O que está por trás do ambientalismo
O foco deste artigo é demonstrar
que além de uma necessidade básica e um direito fundamental, o meio ambiente
ecologicamente equilibrado é também uma questão ética e fala muito sobre nossa
própria evolução como seres humanos.
O ser humano só é ser humano, pois
consegue pensar em si como tal, as capacidades de pensamento e de percepção
trazem ao homem sua consciência, permitindo colocar a si mesmo, seus iguais,
bem como todos os elementos da natureza e elementos inteligíveis (elementos da
ideia), na linha espaço temporal.
Esse pensamento primário,
compreende que o homem se relaciona com três realidades: infra-humana, onde é
capaz de diferenciar-se dos animais, e percebe sua natureza; Humana, reconhece
o seu semelhante, se vê como igual (no aspecto físico e psíquico) e a
sobre-humana, onde busca pela espiritualidade, pela explicação dos fatos pela
metafisica, pelo absoluto.
Da idealização do homem como
homem, até os dias atuais, passamos por inúmeras mudanças, construímos,
destruímos, criamos, matamos, fomos além, talvez, da própria programação que a
natureza nos deu, vindo a nos tornarmos seres ilimitados.
Todo esse processo infindo de
evolução acontece principalmente por uma característica fundamental: nós
conseguimos expressar nosso pensamento, através da linguagem e principalmente,
conseguimos refletir e acessar o mecanismo da consciência e da razão sobre
nossos atos.
A razão é um dos elementos que
nos faz sermos diferentes do animal selvagem. Diferencia-nos até mesmo do “bom
selvagem” prelecionado por Rousseau (A Origem da Desigualdade entre os homens –
Lafonte, 2012): Despojando este ser assim constituído de todos os dons
sobrenaturais que pudesse ter recebido e de todas as faculdades artificiais que
pudesse ter adquirido somente após longos progressos; […] vejo um animal menos
forte que uns, menos ágil que outros, mas, em seu conjunto, mais vantajosamente
organizado que todos eles […]”.
Percebemos, destarte, que, como
seres racionais, passamos a buscar evolução mediante nossas ações, e que mesmo
um simples gesto de cumprimento é dotado de racionalidade, e como veremos, tem
um sentido que busca, mesmo que tacitamente, evolução.
Com o filósofo racionalista
Immanuel Kant, vemos, em sua Crítica à Razão Pura, certa definição de
racionalidade, de onde podemos nos embasar para melhor esclarecimento sobre o
tema: “Todo o nosso conhecimento começa
pelos sentidos, daí passa ao entendimento e termina na razão, acima da qual
nada se encontra em nós mais elevado que elabore a matéria da intuição e a
traga à mais alta unidade do pensamento.”
Portanto, a Racionalidade faz
parte do inicio da humanidade, estando presente no pensamento, está dentro do
homem enquanto seus pensamentos idiossincráticos e está presente na comunicação
indivíduo-indivíduo, indivíduo-comunidade.
Uma vez que nos utilizamos de
nossa racionalidade, fica-nos cada vez mais aclarada a necessidade da
interação, assim, produzindo legitimação para os atos, decisões e
desenvolvimentos cultural, mediante o convívio. As ações racionais são aquelas
dotadas de sentido, embasadas em um raciocínio teleológico, mas que também se
preocupa com o desenvolvimento do processo empregado para atingir o determinado
fim.
A história e o desenvolvimento do
trato ao meio ambiente até sua evolução de fato a uma ciência jurídica (Direito
Ambiental) serve de base epistemológica, porém a intenção deste Artigo é
demonstrar que ao longo dos tempos, a preocupação com as fontes natural e
artificial, entendendo as naturais aquelas fornecidas pela natureza e as
artificiais aquelas construídas pelo homem; levaram séculos para se tornarem
objeto de direito.
Na data do ano de 1941, em função
de um litígio que ocorreu entre os Estados Unidos e o Canadá, nomeado Fundição
Trail, no qual foi protocolada uma queixa contra o Governo canadense à Comissão
Mista Internacional, argumentando-se ao longo de seu teor que uma respectiva
empresa subordinada a este país poluía áreas do território dos Estados Unidos.
As investigações levaram a um
relatório que condenava a empresa canadense, estabelecendo multas pelos danos
ambientais causados. Após o Governo do Canadá, alegar agressão a sua soberania
ficou celebrado a realização de uma Convenção em Ottawa, pela qual ficou
pactuou-se a jurisdição de um Tribunal Arbitral em Washington, o qual passado
uma década do fato pronunciou sentença a favor do pleiteado pelo Governo
americano.
Para as origens mais remotas do
Direito Ambiental Internacional, esta decisão judicial foi de incomparável
relevância, pois ficou reconhecida pela primeira vez na história a possibilidade
de responsabilização em âmbito internacional pela prática de atos lesivos ao
meio ambiente, resultantes de danos ambientais. Entretanto, por ter sido um
caso relativamente mais simples, já que era uma informação de notório
conhecimento geral quem era o poluidor a maior parte dos doutrinadores
internacionalistas consideram a década de 1960 como a verdadeira época do
nascimento do Direito Internacional do Meio Ambiente.
O Direito Ambiental Internacional
obteve a maturidade do seu desenvolvimento na Europa da década de 1960, período
em que surgiu a figura jurídica dos danos transfronteiriços. Os países que já
possuíam uma das legislações mais avançadas da época em prol da
sustentabilidade e desenvolvimento do meio ambiente natural, a Suécia, detectou
que suas florestas estavam sofrendo com inúmeros desgastes ambientais
provocados por chuva ácida.
Os cientistas suecos que
estudavam de forma pioneira o fenômeno da chuva ácida descobriram que ela era
fruto da poluição de todo o continente europeu, que subia para a escandinava e
reunia-se com a umidade na formação desta espécie de chuva. Ficou claro pelo
coletado nestas pesquisas científicas que, não dependeria apenas dos esforços
depreendidos pelo Governo sueco para que houvesse a resolução eficaz do grave
problema, dependendo necessariamente dos esforços conjuntos das outras nações
europeias. Tendo se consolidado como o fato percussor da definição concreta do
que vem a ser o dano transfronteiriço.
Além de todo o narrado, a década
de 1960 foi o período em que a Guerra Fria encontrou o seu ápice, resultando
numa mobilização global e cultural em busca da paz, pois uma guerra nuclear
levaria a destruição de toda a natureza, inviabilizando a vida na Terra.
A corrida armamentista resultou
em um pavor geral, causado pelo perigo de destruição em massa e total do meio
ambiente através de bombas atômicas; por tal razão, movimentos culturais como o
movimento hippie auxiliaram na moderna visão de preocupação ambientalista.
Nessa toada, a Organização das Nações Unidas ganhou prevalência no que se
refere às questões ambientais e sua assembleia se consagrou em um importante
foro de discussões acerca de diversas temáticas ambientalistas. Destaca-se como
uma das grandes contribuições da Organização das Nações Unidas em relação ao meio
ambiente, o fato de ter mantido um fórum permanente, reunindo representantes de
todas as partes do mundo para debater assuntos relacionados à proteção
conferida pelo Direito Internacional ao patrimônio ambiental.
Nesse contexto, a Organização das
Nações Unidas teve o mérito de organizar uma Convenção Internacional para o
debate e discussões sobre os caminhos a serem traçados para a resolução das
problemáticas que afligem o ecossistema, que foi realizada na capital da
Suécia, Estocolmo. Essa Convenção Internacional ficou conhecida como
Conferência de Estocolmo e foi realizada no ano de 1972.
A partir de então o Direito
Ambiental toma forma como ciência, cujo objeto faz parte da coletividade, do
ser humano em sua escala mais básica, pois é um dos direitos fundamentais à
vida. Porém, a questão da soberania ainda, em tempos modernos, nos faz
questionar sobre o próprio fundamento essencial da relação homem-ambiente. Pois
a luta continua e as barreiras quase intransponíveis dessa soberania dos
estados mais poluidores chocam-se com estas questões universais. Podemos
abranger esta análise exemplificando a ineficácia da ONU na Guerra Síria, no
genocídio que a guerra civil proporciona em muitos países do continente
Africano que ainda lutam pela independência. Podemos citar, inclusive, a
ineficiência num acordo de paz entre a Coréia do Norte e os Estados Unidos, que
pode ocorrer a qualquer momento uma das maiores e mais devastadoras guerras que
conheceremos num futuro não muito distante.
Mas voltando ao foco central desta
reflexão, que é a ética e o Direito nas questões ambientais, é interessante
destacar aqui, que no Brasil, apenas com a Constituição de 1988, onde estes
princípios de terceira geração, como chamamos, fazem parte do Art. 225 da CF/88
onde destacam-se as seguintes terminologias: “todos nós temos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado”. Isso quer dizer que a característica da
norma pode estar expressa ou implícita. Funcionando como princípios setoriais,
de morfologias permanentes e sempre evolutivas (as leis em prol do meio
ambiente não devem retroagir nunca), pois, embora tratado em Art. diverso, está
implícito no rol de Direitos básicos fundamentais: o direito à vida e a saúde
que trata o Art. 5º da CF dispõe acerca da dignidade, da existência e também da
‘qualidade de vida’, ou seja, o direito ambiental está implicitamente ligado ao
direito à vida.
Desta forma, é um direito
conferido pelo Estado a todas as crianças, adultos, brasileiros e estrangeiros
que em solo deste país, essencial a uma qualidade de vida mínima e saúde. Sendo
assim, bem comum do povo. Não é um bem público, possui titularidade difusa,
mesmo quando se trata de propriedade privada, por essas razões existem hoje as
leis regulamentadoras dos incisos do Art. 225 da CF, trazendo, quando há
necessidade, leis que especificam o poder público e particular, de dispor sobre
riquezas naturais, e principalmente, obrigando a entidade de direito público,
empresas ou a pessoa física a reparar o dano causado, a exemplo do nosso Código
Florestal, das leis que tratam das Unidades de Conservação e etc.
Estamos em frente a um grande e
grotesco paradoxo legiferante, aqui a moral se instala como fonte única do
nosso debate, pois apresentei-lhes a epistemologia positiva do direito
ambiental. Porém, caro leitor, você certamente está agora se perguntando: “Mas
se a legislação tem o poder transformador e garantidor do ambiente, em
categoria suprema, como pode ocorrer, por exemplo, a morte do Rio São Francisco
em MG, por uma mineradora e até agora ninguém ser responsabilizado, e o dever
de restituição, assim como a multa ainda não foram definidos de forma clara?”,
ou então “Por que o poder executivo, com um decreto pode definir as áreas que
lhe interessam como reserva ou não reserva? Sendo este um procedimento
incabível na visão constitucional dos direitos de terceira geração?”.
Pois aí reside a verdadeira
questão, a nossa culpa aparece neste exato momento, sim, nossa culpa, pois todo
o esforço, toda a energia gasta para que o meio ambiente fosse um direito
básico do ser humano, se esvai, com a atividade legiferante do nosso modelo
democrático. Sim, escolhemos nossos representantes de maneira porca, burra,
inconsequente, pois para cada lei que é promulgada de forma afirmativa, ou
seja, hoje é declarado uma multa para atos que alterem, prejudiquem ou
extermine um bioma, existe também um artigo ou uma nova lei que permite a
anistia.
Não preciso dizer que este
paradoxo é fruto do poder político. Não preciso, aqui, diante de toda
informação que possuímos, de tudo que já sabemos. Mas o que eu preciso dizer é
que todos somos responsáveis.
Primeira irresponsabilidade é só
tratar a política como um evento decorrente de dois em dois anos (lembrando que
as eleições ocorrem de 4 em 4, porém em tempos diferentes, nos dando uma lacuna
de dois anos).
Segunda tolice, acreditar que a
preservação é obrigação do Estado. Quando chove e ocorrem deslizamentos,
inundações, e a população fica à mercê da natureza, culpando a figura
representativa do Estado, esquece-se de que cada lixo que joga no chão, o mesmo
vai para algum lugar, geralmente para os bueiros, entupindo-os e acreditem,
fazendo com que uma chuva inunde tudo.
Terceira e mais problemática das
nossas atitudes irresponsáveis, ao mesmo tempo em que fazemos textos, gritamos
e levantamos a bandeira da sustentabilidade, estamos sendo hipócritas. Sim,
hipócritas da pior qualidade, um exemplo bem recente do que estou falando foi o
evento do Rock in Rio, realizado no mês de setembro, teve modelo chorando no
palco em defesa da Amazônia, teve músico gritando e esbravejando contra o
governo, teve uma galerinha desconstruída e sustentável que como uma grande e
maciça onda se autoproclamou, naquele momento, defensor e batalhador do
ambiente, acabaram as luzes, os últimos sons que ainda ecoavam eram da equipe
de limpeza, que removiam verdadeiras montanhas de plástico, bitucas de cigarros
e todo o lixo que não foi devidamente jogado no lixo.
Esta última questão, é delicada,
pois hoje a sustentabilidade é elitista. Ela não atinge todas as camadas, não
chega onde deveria chegar. Porque é marketing, ser sustentável não é um estilo
de vida, é pertencer a uma classe que pouco faz e muito fala. A economia se
beneficia, o selo sustentável já traz a ideia de que estamos contribuindo, e
logicamente pagando mais caro pelo produto, pois nossa consciência adora isso.
Compramos orgânicos e adoramos compartilhar a experiência de consumi-los, porém
pouco nos importa a produção, os pequenos agricultores que cada vez mais perdem
espaço para os adoradores do glifosato.
Enquanto a educação ambiental não
for tratada dentro dos lares, de todas as classes, em todos os meios, nós vamos
ficar vivendo de aparências, criando no imaginário que o lixo que consumimos
simplesmente desaparece a partir do momento em que é colocado para fora. É
cultural.
Por este motivo que o Brasil é o
país que possui o lixo mais rico do mundo. Segundo a pesquisa do IBGE, em 64%
dos municípios brasileiros o lixo é depositado de forma inadequada, em locais
sem nenhum controle ambiental ou sanitário. São os conhecidos lixões ou
vazadouros, terrenos onde se acumulam enormes montanhas de lixo a céu aberto,
sem nenhum critério técnico ou tratamento prévio do solo, com a simples
descarga do lixo sobre o solo. Além de degradar a paisagem e produzir mau
cheiro, os lixões colocam em risco o meio ambiente e a saúde pública.
No Brasil, 52,8% do lixo não
recebe tratamento adequado. Segundo o IBGE, 30,5% do volume de lixo coletado em
2000 foi encaminhado para os lixões, e 22,3%, para aterros controlados, com
altos riscos de contaminação para o homem e para o meio ambiente.
Como vemos, o problema do lixo é
um contraste também social, pois, como bem retrata a pesquisa realizada pelo
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ), cerca de 43 mil crianças e
adolescentes trabalham no lixo no Brasil. São filhos de famílias muito pobres
que ganham a vida como catadores de materiais recicláveis. Em alguns lixões,
mais de 30% das crianças, em idade escolar, nunca foram à escola. Mesmo aquelas
que são matriculadas abandonam os estudos para ajudar os seus pais na catação
diária de lixo. É um trabalho desumano e ilegal, que expõe a saúde dessas
crianças a todos os tipos de risco.
No Programa Lixo & Cidadania,
criado em 1998 por iniciativa do Unicef, os catadores são reconhecidos como
verdadeiros agentes ambientais. Eles são responsáveis por 90% de todo o
material que as indústrias de reciclagem operam no Brasil. Permitem, por
exemplo, que o País esteja no primeiro lugar do ranking mundial de reciclagem
de latas de alumínio. Quando organizados em associações e cooperativas, os
catadores trabalham em condições mais dignas, produzem mais e melhor. Assim,
podem ter uma renda maior, o que lhes permite manter suas crianças na escola e
longe do trabalho infantil.
Precisamos entender que tudo está
relacionado, pertencemos à um ciclo interminável de transformações, onde um ato
isolado pode provocar um resultado monstruoso. Precisamos nos reconhecer como
seres humanos, cuja única diferença é a capacidade de raciocinar, e talvez por
uma ironia do nosso destino, somos também os únicos seres que devastam,
corrompem, destroem.
Neste momento, nós enfrentamos um
ponto crítico de nossa história: o que fazemos com o nosso mundo, agora, se
propagará através dos séculos e afetará poderosamente o destino de nossos
descendentes. Está bem dentro de nosso poder destruir nossa civilização e
talvez a nossa espécie também. Se nos rendermos à superstição ou à ganância ou
à estupidez poderíamos mergulhar nosso mundo em um tempo sombrio, de escuridão
mais profundo talvez do que a idade média e o obscurantismo.
Certa vez me deparei com um
maravilhoso livro, Pálido Ponto Azul, de 1994, cujo autor é Carl Sagan, onde de
algum modo me fez pensar ao mesmo tempo na grandeza humana a nível de Vida, e
na nossa insustentável leveza e pequenez dentro do espaço absoluto em que
estamos perdidos.
“Olhem de novo esse ponto. É
aqui, é a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece,
qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu,
viveram as suas vidas. O conjunto da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares
de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e
coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada
rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de
esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político
corrupto, cada “superestrela”, cada “líder supremo”, cada santo e pecador na
história da nossa espécie viveu ali – em um grão de pó suspenso num raio de
sol. (…) Não há, talvez, melhor demonstração da tola presunção humana do que
esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Para mim, destaca a nossa
responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e para preservarmos
e protegermos o “pálido ponto azul”, o único lar que conhecemos até hoje.”
Por fim, aqui fica a reflexão,
cuidar do meio ambiente, é cuidar também da ética, do direito, da política, das
nossas tortuosas relações com outros seres humanos.
Fonte: Mayara Ruiz Ferreira - FUNVERDE.ORG.BR
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