A RELAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E A PANDEMIA DE CORONAVÍRUS
O mundo parou. Os humanos estão
recolhidos e amedrontados. A economia preocupa e há quem diga que o “day after”
será mais difícil que o dia de hoje. Digladiam-se, ao invés de convergir, os
que defendem a proteção da vida (isolamento social, redução de atividades) e os
que defendem a proteção da economia (continuidade das atividades econômicas,
proteção do emprego e da renda, proteção do trabalhador informal). Os
cientistas buscam a origem da epidemia, vacinas que evitem e remédios que curem
a doença: uma febre, mal estar, tosse seca que pode evoluir para uma séria
pneumonia, bloqueio dos pulmões e morte por insuficiência respiratória. A
doença é transmitida por contato pessoal, de pessoa a pessoa; e a rapidez com
que se espalhou pelo planeta, país a país, e com que contaminou em poucos dias
boa parte da população, surpreende.
Qual a relação da Covid-19 com o meio ambiente? Não tenho em mãos estudos
científicos, trabalhos acadêmicos ou o necessário distanciamento, no tempo e no
espaço, para um artigo de maior profundidade; mas não custa tentar entender
algo do que aconteceu e do que pode acontecer a partir das entrevistas, das
publicações e da incessante atividade de estudiosos e jornalistas conscientes.
Este artigo não tem pretensão científica; é apenas uma colocação inicial do
tema, uma reflexão nestes tempos pandêmicos.
A Covid-19 é
causada por um vírus: os únicos organismos acelulares da Terra, seres muito
simples e pequenos formados por uma cápsula proteica envolvendo o material
genético. O nome vem do latim “vírus” (fluído venenoso ou toxina) e designa os
vírus biológicos e, metaforicamente, qualquer coisa que se reproduza de forma
parasitária. Não são células: o vírus é uma partícula sem metabolismo próprio
que, para executar seu ciclo de vida, busca um ambiente que tenha o que lhe
falta. Esse ambiente é o interior de uma célula que efetuará a síntese da
proteína do vírus e, simultaneamente, fará a multiplicação do material genético
viral; por isso são parasitas obrigatórios do interior celular, pois se reproduzem
pela invasão e controle da máquina de reprodução celular. O vírus muitas vezes
adere à parede da célula e “injeta” o seu material genético como uma seringa,
ou então entra por englobamento em que a célula “engole” o vírus e o introduz
no seu interior. A reprodução ocorre de duas maneiras: o vírus invade e assume
o controle da célula, produz novos vírus, a célula se rompe e libera os vírus
produzidos, que invadirão outras células (ciclo lítico); ou então, após a
invasão o DNA viral incorpora-se ao DNA da célula infectada que continua suas
operações normais; o material genético do vírus é duplicado nas células-filhas
a cada mitose, causando doenças que tendem a ser incuráveis, como a AIDS (ciclo
lisogênico).
Os coronavírus são um grupo de
vírus conhecido dos humanos desde a década de 1960, causa comum de infecções
respiratórias brandas a graves de curta duração; nesse grupo estão os vírus
SARSr-CoV, que causa a síndrome respiratória aguda grave (SARS), que apareceu
em 2002 na China e se espalhou rapidamente para mais de doze países na América
do Norte, América do Sul, Europa e Ásia, infectando mais de 8.000 pessoas com
aproximadamente oitocentas mortes, e SARS-Cov-2, que causa a Covid-19,
a atual pandemia que até 26 março de 2020 atingiu pelo menos 510.000 pessoas em
mais de 200 países e territórios, com grande surto na China continental,
Itália, Estados Unidos, Espanha e Alemanha, com aproximadamente 15.000 mortes.
Transmite-se de pessoa a pessoa com enorme rapidez, mas não é um vírus
resistente: cede à água e sabão, medida comuns de higiene, e não sobrevive
muito tempo se não for absorvido por outra pessoa.
MORCEGO E PANGOLIM
A hipótese mais provável é ter
origem em morcegos (que não adoecem
dele, por causa de seu especial metabolismo), daí passou para o pangolim (uma espécie africana, que
lembra o nosso tatu, procurado na China pelo sabor da carne e por ditas
propriedades medicinais) (fala-se nele, pois os estudos indicam que a Covid-19 é 99% igual ao vírus do pangolim, porcentagem esta
ainda não oficial), e dele para os humanos. Essa tripla passagem é rara, pois o
curto espaço de vida do vírus exige que os três animais: o morcego, o pangolim
e o humano, estejam juntos no mesmo tempo e lugar. Aí entra o mercado de Wuhan,
onde animais vivos, domésticos e selvagens de todo o mundo, ficam empilhados em
engradados, um em cima do outro, de modo que os debaixo recebem os resíduos dos
que estão em cima (fezes, urina, sangue, pus, seja o que for) e assim se
contaminam, se algum acima carregar o vírus; e ali são comprados e consumidos
por humanos. O período em que o humano é assintomático e a facilidade da
transmissão explica a rápida expansão da epidemia.
MORCEGOS E A COVID-19: VILÕES OU VÍTIMAS
Zoólogos e infectologistas
indicam que mudanças no comportamento humano, destruição de habitats naturais
somados ao rápido movimento de pessoas no planeta, facilitou a transmissão de
doenças antes circunscritas à natureza distante. Morcegos são os únicos
mamíferos que voam, por isso as colônias se movimentam por uma grande área. Os
vírus que neles se desenvolvem aprendem a suportar a elevação da temperatura
corporal durante o voo, e por consequência acabam resistindo à febre humana (um
meio de defesa), quando nos atacam. Segundo Andrew Cunningham, Professor de
Epidemiologia Selvagem na Sociedade Zoológica de Londres, a transferência
inter-espécies decorre da atividade humana: quando o morcego está assustado ou
estressado por ser caçado, ou porque seu habitat está sendo destruído pelo
desflorestamento, seu sistema imunológico enfraquece e tem dificuldade de
controlar tais patógenos; a infecção aumenta e é excretada ou expelida. O “stress”
porque passam os animais selvagens nos mercados de animais vivos como em Wuhan
leva à excreção mais acentuada dos animais contaminados, que atinge animais
também engaiolados, nervoso e estressados, com menor resistência. Kate Jones,
Professora de Ecologia e Biodiversidade no University College London lembra o
aumento exponencial do transporte de animais e que a destruição de seus
habitats em troca de paisagens mais “humanas” causa o contato entre animais de
uma maneira anormal, que nunca aconteceu antes, ainda mais quando empilhados em
gaiolas em mercados desse tipo. Interações que se continham no local onde
ocorreram agora se espalham por grandes áreas.
O Instituto de Virologia de
Wuhan, na China, tem cepas de vírus encontrados em morcegos; mas nega que elas
sejam do micro-organismo que causa a Covid-19.
“Agora temos três cepas de vírus.
Uma delas tem uma similaridade de 96% com o Sars. Mas a maior similaridade
genética delas com o vírus que está se espalhando pelo mundo é de apenas
79,8%", disse a diretora do laboratório, Wang Yanyi, ao canal estatal
chinês CGTN. "Sabemos que o genoma inteiro do Sars-Cov-2 é apenas 80%
similar ao do vírus Sars. É uma diferença óbvia."A ciência ainda está investigando
qual foi a origem exata da pandemia de Covid-19. Estudos já apontaram que o novo vírus
não foi uma criação humana: é mais provável que ele tenha evoluído
naturalmente.
Como morcegos já convivem com
tipos de coronavírus há muito tempo – há milhões de anos, segundo uma pesquisa
recente –, pesquisadores têm investigado se esses mamíferos estão por trás da
atual pandemia. No entanto, mesmo se essa hipótese for comprovada, exterminar
morcegos não é a resposta certa para proteger a saúde pública. Morcegos têm um
papel muito importante no funcionamento do ecossistema: eles realizam a
polinização de flores, ajudam a dispersar frutas e se alimentam de insetos
responsáveis pela transmissão de doenças aos seres humanos.
A conclusão dos dois cientistas é
a seguinte: primeiro, a culpa não é dos morcegos; segundo, a maneira com que
interagimos com as outras espécies leva à disseminação pandêmica do patógeno; e
o coronavírus talvez seja o primeiro sinal claro, incontestável, de que a
degradação ambiental pode matar os humanos com rapidez, e pode acontecer de
novo. A destruição dos habitats é a causa, de modo que a restauração deles é a
solução. Não é correto transformar uma floresta em agricultura sem entender o
impacto que causa no clima, na concentração de carbono, na deflagração de
doenças e de inundações; você não pode ver apenas a transformação da natureza
sem pensar no que ela causa nos humanos.
PAPEL DO PANGOLIM NA PANDEMIA DE COVID-19
AINDA PERMANECE MISTERIOSO
Ainda não há evidências concretas
de que eles tenham mesmo passado o novo coronavírus para humanos, mas sabe-se
que eles hospedam vírus parecidos.
Desde que a pandemia de Covid-19 começou, no ano passado, cientistas de todo o mundo
vêm tentando descobrir qual foi o animal que passou o vírus para os humanos.
Nesse meio tempo, um bicho ganhou as manchetes como possível candidato: o
pangolim, um pequeno mamífero asiático que também é o animal mais traficado do
mundo. Mas novas análises genéticas mostram que a fama negativa do bicho talvez
seja injusta.
O pangolim foi apontado como
possível hospedeiro intermediário do patógeno após cientistas chineses
anunciarem que encontraram 99% de semelhança entre os vírus encontrados em
pangolins e o SARS-CoV-2, causador da Covid-19.
Mas, depois que o estudo foi
publicado, ficou claro que houve uma falha de comunicação: essa porcentagem de
semelhança só se referia a uma parte do código genético do vírus – a sequência
responsável por codificar as proteínas “spike” da coroa viral, que é usada para
parasitar as células. O genoma inteiro do coronavírus animal tinha “somente”
90,3% de semelhança com o vírus humano. Parece muito, mas ainda é pouco para
afirmar que foi a origem da doença – espera-se uma semelhança superior a 99%
para cravar isso, segundo especialistas.
Outros estudos encontraram
valores de semelhança que variam entre 85.5% a 92,4% – novamente, muito pouco
para se afirmar que o pangolim é a origem da doença. Mas também não é o suficiente
para livrar os bichinhos. Em um novo estudo publicado na revista Nature, uma
equipe de cientistas analisou pangolins-malaios (Manis javanica) resgatados do
tráfico de animais em busca de coronavírus. E encontraram: havia diversos vírus
no bicho parecidos com o que está infectando humanos atualmente. Ou seja,
depois de culpado e inocentando, o pangolim voltou a ser um possível hospedeiro
intermediário. Mas ainda não há provas definitivas para cravar sua “culpa”.
Apesar de tudo, já se sabe que a
origem mesmo do vírus se deu em outro animal: os morcegos. Eles são conhecidos por
carregarem diversos vírus sem apresentar doenças, e também foram os hospedeiros
de outros dois coronavírus que já causaram problemas globais de saúde: o vírus
da SARS (Síndrome respiratória aguda grave), que surgiu na China em 2002 e
causou 800 mortes no mundo, e o da MERS (Síndrome respiratória do Oriente
Médio), que também causou mortes quando surgiu na Arábia Saudita em 2012. Foi
nos morcegos, inclusive, que se encontrou o coronavírus mais parecido com o
SARS-CoV-2: o número chegou a 96% de semelhança.
É possível, então, que o morcego
tenha passado o vírus diretamente para os humanos, mas essa teoria não é a mais
forte. Isso porque se sabe que, em geral, esses coronavírus precisam passar de
um morcego para um hospedeiro intermediário antes de adquirir a mutação
necessária para infectar humanos – é esse o bicho que ainda estamos procurando.
No caso da SARS, por exemplo, o responsável foi um mamífero chamado civeta
(cientistas encontraram coronavírus com semelhança de 99,8% em comparação com o
vírus que causava a doença em humanos). Já a MERS provavelmente chegou a nós
através de camelos.
CULPADOS E INOCENTES
Em janeiro 2020, um estudo havia
levantando a possibilidade de o novo coronavírus vir de cobras-asiáticas. Mas
pesquisadores de todo o mundo se mostraram céticos, especialmente porque a
semelhança não é tão grande assim e porque sabe-se que esses vírus costumam vir
para humanos através de mamíferos de sangue quente, bem mais parecidos conosco
do que répteis.
De qualquer forma, sendo ou não o
hospedeiro intermediário do novo coronavírus, sabe-se que o pangolim e o
morcego – assim como outros animais selvagens – possuem diversos vírus em seus
corpos. A maioria não infecta humanos – ainda. Mas basta uma mutação e o que
surge é uma nova pandemia, como estamos vendo atualmente.
Por isso muitos pesquisadores,
ativistas e lideranças de todo o mundo vem pedindo o fim do comércio de vida
selvagem (a China já baniu a prática recentemente, após pressão internacional
por conta da Covid-19,
mas outros países asiáticos ainda mantém esses mercados). Quanto menos contato
a humanidade tiver com os bichos, menos as chances de um vírus mortal emergir
entre nós. Uma triste realidade, onde sempre se quer achar culpados e não a
solução. Sem estudo que prove conexão direta com pandemia, animais têm sido
apontados como culpados por ela.
Para encerrar este artigo com uma
nota positiva, a desaceleração da economia trazida pela pandemia fez regredir
rapidamente a poluição do ar, a concentração de dióxido de carbono, a redução
do ruído e uma melhoria na qualidade de vida nas cidades. É uma demonstração de
que a mudança nos hábitos de consumo, a redução no uso de combustíveis fósseis
e uma nova dinâmica na produção de bens e serviços pode produzir resultados
duradouros e benéficos para a humanidade e, melhor ainda, para o planeta. Não
desanimemos.
Fonte: Consultor Juridico - Ricardo Cintra Torres de
Carvalho é desembargador do TJ-SP.
Fonte: Revista Galileu
Fonte: Super Interessante - Bruno Carbinatto
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