Fracking, não!
Olá, eu sou Gaia, a Mãe Terra.
Tenho 4,5 bilhões de anos. Eu sei quantas gotas de água existem nos meus
oceanos, rios e nascentes. Também sei quantas árvores já nasceram e morreram em
meu solo. Em todo esse tempo, vi milhões de seres surgirem. Sofri por aqueles
que foram extintos. Mas também vibro com os que resistem, todos os dias, para
fazer deste paraíso natural que ofereço a vocês um lugar mais bonito.
Deixo meus filhos, de todas as
espécies, correrem e voarem livres diariamente em minhas florestas, beberem da
minha água e se alimentarem das plantas e dos frutos que germinam do meu solo.
Como mãe de todos vocês, sei do
que precisam.
Nunca neguei cuidado.
E, se em algum momento vocês
passam frio, fome ou calor em excesso, foi porque a minha natureza teve seus
ciclos desrespeitados e interrompidos. Não posso interferir no livre-arbítrio
de vocês. Mas, como mãe, é meu dever alertá-los de que toda ação ruim provoca
uma reação ainda pior. Apesar do que já disseram a meu respeito, eu não sou
vingativa. Sou justa, reativa. E a pedagogia para quem destrói é a dor.
Tenho sofrido com o desmatamento,
as queimadas e a poluição dos meus recursos naturais por séculos. No entanto,
nas últimas décadas, um novo e terrível serial killer ganhou força e vem me
causando danos, alguns deles irreversíveis: o fracking.
Estou falando do “fraturamento
hidráulico”, uma prática utilizada para realizar perfurações no solo (de 137
metros a 3.200 metros abaixo da superfície) e em rochas para extração de gases
não convencionais. São eles: o gás confinado, que pode ser encontrado em rochas
impermeáveis ou com baixa permeabilidade. O metano, que ocorre entre camadas de
carvão mineral e é até 86 vezes mais poluente que o dióxido de carbono. O
hidrato de metano, que se concentra em áreas sedimentares marinhas com mais de
500 metros de lâmina de água. E, finalmente, o gás de folhelho, também
conhecido como “shale gas”, e que erroneamente é confundido com gás de xisto.
Seu processo de agressão à minha
natureza é doloroso. Por meio de uma tubulação, é injetada na minha pele – o
solo – uma mistura com grandes quantidades de água e solventes químicos com
potencial cancerígeno. A pressão feita nas minhas rochas é tão grande que elas
explodem e se fragmentam. E, para que o buraco não se feche novamente, ele
também recebe areia (isso mesmo, areia!) para evitar que o terreno ceda ao
mesmo tempo em que o gás de folhelho (o mais viável comercialmente, junto com o
metano) é extraído.
Esta areia misturada com a água e
os solventes forma o chamado “fluido de fracking”. Ele contém nada menos que
250 mil litros de água com até 700 produtos químicos, incluindo substâncias
prejudiciais à saúde, como urânio, mercúrio e ácido hidroclorídrico. O problema
maior é que, caso essa mistura letal escape da tubulação, ela pode provocar
alta contaminação no solo e nas minhas águas subterrâneas, que também saciam a
sede de vocês, dos outros animais, abastecem rios e contribui para a manutenção
da vida biodiversa que me compõe.
Vocês acreditam que para perfurar
um poço para extrair gás de folhelho são consumidos de 17 a 35 milhões de
litros de água no total? E que essa enorme quantidade do recurso é transportada
para o local de fraturamento por caminhões a diesel, provocando ainda mais
impactos ambientais?
Para se ter ideia, 35 milhões de
litros de água são suficientes para abastecer uma cidade de 20 mil habitantes
por quase dez dias! Sem contar que, além disso, o processo de exploração emite
mais metano. E minhas florestas dão lugar às torres de perfuração (em cada uma
delas há aproximadamente 18 poços perfurados em um raio de até 3,5
quilômetros), às áreas de estacionamento e manobra de caminhões, e às estradas
abertas (mais um convite ao desmatamento) para o transporte do gás.
Mas não é só isso.
Eu, Gaia, também sofro com os
tremores de terra (leia mais a seguir) causados pela perfuração desses poços. É
o que aconteceu com parte de mim em Youngstown, Ohio, nos Estados Unidos, em
2011, quando a injeção de águas residuais no processo de extração do gás
provocou um terremoto de quatro pontos na Escala Richter. O fato foi confirmado
por sismólogos da Universidade de Columbia. Em 2009, nos estados de Alabama e
Montana, foram mais de 50 tremores acima de três pontos. Um ano depois, foram
87. Em 2011, 134.
Em Oklahoma, o número chegou a
109 terremotos de menor intensidade em 2013. Um ano depois, a coisa desandou:
foram 585. É como se estivessem me provocando um Mal de Parkinson. Agonizante e
progressivo. Vocês não se entristecem quando um parente de vocês sofre ou morre
vítima dessa doença? É justo fazer isso comigo, quando já existem fontes mais
limpas e sustentáveis de produção de energia?
MAL
“MENOR”
Não pensem que o gás de folhelho
vai baratear a produção de energia no Brasil. Tampouco vocês devem acreditar
que este gás é um mal “menor” em relação aos outros combustíveis fósseis. Se
isso acontecer, o país corre sério risco de acabar como os Estados Unidos, hoje
o maior produtor desse gás (seguido de Canadá, Argentina e China), mas também
um novo e terrível grande vilão do meio ambiente e da minha natureza.
É o que comprova Margie Alt,
diretora-executiva da ONG Environment America, no estudo “Fracking By The
Numbers” (“O fracking em números”). Nele, ela mostra o cenário de destruição
que a prática provocou, silenciosamente, aos recursos naturais da terra do Tio
Sam nos últimos 12 anos.
Desde 2005, pasmem vocês, mais de
137 mil poços de fracking foram abertos nos EUA. Meus pulmões, caros
terráqueos, foram poluídos com 2,4 bilhões de quilos de metano lançados na
atmosfera, mesma quantidade produzida por 22 usinas de carvão em um ano, em
apenas um estágio da implantação da plataforma de extração (o “acabamento” do
poço).
Mais.
Meus rios e águas subterrâneas
perderam mais de 904 bilhões de litros de água. Quase 53 bilhões de litros de
fluido de fracking foram gerados. Também não dá para esquecer da infraestrutura
antiecológica montada para dar suporte à extração do gás de folhelho, que já
danificou mais de 2,7 milhões de hectares de florestas...
Finalizando
É este o cenário que vocês,
brasileiros, querem para mim? Faço minhas as palavras do Juliano Bueno de
Araújo, coordenador de Campanhas Climáticas da 350.org e fundador da Coesus
(Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida): “O Brasil tem um grande
potencial para a geração de energias mais seguras e sustentáveis como a solar,
eólica, pequenas centrais hidrelétricas e de biomassa. Não há justificativa
para se insistir numa matriz suja e perigosa, que troca água por energia”.
Fonte: Luciano Lopes - Revista Ecologico
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