Comida e árvores crescem juntas
Enquanto a América Latina segue
cortando suas florestas para expandir sua fronteira agrícola, um de seus
países, a Costa Rica, há décadas rema em sentido contrário, e agora representa
um modelo de convivência entre produção de alimentos e conservação de sua massa
florestal. O informe sobre O Estado das Florestas do Mundo, da Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), revela que, entre 2000
e 2010, 70% do desmatamento da região aconteceu para dar lugar à agricultura
comercial.
“Isso que a FAO menciona que
ocorre em países latino-americanos, que desmatam para criar espaços destinados
a cultivos agrícolas e à pecuária, a Costa Rica viveu nas décadas de 1970 e
1980”, explicou à IPS o diretor do Fundo Nacional de Financiamento Florestal
(Fonafifo), Jorge Mario Rodríguez. Em seu ponto máximo de desmatamento, nos
anos 1980, a cobertura florestal desse país centro-americano se limitou a
apenas entre 21% e 25% de sua superfície. Agora, as florestas cobrem 53% dos
51.100 quilômetros quadrados da superfície.
E mais, o país, onde vivem cinco
milhões de habitantes, conseguiu conter a fronteira agrícola enquanto elevava
os níveis de segurança alimentar, segundo a FAO, que assinala que a Costa Rica
mantém um nível de subalimentação menor que 5%, considerado “zero fome” por
essa organização. “Aqui falamos que há uma lição aprendida: não é necessário
desmatar para produzir mais alimentos”, explicou à IPS o diretor da FAO na
Costa Rica, Octavio Ramírez.
Apesar do aumento na cobertura
florestal, a FAO assinala que o valor médio da produção de alimentos por pessoa
aumentou 26%, entre os períodos 1990-1992 e 2011-2013. E atribui a melhoria na
cobertura vegetal “às mudanças estruturais realizadas na economia e à prioridade
dada à conservação e gestão sustentável das florestas”, que se traduzem em uma
conjuntura socioeconômica específica que as autoridades costa-riquenhas
souberam aproveitar.
“Tem a ver um pouco com a crise
da pecuária desses anos, mas também ao fato de o Estado dar prioridade ao
manejo das florestas”, disse Ramírez, nascido na Nicarágua e com nacionalidade
costa-riquenha. No informe, lançado no dia 18, a FAO explica que, durante
grande parte do século 20, as florestas da Costa Rica eram consideradas “bancos
de terra”, que podiam ser usados conforme a necessidade para atender as
demandas agrícolas. “Era uma ação ruim não cortar a floresta. Era sinônimo de
preguiça ou de não trabalhar a terra”, contou.
Mas, na década de 1980, dois
fatores se aliaram a favor da proteção florestal, disse à IPS o economista
ambiental Juan Robalino. Os preços da carne caíram e o turismo ecológico
começou a encontrar espaço como uma atividade de peso no país, pontuou o
especialista da Universidade da Costa Rica e do Centro Agronômico Tropical de
Pesquisa e Ensino (Catie).
“Isso abriu possibilidades para
gerar políticas interessantes, como o programa de Pagamento por Serviços
Ambientais” (PSA), apontou Robalino, um dos acadêmicos que mais estudou a
cobertura florestal costa-riquenha. O estudo da FAO atribui grande parte do
êxito precisamente ao PSA, um reconhecimento financeiro pelos serviços
ambientais gerados nas atividades de conservação e manejo de florestas,
reflorestamento, regeneração natural e sistemas agroflorestais.
A essência desse programa e sob
administração do Fanafifo, é simples: se um proprietário conserva a cobertura
florestal em sua propriedade, o Estado lhe paga, sob o principio de reconhecer
os serviços ecossistêmicos que as florestas proporcionam. Desde sua criação, em
1997, até 2015, os investimentos em projetos PSA chegaram a US$ 318 milhões.
Seus fundos procedem em 64% dos impostos sobre os combustíveis fósseis e 22% de
créditos do Banco Mundial.
Após estudar por anos o impacto
do PSA, Robalino afirmou que, em 2016, o desafio é buscar proprietários com
menores incentivos para proteger suas florestas e convencê-los com o
reconhecimento financeiro. “A ideia sempre é ver quem vai mudar seu comportamento
com o programa”, disse Robalino.
Pelas próprias limitações
orçamentárias, o programa deve priorizar quais propriedades atende, pois os
pedidos de inclusão são cinco vezes superiores à sua capacidade, segundo
Rodríguez. Assim, foca-se nos serviços ecossistêmicos: captura de carbono,
proteção da água, beleza natural e proteção da biodiversidade.
“Na Costa Rica aprendemos que a
floresta vale mais, não pela madeira, mas pelos serviços ambientais que geram”,
destacou Rodríguez. Agora, o Fonafifo busca aliar-se com o Ministério de
Agricultura e Pecuária para começar um novo programa dirigido a pequenos
proprietários que necessitarem de mais apoio técnico, um caminho que também é
apontado pela FAO.
“O desenvolvimento agrícola para
o mercado interno não requer necessariamente a expansão de áreas de cultivo,
mas sim a coexistência com a floresta e a intensificação da produção,
melhorando a produtividade e a competitividade dos produtores nacionais”,
ressaltou Ramírez.
Tanto a FAO como os especialistas
locais ouvidos pela IPS concordam que o PSA aproveitou uma conjuntura nacional
e internacional para lançar um projeto de sucesso, mas está longe de ser o
único motivo. “O êxito da Costa Rica não se deve exclusivamente ao PSA, mas
também a outras políticas, como o fortalecimento do Sistema Nacional de Áreas
de Conservação, e também à educação”, segundo Rodríguez.
Além desse programa, o país conta
com uma ampla tradição ambientalista: cerca de um quarto do território está
protegido, a lei florestal proíbe a mudança do uso da terra com cobertura
florestal e são ilegais a caça esportiva, a mineração de metais a céu aberto e
a exploração de petróleo. No artigo 50 da Constituição da Costa Rica está
plasmado o direito a um ambiente sadio. “Me lembro da professora do primário dizendo
na aula que era preciso proteger as florestas”, recordou Robalino.
Entretanto, a recuperação da
cobertura florestal não atingiu todos os ecossistemas do país, e deixou
esquecidos particularmente os mangues, que viram diminuir sua extensão nas últimas
décadas. Segundo o informe que o país enviou em 2014 ao Convênio sobre
Diversidade Biológica, a cobertura de mangue passou de 64.452 hectares, em
1979, para 37.420, em 2013, redução de 42%.
Esse ecossistema é
particularmente vulnerável às grandes plantações de monoculturas da costa do
Pacífico, onde o Tribunal Ambiental Administrativo do país denunciou que, entre
2010 e 2014, desapareceram 400 hectares por queimadas, desmatamento e invasões.
Fonte: Diego Arguedas Ortiz - IPS
Comentários
Postar um comentário