Código Florestal e a busca da perfeição


Chega-se ao fim de um longo processo de discussão e votação democrática, que durou mais de uma década e que, sem dúvida, faz da nossa lei florestal a mais debatida de nossos estatutos legais. Os temas foram objeto de amplo e transparente contraditório, refletido em larga escala pelos meios de comunicação.
É hora de darmos por findo esse debate e nos prepararmos para por em prática a nova lei. A busca interminável pela perfeição em matéria de questões humanas é a maior inimiga dos bons resultados.
Há, no entanto, quem ainda sugira novos vetos e novas rodadas de discussões e conflitos parlamentares, como se quase 15 anos não fossem ainda o bastante. Como se as indiscutíveis maiorias manifestadas nas casas legislativas representassem menos a vontade da sociedade do que a de algumas minorias organizadas de ativistas.
A democracia somente funciona quando a vontade da maioria é devidamente respeitada. Em caso contrário, não há estabilidade nem segurança jurídica. É disso que se trata agora.
Tenta-se, insistentemente, propagar a versão que o texto final da medida provisória e até mesmo o próprio Código, sancionado pelo Poder Executivo, é uma vitória dos produtores rurais. Nada pode estar mais longe da verdade.
A lei que temos agora é a mais rigorosa e restritiva legislação existente no mundo, sob o ponto de vista da utilização da terra para a produção agrícola, sem falar nas restrições severíssimas ao aproveitamento dos recursos naturais em geral.
Em nenhum país do mundo, os proprietários rurais têm a obrigação de deixar sem uso de 20% a 80% de suas terras. Em nenhum país relevante, como os Estados Unidos, a China e mesmo a União Europeia, os produtores têm de manter preservada a vegetação nativa ao longo das margens dos seus rios.
O Mississipi, o Colorado, o Reno, o Danúbio, o rio Amarelo, ou qualquer grande corrente fluvial no mundo têm suas margens ocupadas economicamente sem restrição e servem, também, irrestritamente como vias navegáveis e fontes de energia.
Tenta-se no momento criar um falso impasse: se além dos 15 metros que serão obrigatoriamente reflorestados, às margens dos rios com até dez metros de largura, devemos recompor cinco metros adicionais.
Cálculos que realizamos na CNA indicam que esses cinco metros a mais representam, em números médios, em torno de 1,8 milhão de hectares, o que elevará a cobertura vegetal do Brasil dos atuais 517 milhões de hectares para 518,8 milhões de hectares.
Esse aumento de apenas 0,3% da área preservada poderá custar cerca de R$ 10 bilhões, a serem pagos em mudas e insumos por mais de 200 mil médios produtores. E outros R$ 6 bilhões serão perdidos em produção agrícola, a cada ano.
Vetos no Código Florestal
A presidente Dilma Rousseff vetou (Outubro 2012) nove alterações aprovadas pelo Congresso na MP do Código Florestal. O jornalismo “isento” anda a escrever que as alterações foram feitas e aprovadas pelos “ruralistas”. Bem, a bancada dita “ruralista” não é maioria no Parlamento brasileiro que se saiba… É evidente que a proposta teve o apoio de setores mais amplos. Mas esse é mais um caso em que “ser progressista” é considerado superior a falar a verdade.
O veto mais importante de Dilma é o que diz respeito às APPs (Áreas de Proteção Permanentes) às margens dos rios. Contra os fatos, noticia-se uma grande derrota dos “ruralistas”. Jornalistas, vocês sabem, gostam e desgostam disso e daquilo. De kit gay, por exemplo, eles gostam; de “ruralistas”, eles desgostam.
Houve, para usar uma expressão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), uma “derrota de Pirro”. Ainda que os vetos de Dilma não sejam bons para a produção do país, o fato é que o texto, com vetos e tudo, é muito melhor do que o Código ainda em vigência e está muito distante do delírio de certos sociopatas do ambientalismo, que amam floresta, mas detestam comida na mesa de pobre.
Lembro algumas questões:
 1) As APPs passam a contar no cômputo da Reserva Legal — de 85%, 35% o 20% a depender da região. Antes, havia exigências específicas para cada tipo de área de preservação, e uma propriedade podia ser simplesmente inviabilizada quando se somavam essas exigências;
 2) As propriedades até quatro módulos, com desmatamento anterior a 2008, estão livres de obrigações ambientais retroativas;
 3) As multas podem ser convertidas em serviço ambiental; afinal, o Ministério do Meio Ambiente não é um setor do Fisco, né?
 4) As APPs às margens de rios variavam de 30 a 500 metros; agora, mesmo com os vetos de Dilma, passam a ser de 5 a 100 metros;
 5) Não havia direito adquirido para questão ambiental, e isso mudou. Reservas legais criadas em áreas dedicadas à agricultura havia décadas eram obrigadas a se sujeitar a novas leis, num espetáculo grotesco de lei aplicada retroativamente.
Há outras conquistas. Ainda voltarei a elas numa outra ocasião.
Os vetos
 Derrota para o setor produtivo rural? Fala Kátia Abreu: “É uma derrota de Pirro”, ironiza. “Mais uma derrota como essa, e eu sou a mulher mais feliz do mundo! A presidente Dilma usou o direito democrático do veto, e eu espero que o presidente do Congresso use a democracia para que ele seja apreciado. Agora é direito do Congresso aprová-lo ou derrubá-lo”.
O que a senadora está dizendo é que, com efeito, o veto não é bom, mas que, mesmo com ele, o novo Código representa um avanço importante para a preservação do meio ambiente e para o setor produtivo.
O ecologismo do miolo mole está certo quando diz que não tem o que comemorar.
 
Fonte: Reinaldo Azevedo

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