Os sinais de alerta vêm da nossa caixa d’água
Até há bem pouco tempo era raro
que o noticiário sobre mudanças climáticas e seus efeitos preocupantes se
referissem a problemas no Brasil – em geral informavam sobre dramas muito
graves em outras partes do mundo. Esse tempo já passou. Agora são frequentes as
notícias sobre questões muito inquietantes em várias regiões do País. Algumas
das mais recentes se referem a problemas muito sérios na Paraíba, onde a seca
prolongada já levou à redução no abastecimento de água em Campina Grande e mais
17 cidades e agora está sendo ampliado.
Campina Grande vai ser dividida
em duas zonas. Uma será abastecida da manhã de segunda-feira até a meia-noite
de quarta-feira; a segunda, de 5 da manhã de quinta até as 13 horas de sábado;
das 13 horas de sábado às 5 da manhã de segunda não haverá abastecimento
(Suassuna.net, 12/7/2016). E 17 cidades da chamada Região do Brejo só terão
água por 48 horas a cada 15 dias, a partir do próximo dia 18;7/2016. Haverá ainda
outros problemas em vários locais. O nível da água no principal açude está em
apenas 8,4%, o pior de todos os tempos, suficiente – se não chover – para
abastecer apenas até janeiro de 2017.
Na verdade, diz Ana Lúcia Azevedo
(O Globo, 9/4/2016), toda a Chapada Diamantina está ameaçada e com a situação
agravada desde um grande incêndio que se manteve de 2015 a janeiro de 2016, ali
onde fica a “caixa d’água da Bahia – nela nascem 80% dos rios do Estado. Só o
Rio Paraguaçu abastece 3 milhões de pessoas e fornece 60% da água usada em
Salvador. E toda a região de 38 mil quilômetros quadrados – desde serras e
planaltos da Mata Atlântica da região até o Cerrado e a Caatinga – é
beneficiada pelo rio.
Mas o agravamento do El Niño
agora leva a situação a extremos. Para complicar mais, dizem cientistas da Nasa
e da Universidade da Califórnia em San Diego, publicados pela revista Nature,
que as mudanças climáticas estão provocando um deslocamento das nuvens para os
polos. O estudo, que abrange o período 1983-2009, afirma que com menos nuvens
há aumento da temperatura da superfície e mais evaporação, “agravando as
secas”. Até o PIB da agropecuária brasileira tem sofrido com as condições: caiu
0,37% no primeiro trimestre deste ano, segundo o Ministério da Agricultura e o
IBGE; também o PIB geral declinou 5,4%.
A concentração de gases de efeito
estufa foi recorde no ano passado (O Globo, 13/6/2016). Por isso mesmo 7.100
cidades de seis continentes se juntaram numa rede – Global Covenant of Mayors
for Climate and Energy – para enfrentar a questão, já que as cidades respondem
por 75% das emissões. EUA, Canadá e México assumiram o compromisso de aumentar
o uso de “energias limpas” para 50%, de modo a cortar de 40% a 45% as emissões
de gases poluentes (nos últimos três anos a redução foi de 4,5%; em 25 anos,
baixa de 38%) – 55 países, responsáveis por mais de 50% dos gases, já os estão
reduzindo (Reuters, 27/6/2016).
São muitas questões. Estudos de
J. A. Marengo Orsini, com base em relatórios de avaliação do IPCC/Painel do
Clima (Eco21, abril 2016), mostram que até 2100 a temperatura do Pantanal
brasileiro pode subir 7 graus Celsius por causa da redução de chuvas e do
aumento da evaporação. Com 140 mil quilômetros quadrados, o Pantanal tem 80% de
sua área em regiões semiáridas. Mas, de modo geral, racionamento “é desastre
anunciado”, antevê Joaquim F. Carvalho, do Instituto de Energia e Ambiente da
USP (Folha de S.Paulo, 25/2/2016) – embora tenhamos potencial hidrelétrico,
eólico, fotovoltaico e bioenergético disponível e toda a energia consumida na
região e no País possa vir de fontes renováveis.
Estudo do IPCC/Painel do Clima
(Eco-Finanças 11/7/2016) cria e analisa alguns cenários para a questão do
clima. Num cenário de inércia, a temperatura planetária pode se elevar entre
4,1 e 5,6 graus Celsius; num cenário com continuidade das políticas atuais, o
aumento ficará entre 3,2 e 4,4 graus; num cenário em que sejam cumpridos todos
os compromissos voluntários já assumidos, a elevação estará entre 2,9 e 3,8
graus. Hoje a temperatura global está com aumento de quase um grau, comparada
com a do início da era industrial. Entre os fatores que contribuíram para o
aumento estão o derretimento de geleiras e furacões e secas mais frequentes,
diz a análise.
É possível que o futuro seja
ainda mais complicado. Para evitar isso é preciso chegar a uma transição para
economia de baixo carbono, que exigirá investimentos de nada menos que US$ 3
trilhões por ano, 30 vezes mais que os US$ 100 bilhões anuais que tanta
polêmica provocam nas conferências do clima. É decisivo também taxar o uso do
carbono e redirecionar quase US$ 1 trilhão em subsídios a combustíveis fósseis.
Enquanto esses avanços não se
concretizam, a Organização Mundial de Saúde alerta, em Paris (aviv, 8/7/2016),
para os riscos para a saúde causados pelas mudanças do clima; 7 milhões de
pessoas já morrem a cada ano por esses fatores.
Ainda segundo o IPCC, o aumento
da temperatura global “é inequívoco” e pode ultrapassar 4 graus Celsius. Em
qualquer situação, pesa mais sobre a população mais pobre, em toda parte.
Em meio a tanto problema, uma
pesquisa da Nature Scientific (Dia de Campo, 8/7/2016) chama a atenção para o
fato de um levantamento otimista feito na região central do Cerrado brasileiro
haver concluído que os estoques de carbono no solo, no sistema de plantio direto,
em longo prazo podem equiparar-se aos valores observados no Cerrado nativo –
como avaliavam desde 2001 trabalhos desenvolvidos pela Embrapa Cerrados.
Precisamos evoluir para modos de
vida mais adequados, compatíveis com estes tempos, que ainda podem chegar a
situações mais graves. E isso pressupõe conceber e levar à prática políticas
governamentais severas, que obriguem cada cidadão, cada empresa, cada órgão de
governo a assumir a sua parte na equação. Estejam onde estiverem, morem onde
morarem.
Fonte: Washington Novaes – Jornalista - O Estado de S. Paulo
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