Os impactos da ‘Black Friday’ sobre nosso planeta
Dia desses, uma amiga
perguntou-me de onde eu tiro tantas notícias para escrever aqui neste espaço.
Não é difícil, respondi. Além de ler muito a respeito, tenho uma rede de
pessoas no Brasil, mundo afora, que me alimenta diariamente com reflexões,
casos, acontecimentos, discussões sobre aquecimento global, sócio economia,
tipos de desenvolvimento etc.
O difícil, sinceramente, é tentar
evitar o tom pessimista que a maioria dessas “conversas” traz em si. Às vezes
eu até gostaria de ser mais alegre. Mas há um desencanto no mundo que se
reflete diretamente nas notícias que leio. E não é para menos. Como admitir,
com naturalidade, a violência sem sentido feita contra os elefantes que o
presidente Trump acaba de permitir? Vou ser clara: não é nem só porque a população
de elefantes no mundo está em extinção que se deveria parar de caçá-los e
mandar suas cabeças por avião para outros países. A questão é mais séria, é
ética: enquanto a humanidade tratar assim os animais, sinceramente, não vejo
luz no fim do túnel para abrandar nossa vida no planeta.
Na rota dos criminosos estão
ainda os rinocerontes, pobres infelizes a quem a natureza resolveu adornar com
um chifre que os humanos decidiram botar na lista de “supérfluos necessários”.
Em 2014, 1.215 desses bichos foram abatidos por criminosos na África do Sul. O
quilo do chifre de rinoceronte vale US$ 60 mil.
E vejam só como as reflexões
sobre o desenvolvimento, englobando aí os cuidados ou não com o meio ambiente
ao redor, acabam se encaixando. Ainda sob o impacto da notícia sobre a
liberação da matança dos elefantes, busco a leitura do colunista George
Monbiot, no jornal britânico “The Guardian”, e ele está escrevendo exatamente
sobre o consumo exagerado no mundo. Mas o que isso tem a ver com as mortes dos
bichos? Tudo. Porque é exatamente para acumular coisas que as pessoas querem
joias e objetos, mesmo que, para obtê-las, seja necessário provocar o fim de
uma vida.
O mote de Monbiot é a Black
Friday, a Sexta-Feira Negra. Desde os anos 50, para os norte-americanos, a
sexta-feira que antecede o período das compras natalinas é festejada com uma
saraivada de preços abaixo daqueles que normalmente são cobrados. O hábito
começou nos Estados Unidos e, graças aos avanços tecnológicos, se espalhou
mundo afora. Se, lá no início, era um tempo para comprar presentes para os
parentes, agora já se tornou um momento de acumular besteiras, comprar coisas
que um dia, certamente, irão para o lixo.
Monbiot cita algumas bugigangas
que se candidatam, facilmente, a entulhar uma casa. Entre elas, acreditem, uma
impressora alimentar capaz de “imprimir panquecas distribuindo automaticamente
a massa diretamente sobre uma grelha”. Como diz Monbiot, não levará muito tempo
até que a pessoa que consumir a tal quinquilharia perceba a inutilidade de uma
máquina dessas.
Quanto ao “consumo consciente”,
termo que se acostumou a empregar para identificar pessoas que têm cuidados na
hora de comprar coisas para não impactar ainda mais o meio ambiente… bem, aqui
também as notícias não são boas. Segundo vários estudos, não há uma diferença
muito expressiva entre os consumistas e os consumistas conscientes. Um artigo
recentemente publicado na revista “Environment and Behavior”, por exemplo, diz
o seguinte: quem mais se preocupa com o meio ambiente são as pessoas que têm
mais dinheiro. E essas pessoas, se por um lado podem reciclar meticulosamente
todos os seus lixos, comprar produtos orgânicos e até evitam adquirir besteiras
como a tal máquina de fazer cópia de panquecas, por outro viajam facilmente, e
só aí já estão ampliando bastante sua pegada de carbono.
A pergunta que se faz desde
sempre quando se colocam questões relativas à degradação ambiental e seus
malefícios, é: “É possível desacoplar o crescimento dos impactos ao meio
ambiente?” Não, garante Monbiot. E ele escreve isso com base num estudo
divulgado no jornal “Plos One”, onde está claro que nenhum país conseguiu isso
nos últimos 50 anos.
“Uma taxa de crescimento global
de 3% significa que o tamanho da economia mundial se duplica a cada 24 anos. É
por isso que as crises ambientais estão acelerando”, disse ele. A questão é que
a humanidade quer crescer perpetuamente, mas se esquece de que o planeta não
está crescendo na mesma velocidade nem na mesma medida que seus anseios.
Impossível, sendo assim, não lembrar
os efeitos que esse jeito de viver está causando no meio ambiente. E lá vem
tristeza e más notícias. Uma cartilha lançada agora pela Associação Brasileira
de Organizações Não-Governamentais (Abong) em parceria com Iser Assessoria,
lista algumas delas. Vocês sabiam, por exemplo, que no Haiti há hoje apenas 1%
de florestas? E que alguns rios muito importantes não chegam mais ao seu
destino, ou seja, ao mar, por conta de poluição causada por esgotos não
tratados e agrotóxicos? Entre eles estão o Colorado, nos Estados Unidos e o Rio
Amarelo, na China.
“Os mares estão se degradando:
pescamos demais, produzimos muito lixo e o descartamos em parte no oceano,
enorme quantidade de esgoto não tratado é jogado nos mares e afetamos
seriamente os ecossistemas. A interferência da atividade humana também é
responsável pelo aumento das chamadas zonas mortas, porções de água com níveis
de oxigênio tão baixos que a existência de vida se torna impossível.
Encontram-se, sobretudo, nas faixas oceânicas costeiras e estão crescendo a um
ritmo de 5% ao ano. Este aumento está relacionado ao descarte de nitrogênio –
em boa medida devido aos fertilizantes –, matérias orgânicas – dejetos humanos
– e sedimentos, que provocam a proliferação de algas e a queda vertiginosa da
concentração de oxigênio”, diz um trecho da cartilha, escrita por Ivo
Lesbaupin.
Seguem-se outros tantos
problemas, como poluição da terra, excesso de mineração, de lixo… Ora, mas é
possível se chegar a uma boa notícia? Alguém está fazendo algo que possa dar um
outro rumo, não, só à degradação ambiental, como também à crise econômica e social
que se agrava pelo mundo? Sim, há, e a cartilha traz alguns desses exemplos.
A questão é que já os conhecemos
de longa data. A Rede Xingu, que tem como objetivo dar condições mais dignas
aos indígenas e, ao mesmo tempo, ajudar a preservar as matas. As cisternas
rurais, programa que está sendo levado adiante pela Articulação do Semiárido
(ASA). Um projeto de microgeração de energias solar e eólica em Juazeiro, na
Bahia também é citado.
São excelentes iniciativas que
provam que é tudo, ou quase tudo, uma questão de ter vontade para mudar, de
verdade, o jeito de viver a vida. E, como estão sempre encabeçando lista de
bons exemplos, vai dando a sensação de que não há muitas outras.
Compartilho com vocês o desabafo
de Monbiot:
“Precisamos de um sistema
diferente, enraizado não em abstrações econômicas, mas em realidades físicas,
que estabelecem os parâmetros pelos quais julgamos sua saúde. Precisamos
construir um mundo em que o crescimento seja desnecessário, um mundo que não
seja de miséria pública e luxo privado. E devemos fazê-lo antes que a
catástrofe nos obrigue”.
Fonte: Amelia Gonzales - G1
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