A importância do reuso de água doce
A demanda crescente por água tem
feito do reuso planejado de água um tema atual e de grande importância
principalmente para governos e governantes que se preocupam com a política
nacional de recursos hídricos.
Ao longo dos últimos cinquenta
anos, com o crescimento acelerado das populações e do desenvolvimento
industrial e tecnológico, as poucas fontes disponíveis de água doce do planeta
estão comprometidas ou correndo risco.
Mundialmente, segundo hidrólogos
e demógrafos, o consumo humano de água doce duplica a cada 25 anos. Embora o
colapso do abastecimento seja uma realidade em muitos lugares, sobretudo em
bairros da periferia de centros urbanos densamente povoados, ainda assim
vive-se a ilusão de que a água é um recurso infinito.
Contudo, as implicações práticas
da realidade que acaba de ser descrita de forma bem resumida tem sido
determinantes para despertar, no cenário internacional, a defesa do reuso de
água doce.
Reuso é o processo de utilização
da água por mais de uma vez, tratada ou não, para o mesmo ou outro fim. Essa
reutilização pode ser direta ou indireta, decorrentes de ações planejadas ou
não.
A água de reuso tratada é
produzida dentro das Estações de Tratamento de Esgoto e pode ser utilizada para
inúmeros fins, como geração de energia, refrigeração de equipamentos, em
diversos processos industriais, em prefeituras e entidades que usam a água para
lavagem de ruas e pátios, no setor hoteleiro, irrigação/rega de áreas verdes,
desobstrução de rede de esgotos e águas pluviais e lavagem de veículos.
A grande vantagem da utilização
da água de reuso é a de preservar água potável exclusivamente para atendimento
de necessidades que exigem a sua potabilidade, como para o abastecimento
humano.
A demanda crescente por água tem
feito do reuso planejado de água um tema atual e de grande importância.
Nesse sentido, deve-se considerar
o reuso de água como parte de uma atividade mais abrangente de gestão integrada
que é o uso racional ou eficiente da água, o qual compreende também o controle
de perdas e desperdícios, e a minimização da produção de efluentes e do consumo
de água.
Dentro dessa ótica, os esgotos
tratados têm um papel fundamental no planejamento e na gestão sustentável dos
recursos hídricos como um substituto para o uso de águas destinadas a fins
agrícolas e de irrigação, entre outros.
Ao liberar as fontes de água de
boa qualidade para abastecimento público e outros usos prioritários, o uso de
esgotos contribui para a conservação dos recursos e acrescenta uma dimensão
econômica ao planejamento dos recursos hídricos.
A escassez de água como
matéria-prima em processos produtivos e as crescentes exigências em relação à
quantidade e qualidade dos efluentes, visando preservar o meio ambiente, vêm
aumentando significativamente os custos, tanto no seu suprimento como no seu
descarte.
A tecnologia do reuso/reciclo
acoplada com a regeneração da água surge como um esforço de engenharia
ambiental, buscando uma solução para a utilização mínima de água em um processo
produtivo e a máxima proteção ambiental como o menor custo possível.
Somando-se a este cenário, com o
início da cobrança pela captação e liberação de efluentes nas bacias
hidrográficas a partir deste ano, estão sendo introduzidas novas prioridades
nos planejamentos estratégicos de grandes indústrias.
Por exemplo, em várias refinarias
e petroquímicas a ordem é investir para reduzir o consumo de água, melhorar o
tratamento e até transformar o efluente em água de reuso.
Projetos estão sendo
desenvolvidos para implantar estações de tratamento para conversão de fluentes
em águas de reuso e esgoto municipal em água industrial.
Será que atingiremos o nível de
algumas indústrias americanas e européias que já trabalham com emissão
praticamente zero de efluentes?
Além de ser uma medida eficaz
para resolver a questão do abastecimento, o reuso proporciona um ganho
econômico, com a redução na captação e no lançamento de efluentes.
Além disso, com a indústria
administrando melhor seus recursos hídricos, sobra mais água para abastecer a
população.
Vale lembrar que, por economia de
escala e dificuldade de abastecimento, o fornecimento à indústria é menos
lucrativo para os fornecedores de água.
Por este motivo, por exemplo, em
SP, a Sabesp desenvolveu o projeto de venda de água de reuso mais barata para a
indústria objetivando tornar disponível água de boa qualidade para o consumo
doméstico.
É necessário também que as
prefeituras controlem as perdas de água e pratiquem o reuso de fluentes
tratados, contribuindo para reduzir os próprios custos e a demanda de água
utilizada nos serviços urbanos.
É, no mínimo, um desperdício usar
água potável, com cloro e flúor, para irrigar parques, jardins e lavar ruas e
calçadas.
A presença de organismos
patogênicos e de compostos orgânicos sintéticos na grande maioria dos efluentes
para reuso, principalmente naqueles oriundos de estações de tratamento de
esgotos de grandes conurbações com pólos industriais expressivos, classifica o
reuso potável como uma alternativa associada a riscos muito elevados,
tornando-o praticamente inaceitável.
Além disso, os custos dos
sistemas de tratamento avançados que seriam necessários, levariam à
inviabilidade econômico-financeira do abastecimento público, não havendo,
ainda, face às considerações anteriormente efetuadas, garantia de proteção
adequada da saúde pública dos consumidores.
Face às grandes vazões envolvidas
(chegando até 80% do uso da água, em algumas regiões e países), especial
atenção deve ser dada ao reuso para fins agrícolas.
Atualmente, a agricultura depende
de suprimento de água a um nível tal que a sustentabilidade da produção de
alimentos não poderá ser mantida, sem o desenvolvimento de novas fontes de
suprimento e a gestão adequada dos recursos hídricos convencionais.
Esta condição crítica é
fundamentada no fato de que o aumento da produção, não pode mais ser efetuada
através da mera expansão de terra cultivada.
Com poucas exceções, tais como
áreas significativas do nordeste brasileiro, que vem sendo recuperadas para uso
agrícola, a terra arável, a nível mundial, se aproxima muito rapidamente de
seus limites de expansão.
A taxa global de expansão de
terra arável diminuiu de 0,4% durante a década 1970-1979 para 0,2%, durante o
período 1980-1987. Nos países em vias de desenvolvimento e em estágios de
industrialização acelerada, a taxa de crescimento também caiu de 0,7% para 0,4%.
Durante as duas últimas décadas,
o uso de esgotos tratados para irrigação de culturas aumentou
significativamente devido aos seguintes fatores:
a) dificuldade crescente de
identificar fontes alternativas de águas para irrigação;
b) custo elevado de
fertilizantes;
c) a segurança de que os riscos
de saúde pública e impactos sobre o solo são mínimos, se as precauções
adequadas são efetivamente tomadas;
d) os custos elevados dos
sistemas de tratamento, necessários para descarga de efluentes em corpos
receptores;
e) a aceitação sociocultural da
prática do reuso agrícola;
f) reconhecimento pelos órgão
gestores de recursos hídricos do valor intrínseco da prática de reuso.
Em relação aos setores públicos
estaduais, municipais e federal, embora ocorram manifestações de reuso agrícola
não planejado ou inconsciente em diversas regiões brasileiras, inclusive em
algumas regiões metropolitanas, a prática do reuso de água associada ao setor
público ainda é extremamente incipiente.
Por exemplo, em alguns estados do
nordeste, alguns projetos foram implantados no Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco visando a irrigação do capim elefante com efluentes domésticos, sem
nenhum tratamento e sem nenhuma forma de proteção à saúde pública dos grupos
envolvidos.
Concluindo, reuso e conservação
da água doce se constitui hoje em palavras-chaves da gestão de recursos
hídricos no Brasil, país onde 86% da população vive em aglomerações urbanas.
Contudo, a prática de reuso de
água espera ser institucionalizada e integrada aos planos de proteção e
desenvolvimento de bacias hidrográficas.
Nenhuma forma de ordenamento
institucional-legal, ou mesmo, regulatório, orienta as atividades de reuso
praticadas no território nacional.
Ao mesmo tempo, os projetos
existentes:
a) são desvinculados de programas
de controle de poluição e de usos integrados de recursos hídricos nas bacias
hidrográficas onde estão sendo implementados;
b) não empregam tecnologia
adequada para os tipos específicos de reuso implementados;
c) não incluem as salvaguardas
necessárias para preservação ambiental e proteção da saúde pública dos grupos
envolvidos;
d) não são formulados com base em
análises e avaliações econômico-financeiras;
e) não possuem estruturas
adequadas de recuperação de custos. Uma política nacional de reuso de águas
tratadas contribuiria, sem dúvida, para evitar a contaminação das águas
superficiais, reduzir a poluição, a contaminação ambiental e as doenças por
veiculação hídrica (que corresponde a 65% das internações hospitalares no
Brasil), e contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população rural e
urbana brasileira.
Fonte: www.jornaldaciencia.org.br
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