Dá para viver de energia limpa
Quem aperta o interruptor da luz
da sala quando chega em casa geralmente não faz ideia de como a energia foi
parar ali. Tudo que sabemos é que sem a eletricidade não haveria vida moderna.
Praticamente todos os itens que garantem conforto e sobrevivência hoje precisam
de energia elétrica para funcionar ou serem fabricados.
O modo como produzimos essa
energia, porém, está se tornando cada vez mais crucial. Isso porque a vasta
maioria da eletricidade gerada no mundo provém de combustíveis fósseis como o
carvão, o gás natural e o petróleo, que emitem grandes quantidades de CO2, o
poluente gás carbônico, conhecido por agravar o efeito estufa que está elevando
a temperatura do planeta.
De acordo com a Agência
Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), quase 70% da eletricidade
produzida no mundo provém da queima de combustíveis fósseis, enquanto menos de
20% advém de fontes renováveis, como hidrelétricas, usinas solares e parques
eólicos. É muito pouco.
Vale ressaltar que essa conta
leva em consideração o uso da energia só para geração de eletricidade, e não a
energia gerada por combustíveis, como a gasolina e o diesel, ou a combustão da
lenha. Se esses fossem considerados, o cenário ficaria ainda pior.
Tamanho é
documento
Em termos de tamanho e de capacidade
instalada, as usinas hidrelétricas são as maiores estruturas para a geração de
energia elétrica do planeta. A maior de todas, a usina de Três Gargantas, na
China, supera em quatro vezes a maior termelétrica já construída. Sendo assim,
por que a hidreletricidade responde por apenas 16% da produção mundial? “Nem
sempre maior quer dizer melhor”, afirma Ennio Peres da Silva, pesquisador do
Instituto de Física Gleb Wataghin e professor da Unicamp. “Enquanto as
hidrelétricas precisam ser erguidas diretamente num rio propício, de forma a
aproveitar todo o seu potencial, as termelétricas podem ser implantadas em
praticamente qualquer lugar. Desse modo, o melhor é construir unidades menores
mais próximas das áreas onde há demanda, perto do mercado consumidor.”
Mas se a grandiosidade das
hidrelétricas não oferece garantia de sustentabilidade – muito pelo contrário,
dados os impactos das inundações dos reservatórios e do barramento do rio –,
também não se pode afirmar que a capacidade reduzida das usinas solares e
eólicas significa irrelevância. “Essas são as chamadas fontes distribuídas,
disponíveis em quase todo o planeta, e não concentradas numa área, como uma
jazida de petróleo, por exemplo”, explica Ennio Silva. “Em compensação, a
intensidade da energia produzida é mais fraca e intermitente, porque não venta
nem faz sol regularmente o tempo todo.” Não é possível suprir boa parte da
demanda mundial de eletricidade usando apenas sol ou vento. Mas um número
relevante de pequenas usinas pode ser construído.
Quem leva a sério a opção pelas
energias renováveis são os países europeus. Na Alemanha existe um programa que
permite aos cidadãos equipar suas casas com painéis fotovoltaicos praticamente
a custo zero. O valor da instalação e dos equipamentos é pago com o excedente
de energia gerado na casa. Desde que haja sol, é claro.
Já no Brasil, quem quer instalar
placas solares para gerar eletricidade em casa vai ter de pagar pelo menos R$
15 mil. Mesmo assim, as perspectivas são positivas para essa modalidade de energia,
dado que há muito mais sol no Brasil do que na Alemanha.
“Há um conceito chave, o de curva
de aprendizagem”, explica o professor Sergio Pacca, do programa de
pós-graduação em sustentabilidade da USP. “Quanto maior a capacidade de geração
elétrica, mais barata a tecnologia se torna. Estamos investindo em energia
solar há apenas 40 anos, enquanto a tecnologia do carvão é centenária.
Portanto, há espaço ainda para a energia solar ser aprimorada e barateada.”
Discurso
afinado
Para salvar o mundo da poluição,
cientistas, governos e ambientalistas terão de chegar a um consenso. Isso
porque nem todos concordam com a definição do termo “energia renovável”. A
própria IEA admite, em seu último relatório, que há países que consideram
grandes hidrelétricas, usinas geotérmicas e usinas baseadas em lixo industrial
como geração renovável, enquanto outras nações discordam.
“O termo renovável se refere às
fontes que não vão se esgotar na natureza. Já o petróleo, o carvão e o urânio,
usado na energia nuclear, existem em quantidade limitada no planeta. É como ter
uma dada quantia numa conta no banco e só retirar dinheiro, sem nunca repor. Um
dia a conta vai estar zerada”, afirma Pacca.
Mas desacordo não implica
paralisia. O relatório Investing in Climate for Change (Investindo no Clima
para a Mudança, em tradução livre), do Programa da ONU para o Meio Ambiente,
avaliou a atual onda de investimentos em energia renovável entre 2004 e 2010,
gerados pela necessidade de diminuir a queima de energias fósseis e o impacto
da poluição do gás carbônico no aquecimento do planeta. Nos países
desenvolvidos, o valor já passou de US$ 15 bilhões para US$ 70 bilhões. Nos
países em desenvolvimento o cenário é ainda mais positivo: passamos de US$ 4
bilhões, em 2004, para US$ 72 bilhões, em 2010, superando o valor investido
pelos países ricos.
“Se olharmos do ponto de vista
técnico, já existe conhecimento suficiente para abastecer toda a humanidade com
energia renovável”, diz Pacca. Mas o caminho não é simples. “Foram feitos
investimentos nas fontes poluentes, e dificilmente esses países voltarão atrás.
A própria China construiu muitas termelétricas recentemente; ela não vai
simplesmente destruir essas usinas. Mas podemos pensar que as termelétricas têm
uma vida útil limitada”, completa.
O mundo está longe de equacionar
sua dependência de energia elétrica, que aumenta sem parar. Mas, se os governos
continuarem a aumentar os investimentos em recursos menos poluentes, como a
energia dos rios, do sol, do vento e da biomassa, a era do carvão, do óleo e da
fumaça pode, eventualmente, chegar ao fim.
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