Você sabe o que é Sustentabilidade 4.0
Sustentabilidade 4.0 é alerta não
festa exponencial. Você tem ideia do que isso seja? Magda Maya, geógrafa, com
mestrado e doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade
Federal do Ceará (UFC), ela nos falou sobre um conceito que foi desenvolvendo
ao longo dos últimos anos e que já vem aplicando em palestras, aulas e com seus
clientes.
Para começar, Magda destaca um
exemplo: “hoje já é de conhecimento de quem está mais ligado nisso que, se não
tiver abelha no mundo, não tem vida, porque elas são responsáveis pela
polinização de 90% dos vegetais. Essa é uma realidade que as pessoas estão
começando a ver. Se você prestar atenção, cada um dos animais tem uma função
ecológica. Eles estão aqui por um motivo. Se você trouxer isso para o ser humano,
se perguntar qual é a função ecológica dele, fica com essa grande interrogação
na cabeça. Se perguntar isso é uma chave para uma mudança de mentalidade a
respeito da Sustentabilidade“.
A consultora lembra que, até este
momento, nós estamos acostumados a tirar, a extrair coisas do Planeta e depois
processar e descartar: “É uma lógica linear. Mas o mundo, na atualidade, requer
que nós entendamos sistemas circulares. Quando alguém se coloca dentro do
sistema, vem a grande pergunta: como eu posso contribuir como ser humano, para
manter esse sistema? Isso é a lógica de pensamento da Sustentabilidade 4.0. É
uma virada de mindset. Nesta nova mentalidade, nós não achamos mais que a
natureza está à nossa disposição e sim que ela pode nos prestar serviços
fundamentais, os chamados Serviços Ecossistêmicos, e, ao mesmo tempo, possamos
contribuir para que esses ecossistemas se mantenham vivos e em funcionamento em
um grande Equilíbrio Ecológico“.
Exposto o conceito, como
operacionalizar? Como transitar do mundo em que vivemos até hoje, neste formato
linear facilmente reconhecível, para um mundo diferente, que se mostra
sistêmico? “Nesta teoria, da Sustentabilidade 4.0, eu falo nos quatro Rs,
reconexão pessoal, reputação empresarial, responsabilidade institucional e renovação
legal. Essas são as quatro urgências porque estamos vendo que a Legislação
Ambiental não está mais atendendo devido à grande flexibilização que a torna
frágil, podendo ser detonada a qualquer momento”.
E continua: “por outro lado, as
instituições, que deveriam, cuidar, fiscalizar, licenciar, estão perdendo a
capacidade de fazer isso porque pautam todas as suas funções nas leis.
Consequentemente, as instituições fragilizadas dificultam o andamento do setor
produtivo, empresarial, que precisa ter a sua produtividade, mas esbarra em
burocracias institucionais e legais.
Ela concorda que é obvio que as
empresas têm que ter as suas responsabilidades: “isso é incontestável. Devem
trabalhar também a sua reputação. Não basta apenas seguir a lei. É preciso cuidar
das pessoas que constituem a empresa. Qual é a imagem que está passando e o que
está deixando para o mundo? Uma empresa hoje não pode ser só aquela que gera
lucro. Ela tem que ter uma função social”.
Reconexão Pessoal - “Subindo os níveis, nós culminamos na reconexão
pessoal. Quem faz a lei? Quem trabalha nas instituições? Quem são empresários?
Funcionários? Todos são pessoas. E se as pessoas não estiverem motivadas para a
Sustentabilidade, se não estiverem sendo sensibilizadas ou entendendo qual é a sua
função ecológica no mundo, nós vamos continuar como estamos. Como trabalhamos
hoje? Terceirizando a culpa. Eu culpo a instituição pública, a instituição
pública culpa o setor empresarial, o setor empresarial culpa as leis, as leis
punem o cidadão e ficamos nesta grande teia que estamos vendo acontecer, com a
sensação de que a sustentabilidade não passa de um discurso”, resume a
consultora.
Valoração dos Serviços Ecossistêmicos - Magda ressalta que há mecanismos para cada um
sair desse círculo vicioso: “uma forma de as instituições puxarem para a
responsabilidade seria passar a utilizar a ferramenta da Valoração dos Serviços
Ecossistêmicos. Hoje, se uma empresa quer construir num determinado local, pede
a autorização com base nas leis, retira a natureza, paga um valor em dinheiro e
esse valor não é convertido em natureza e assim estamos perdendo toda a nossa
natureza. E perder natureza não é uma coisa insignificante. Estamos perdendo
saúde, qualidade de vida, segurança. Isso porque é um sistema. A cidade é um
sistema. Com a metodologia da Valoração dos Serviços Ecossistêmicos, segundo a
consultora, é como se a instituição tivesse nas mãos uma ferramenta para
calcular o quanto em natureza se perde ao colocar um empreendimento e aquele
empreendimento precisa compensar essa perda de natureza com natureza: “Se vai
perder 10 hectares de solo, que serão impermeabilizados, por exemplo, vai
calcular quais são os Serviços Ecossistêmicos daquele solo e a empresa vai ter
que compensar isso com formação de um novo solo, que pode ser num telhado. Uma
das funções do solo é fazer com que a
água infiltre no subsolo. Então essa empresa vai dar um jeito de captar e
infiltrar no subsolo. Isso é compensar natureza com natureza e facilitaria
processos, licenciamento, recuperação ambiental e, ao mesmo tempo, propiciaria
que as empresas conseguissem existir e não que houvesse essa insegurança
jurídica generalizada. É realmente mudança de mentalidade, no nível pessoal,
empresarial, institucional e legal”.
Legislação é fundamental - Nossa entrevistada lembra que as leis são muito
importantes neste momento: “a renovação legal é fundamental e isso já está
começando a acontecer aqui, inclusive no Ceará, com a juíza Germana Moraes, que
trabalha com os Direitos da Natureza. O melhor exemplo é o que aconteceu em
Mariana. A nossa legislação como ela é tem uma limitação de multa que a Vale
vai ter que resolver. Mas mesmo que a Vale pague esse valor, ainda não compensa
a natureza. Se, dentro do ordenamento jurídico, for pensado o Ecocentrismo, como
os amantes da natureza pensam, o próprio rio processaria a empresa. Você vai
compensar um rio com dinheiro? Não. Como se compensa o dano causado ao rio? Com
recuperação de nascentes, de mata ciliar, algum tipo de recuperação da fauna da
região. Isso é compensação de natureza com natureza“. Magda destaca que isso já
é realidade no mundo. A Constituição do Equador, por exemplo, é toda pautada
nos Direitos da Natureza, chamada Pacha Mama, é Ecocêntrica e não
Antropocêntrica, como a nossa. Na Austrália e na Indonésia existem casos que
não chegam a nível de constituição, mas já são reconhecidos, como, por exemplo,
os direitos do Rio Ganges. Já existe esse pensamento do mundo, de recuperação
de natureza com natureza”.
Começar pela Constituição,
destaca Magda, é crítico porque a legislação pauta o trabalho das instituições:
“Algumas instituições públicas de fiscalização, licenciamento e gerenciamento
ambiental precisam trabalhar a lógica, não só de avaliação de impacto, mas
também da avaliação de riscos. O caso das barracas da Praia do Futuro é emblemático.
Anos e anos a Justiça calculando se podem ou não ficar lá. Só pensam nos
impactos que as barracas causam ao meio ambiente. Mas não tem nenhuma avaliação
a respeito dos riscos de essas barracas estarem lá por conta da elevação do
nível do mar ou de ressaca ou de eventos climáticos que já estão acontecendo.
Ou quando se vai tirar uma vegetação na cidade não se pensa na drenagem porque
ela também amortece o impacto das chuvas”.
E quais são os próximos passos?
“Com renovação legal, mudança de conduta institucional, como as empresas já
deveriam trabalhar de forma sustentável, como eu afeto a empresa se a
responsabilidade não dá conta? Com reputação. Muitas vezes a empresa não está
preocupada em estar regular, mas com a sua imagem. Em nível pessoal, é o maior
trabalho de todos. O que o Fritjof Capra chama de Ecoalfabetização dos adultos
é um caminho”.
Para as crianças, ela aponta a
Educação Ambiental: “mas com uma matriz
diferenciada, pautada numa lógica sistêmica. É preciso trabalhar na raiz, a
responsabilidade em nível pessoal. Entender qual é a minha função ecológica.
Agora, por exemplo, muita gente está de olho no canudinho, mas quantos produtos
que consumimos são embalados em plástico? É tudo de plástico e ninguém está
percebendo isso. Deixar de usar o canudinho resolve? É claro que não. Precisa
de uma mudança muito grande. A indústria da embalagem precisa entrar neste
circuito”.
Pesquisa e Inovação - Além da educação, que vai demorar um tempo, para
a escritora, uma das saídas é investir em inovação e pesquisa de materiais que
substituam o plástico, os materiais biodegradáveis: “precisamos trabalhar com o
Ecodesign. Na Universidade de Bolonha, por exemplo, estão desenvolvendo em
nível molecular materiais que biodegradam mesmo que sejam descartados de forma
incorreta. Isso se chama Economia Circular, Cradle to Cradle (do berço ao
berço). O produto, desde a hora que é concebido, é pensado para, ao ser
descartado, voltar a ser natureza. Isso é o que temos na ponta da inovação. A
Adidas, por exemplo, está tirando lixo do mar para produzir tênis, mas, por
mais inovador que possa parecer, ainda não está na ponta porque o tênis tem
componentes que não são biodegradáveis. Se trata de um grande esforço para
criar um mundo todo novo. Este é o desafio. Por exemplo, que material
resistente nós temos na natureza que poderia substituir o plástico duro? Osso,
carapaça de caranguejo, casca de coco?”
Solução está na Diversidade - Para Magda, o veganismo é considerado o ápice da
reconexão: “Daí não é possível dizer que é viável 100%. Se todos forem veganos,
a pressão será colocada na produção de alimentos, que é um dos maiores
geradores de impactos ambientais. A diversidade é a solução para todos os
problemas do mundo, inclusive sociais. Nós temos que ser diferentes. É exatamente
a lógica da natureza, que tem resposta para tudo. As florestas mais ricas são
as mais biodiversas. Nós precisamos pensar diferente e criar um mundo novo.
Neste mundo pragmático, em que todos exigem respostas prontas e objetivas, é
difícil as pessoas entenderem que não temos respostas prontas, mas um grande
desafio de entender o tamanho do problema que nós temos e sermos criativos”.
Sustentabilidade
4.0 na prática
E na prática, algum negócio já
adota o conceito da Sustentabilidade 4.0? “Sim. Conseguimos furar a barreira do
mercado imobiliário e levar essa proposta para um empreendimento, não apenas na
lógica do paisagismo e da preservação, mas de fomentar a natureza. O
empreendimento vai ser tornar uma grande floresta urbana que vai fomentar
Serviços Ecossistêmicos. Usando uma metodologia que mensura 24 categorias de
serviços ecossistêmicos, ele vai conseguir manter / fomentar 19, o que não é o
normal. O normal, na construção civil, é pegar o terreno e fazer terra
arrasada, desmatar tudo, fazer terraplanagem, solo batido, construções de
concreto, plantar uma árvore aqui outra acolá. Daí, lidar com problema de
drenagem, aumento de temperatura, quebra de ecossistemas, um impacto
gigantesco.”
E conclui: “a lógica de
empreendimento pautado em Valoração de Serviços Ecossistêmicos começa
preservando grande quantidade de árvores, toda a biomassa retirada é deixada no
próprio terreno, as espécies plantadas são adultas ou semi-adultas para atrair
aves, abelhas, permitir a infiltração da água do solo, espaço para hortas,
telhados aproveitados para jardins. Quem comprar um lote vai ter que seguir as
regras. Há um manual de boas condutas e convivência com a natureza”.
Fonte: Maristela Crispim - Eco Nordeste/Envolverde
excelente artigo
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