Escarpa Devoniana: Ameaçada por falta de bom senso
O que é a
Escarpa Devoniana
A Escarpa Devoniana constitui
notável feição geomorfológica que delimita a leste os Campos Gerais do Paraná.
Ela tem início no vale do rio Iguaçu, no sul do estado, entre os municípios de
Lapa e Campo Largo e estende-se para além do rio Itararé, já no estado de São
Paulo, a norte, até as proximidades do município de Itapeva. Esta feição
geomorfológica estende-se como uma faixa em forma de arco, com cerca de 260
quilômetros de extensão e desníveis altimétricos usualmente entre 100 e 200
metros, podendo atingir até cerca de 450 metros na região do Canyon do
Guartelá. A escarpa devoniana representa um verdadeiro degrau topográfico, com
paredes abruptas e verticalizadas, que separa o Primeiro e o Segundo Planalto
Paranaense. Este degrau é uma cuesta, originada pela erosão que vem esculpindo
o relevo e promovendo o aparecimento de feições tais como morros-testemunhos,
abrigos, "fendas" e pequenas cavernas que guardam vestígios
arqueológicos. Outras feições encontradas ao longo da escarpa são os canyons
dos rios Iapó, Pitangui, Itararé e Iguaçu quando estes, provindos do Primeiro
Planalto e dirigindo-se ao Segundo Planalto, atravessam a escarpa em profundas
gargantas esculpidas pela erosão. A Escarpa Devoniana tem este nome porque é
sustentada pela Formação Furnas, de idade devoniana. Entretanto, a idade da
feição geomorfológica é muito mais nova que a idade da rocha que a sustenta,
admitindo-se que a escarpa seja cenozóica (menos de 65 milhões de anos). A
denominação "Escarpa Devoniana" já é consagrada, mas seria mais
correto utilizar-se "Escarpa do Arenito Devoniano". (Isonel Sandino
Meneguzzo e Mário Sérgio de Melo)
Mais que
uma falta de bom senso
Até meados da década de 1980, a
prática tradicional da pecuária extensiva permitiu que a paisagem do Segundo
Planalto paranaense não fosse muito comprometida. A bovinocultura representou
certo alinhamento de uma atividade econômica convencional com a proteção das
áreas de Campos Naturais e dos capões de Floresta com Araucária.
Já nas últimas décadas, por outro
lado, a paisagem típica da região de Campos Naturais cedeu espaço para extensas
plantações de soja e florestamentos de pinus, gerando uma mudança generalizada
no uso da terra com base na significativa agregação de valor proporcionada com
as novas culturas. Um gigantesco polo de agroindústria e beneficiamento de
madeira surgiu na região.
Por consequência dessa ampla
modificação de território, foram reduzidos drasticamente os redutos onde ainda
se observam remanescentes da paisagem natural da região. No entanto, em
contraponto com uma visão convencional, as poucas áreas naturais que ainda
restam não podem ser vistas como espaços improdutivos, ou mesmo como áreas em
processo irreversível de consolidação pelas práticas que hoje são dominantes na
região.
As últimas áreas naturais dos
Campos Naturais do Paraná, em grande parte, se localizam, justamente, onde as
condições de relevo e solo dificultam a expansão das culturas agora
preponderantes. A Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, criada
em 1992, delimita esse espaço de uso alternativo e abriga, ao mesmo tempo, um
relicto exuberante do que já foi a paisagem do segundo planalto do Paraná.
É o governo do Estado quem tem a
responsabilidade de garantir um direcionamento coerente e isento para as
diferentes frentes que podem impulsionar a nossa economia e, ao mesmo tempo,
garantir a qualidade de vida e prosperidade à população paranaense. Essa agenda
guarda também a necessidade de proteção de áreas naturais e o incremento de
atividades econômicas a partir de negócios que permitam maior valor agregado,
como é o caso do turismo. A manutenção das condições de prestação de serviços
ambientais, de valor econômico, social, ambiental e estratégicos também devem
entrar na equação.
A tentativa assoberbada de
extirpar dois terços da APA da Escarpa Devoniana a partir da aprovação de um
projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa está sendo conduzida num
alinhamento explícito com o atual governo, sabidamente influenciado pela força
política e econômica do agronegócio.
Agem sem fundamento técnico,
cooptando órgãos ambientais e atuando de maneira contrária aos interesses da
sociedade. Somam-se a essa articulação interesses de mineração e de grupos
interessados em explorar energia eólica e hidráulica. Um entendimento realmente
limitado sobre a verdadeira dotação econômica que possa, verdadeiramente,
agregar valor a essa região.
Ao contrário da visão que impõe o
avanço de atividades convencionais sobre os últimos remanescentes de campos do
Paraná, as áreas naturais são também espaços que geram muitas riquezas e que
podem ser muito mais expressivas do que a produção primária, caracterizada pela
agricultura, silvicultura e mineração. Basta constatar que os espaços naturais
bem conservados representam uma demanda básica para atividades de turismo e,
portanto, são “produtoras de natureza” tal qual as outras formas de produção
que conhecemos.
As iniciativas de turismo já existentes
ao longo de toda área da Escarpa Devoniana representam os primeiros passos de
exploração econômica que poderão transformar essa região especial num polo de
turismo de natureza tão relevante quanto Gramado, no Rio Grande do Sul,
Urubici, em Santa Catarina e Campos do Jordão, em São Paulo, além de tantos
outros exemplos que o Paraná também precisa trazer para o seu território. Para
que isso possa se tornar realidade, entretanto, o respeito aos limites do uso
do solo precisa ser garantido.
A sociedade brasileira clama por
novos tempos. Tempos distintos da prática corrente de corromper ou de
privilegiar interesses de poucos em detrimento de muitos. É chegada a hora de a
Assembleia Legislativa do Paraná dar provas de que não lhe falta bom senso. De
que lado ela ficará?
Fonte: Henrique Simão Pontes e Gilson Burigo - O ECO
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