção por hectare de modo sustentável.
Trata-se de um passo importante
para viabilizar a efetiva adoção de práticas agroecológicas.
Juntamente com a política
científica e tecnológica é fundamental que as externalidades negativas das
práticas convencionais sejam mensuradas e taxadas de algum modo.
Simultaneamente, as externalidades positivas – serviços ecossistêmicos, geradas
pelos agricultores, devem ser consideradas.
Assim, o custo de adoção de
determinadas práticas sustentáveis (custo de oportunidade) representa o valor
de um serviço de conservação ambiental oferecido pelo agricultor. Com esse
serviço de conservação ambiental o agricultor garante que a natureza
(agroecossistema) produza serviços ecossistêmicos como os mencionados
(alimentos saudáveis, quantidade e qualidade da água, biodiversidade). As
certificações mais conhecidas de produtos alimentares, como da agricultura
orgânica ou biodinâmica, começaram enfatizando o caráter saudável dos alimentos
produzidos, mas hoje as certificações tendem a incluir também outros serviços
ecossistêmicos, decorrentes da preservação e manejo de uma determinada paisagem
agrícola, como a biodiversidade e a água em especial.
É preciso levar em conta também
que muitos dos serviços ecossistêmicos produzidos com a adoção de práticas
agroecológicas também beneficiam o próprio agricultor. Neste caso pode-se falar
de tecnologias ganha-ganha (winwin technologies), que produzem externalidades
ambientais positivas e ao mesmo tempo são rentáveis para os produtores. Esse é
o caso dos alimentos saudáveis quando o mercado reconhece seu valor pagando o
preço necessário para rentabilizar a produção. No caso da água, um solo
protegido e com o teor adequado de matéria orgânica aumenta a resistência das
culturas ao estresse hídrico, poupando, portanto, gastos com irrigação
suplementar ou prejuízos com quebras de safras. Os gastos com controle de
pragas também são menores, uma vez que há um maior equilíbrio ecossistêmico. A
maior biodiversidade também aumenta a produtividade ao garantir uma melhor polinização
das culturas.
Há, portanto, que se fazer um
balanço para se chegar ao custo de oportunidade real da adoção de práticas
agroecológicas e, desse modo, ter uma referência justa para o pagamento por
serviços ambientais que a sociedade como um todo deveria fazer aos
agricultores.
Fonte: Ademar Ribeiro Romeiro
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