Brasil pode perder este ano o equivalente ao território de Portugal em áreas protegidas
Um desmonte de quase 80 mil
quilômetros quadrados – equivalente ao território de Portugal – em áreas
protegidas federais no Pará, Amazonas e Santa Catarina é o que está prestes a
acontecer no Brasil. São parques nacionais, reservas biológicas e florestas
nacionais que deveriam estar sob o mais rigoroso cuidado devido à sua
importância mundial, mas que sofrem neste momento um ataque sem precedentes
promovido com o apoio de setores do governo e do Congresso Nacional e de
interesses contrários ao meio ambiente. O conflito não é novo. A novidade é a
abrangência e a estratégia de desmanche da investida.
De um lado estão produtores
rurais que ocupam irregularmente ou gostariam de ocupar essas áreas protegidas,
empresas de mineração ou grileiros de terras públicas. De outro, o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que colocou o Brasil ao final da
década passada na posição de líder mundial em extensão de áreas protegidas.
Na medida em que um dos lados
ganha mais força, o impacto nas áreas protegidas pode resultar em mais
desmatamento da Amazônia, com prejuízo às metas brasileiras para a redução das
emissões de gases de efeito estufa na Convenção do Clima das Nações Unidas,
além de implicar o desmonte do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e
ameaçar os compromissos assumidos pelo país na Convenção da Diversidade
Biológica (CDB).
Segundo o documento, o potencial
do estrago é enorme. Basta dizer que um dos projetos em tramitação no Congresso
Nacional, o PL 3751, torna caducos todos os atos de criação de unidades de
conservação cujos proprietários privados não foram indenizados no período de
cinco anos.
Para se ter uma ideia do impacto
dessa proposta, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade) calculou em 56 mil quilômetros quadrados a extensão de terras
privadas ainda não indenizadas no interior de UCs federais, mas o número
poderia chegar a 100 mil quilômetros quadrados, segundo o próprio instituto.
Caso aprovada, a proposta
representaria o desaparecimento de aproximadamente dez por cento das áreas
protegidas em UCs federais no país, que somavam, em agosto passado, 788 mil
quilômetros quadrados. Isto é dez por
cento do total do território protegido das UCs federais.
A proposta apresentada pelo
deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) em 2015 também impede a criação de novas UCs
sem “prévia e justa” indenização em dinheiro e é apenas um dos projetos que
tramitam no Congresso, exemplares do fenômeno que a literatura acadêmica trata
como PADDD, do inglês Protected Area Downgrading, Downsizing and Degazettement
(redução, recategorização e desafetação de áreas protegidas).
Alto
impacto
A ofensiva contra as UCs vem
ganhando fôlego desde dezembro do ano passado, a partir da publicação de
medidas provisórias pelo presidente Temer, destaca o dossiê do WWF-Brasil. O
alvo principal era a Floresta Nacional do Jamanxin, criada para conter o
desmatamento na região da BR-163, no Pará.
A exposição de motivos assinada
pelo ministro do Meio Ambiente, José Sarney, chamava a atenção para a alta taxa
de desmatamento ilegal na Flona Jamanxim, problema atribuído aos conflitos
fundiários remanescentes e à atividade garimpeira ilegal na região de grande
potencial aurífero na Bacia do Tapajós.
Outra medida provisória editada
no mesmo dia tinha como justificativa a passagem de uma ferrovia para
transporte de grãos. A Flona Jamanxim perdia ali 57% de seu território, que
deixavam de ser protegidos ou passavam a ser menos protegidos, com a liberação
de atividade econômica. Mas o estrago ficaria bem maior no Congresso.
O texto do dossiê lembra que,
antes, no início de fevereiro, um grupo de parlamentares da bancada do Amazonas
recebeu aceno favorável do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) de que o Planalto
encamparia proposta de mudança em UCs no Estado, que compromete mais um milhão
de hectares atualmente protegidos.
O lobby tem como alvo a extinção
ou redução de cinco unidades de conservação criadas em 2016, em áreas
previamente regularizadas do ponto de vista fundiário: a Reserva Biológica
Manicoré, o Parque Nacional de Acari, a Floresta Nacional de Aripuanã, a
Floresta Nacional de Urupadi e a Área de Proteção Ambiental Campos de Manicoré.
Em abril, comissões especiais do
Congresso Nacional alteraram as medidas provisórias editadas por Temer em
dezembro, ampliando o tamanho do dano ambiental, para mais de um milhão de
hectares que deixam de ser protegidos. O avanço contra as UCs no Pará foi comemorado
no plenário pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), uma espécie de ícone da luta
contra as UCs no Congresso. Segundo o senador, o resultado das votações, a ser
confirmado pelo plenário antes de ir à sanção presidencial, “oferece
oportunidade aos produtores rurais de regularizarem suas áreas e atividades
produtivas”.
Documentos a que o WWF-Brasil
teve acesso mostram que o ataque às áreas protegidas já havia ganho aliados
dentro do próprio governo. Em nota técnica, o Ministério de Minas e Energia endossa
interesses dos mineradores de ouro que atuam na região do Tapajós e sobretudo
da empresa Brazauro Recursos Minerais, subsidiária da Eldorado Gold, com sede
no Canadá.
A nota alega que a empresa havia
investido US$ 76 milhões no projeto “Tocantizinho”, no qual planeja investir
mais de meio bilhão de dólares. O MME contabilizou ainda dezenas de
autorizações de pesquisa e permissões de lavra garimpeira, que teriam de ser
ressarcidos por conta da alteração de limites das UCs proposta pelo governo,
além de mais de 250 requerimentos de lavra garimpeira na região.
Santa Catarina - Além de a ampliação do Parque Nacional do Rio
Novo (uma medida compensatória as reduções propostas) ter sido barrada pelo
Congresso, o ICMBio calcula que a Floresta Nacional do Jamanxim perca quase 815
mil hectares de seu território com base nas propostas aprovadas nas comissões.
A perda para a biodiversidade também é grande na alteração dos limites da
Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, que protegem nascentes de rios
que formam as bacias do Xingu e do Tapajós.
“Temos de lembrar dos
compromissos assumidos no Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que
apoia a gestão de UCs na Amazônia, com aportes de recursos externos. Os
financiadores deverão cobrar explicações sobre o que está ocorrendo no Brasil”,
adverte Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.
O avanço contra as UCs nas
votações de abril extrapolou os limites da Amazônia e alcançou até o Parque
Nacional de São Joaquim em Santa Catarina, que teve seus limites alterados, por
pressão de produtores rurais instalados na região. Trata-se de uma área de
remanescentes de mata de araucária, importante na recarga de aquíferos, segundo
o ICMBio. Na votação da Medida Provisória 756, o Parque perdeu 20% de seu território.
Mato Grosso - Também em abril, em outro expediente apressado, a
Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou em primeira votação projeto que
extingue o Parque Estadual Serra Ricardo Franco, uma área de proteção integral
de mais de 158 mil hectares, criado há 20 anos.
O pretexto apresentado pelos
deputados foi o fato de a região estar bastante desmatada, não justificando a
manutenção do status de área protegida. O Parque abriga fazendas do chefe da
Casa Civil de Temer, Eliseu Padilha, que teve os bens bloqueados no final do
ano passado pela Justiça do Mato Grosso por degradação ambiental. Sinal que de
que a ofensiva às UCs não se limita às áreas federais.
Fonte: Jaime Gesisky - WWF
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