ONU aflita com espaços urbanos
O alerta da ONU é para a
gravidade do problema da diminuição dos espaços públicos nas cidades: estas
tendem a ficar sem praças, sem calçadas largas para pedestres nem transporte
público para todos os habitantes.
O espaço público, diz a ONU, deve
ser o centro de todas as atividades sociais, de forma gratuita e digna. E isso
inclui ruas, espaços abertos e instalações públicas – além de exigir que sejam
mais bem planejados para pedestres e moradias. Propõe a ONU uma política urbana
participativa, tanto para bairros antigos quanto novos, que receba mais
recursos das administrações. Mas atualmente acontece o contrário: na média, o
espaço público ocupa apenas 21% do espaço total da superfície, segundo estudos
da própria ONU; e apenas 37% das áreas de desenvolvimento têm planos
urbanísticos que gerem espaços públicos, hierarquias em usos e facilitem a
coesão social.
Há muitas formas possíveis. Para
citar apenas uma, o distrito de Mendoza, na Argentina, implantou – utilizando
águas que escorrem de montanhas geladas para canais construídos – uma
agricultura muito fértil; na cidade, abriu valas junto de calçadas (no lugar de
sarjetas) e nelas plantou árvores em toda a extensão; e plantou e mantém um
parque público extenso, no meio de um bosque nascido também do plantio de
milhares de árvores. Com tudo isso, a cidade, com mais de 120 mil habitantes, é
admirada e procurada como refúgio de turistas.
A ONU considera muito preocupante
que a população mundial já tenha superado 7,3 bilhões de pessoas em 2015 e vá
chegar a 10 bilhões em 2050. Índia, China e Nigéria terão 37% do aumento
populacional. E a população urbana já ultrapassou 3,9 bilhões em 2014, mais de
50% dos quais na Ásia, na Europa, na América Latina e no Caribe.
Este é o grande desafio do século
21: a gestão urbana, seja nas megacidades, com mais de 10 milhões de pessoas
cada (como Tóquio, com 38 milhões; e Délhi, com 25 milhões), seja nas pequenas
ou médias cidades. Isso porque falta planejamento rígido, que crie normas para
todo o espaço e para a verticalização, preservação das áreas públicas e dos
espaços “verdes”, o que pode e não pode ser feito em cada lugar, disciplina do
trânsito e proteção de pedestres (um terço das pessoas nas cidades maiores,
hoje, só se desloca a pé, e parte chega a consumir quase duas horas diárias
para ir ao trabalho e voltar). Sem falar nos sistemas de drenagem, recolhimento
e tratamento de esgotos (cada pessoa gera, em média, 200 gramas diários de
fezes no Brasil – mais de 40 mil toneladas por dia, das quais só 40% recebem
algum tratamento). E isso vale também para cidades com menos de 500 mil
habitantes. Não é preciso esperar que elas cresçam e tenham também
megaproblemas.
Não deve surpreender a informação
de que nas últimas três décadas a Região Metropolitana de São Paulo (hoje com
mais de 20 milhões de habitantes) vem perdendo população para seu entorno e
outros lugares – 300 mil, na década de 1980, e outras 300 mil entre 1980 e
2010. De cada 10 habitantes, 7 gostariam de mudar-se da cidade, como informou
este jornal (20/1/2016). Mas os migrantes encontrarão em outros lugares a mesma
falta de planejamento e disciplina urbana. Na capital paulista, em março,
aprovou-se nova Lei de Zoneamento que “exclui a região central e deixa margem
para reduzir as áreas verdes da cidade” (Folhapress, 5/5/2016). Ela poderá ser
aplicada em 50% da cidade, segundo alguns estudiosos. E poderá deixar de ser
aplicada em 70% a 80% das áreas formadas por lotes com menos de 500 metros
quadrados de área. Lei em análise na Câmara paulistana dobra de 8 andares para
16 andares a altura permitida em 8% da cidade de São Paulo.
Quem pensa em fazer como Oslo, a
capital norueguesa, que está planejando (Corporate Knights, 19/11/2015)
eliminar todos os veículos motorizados da sua área central e abrir mais espaço
para pedestres e bicicletas – mesmo sabendo que apenas 1 mil dos 600 mil
habitantes morem nesse espaço central? Para a cidade toda, planeja-se uma
redução de 20% no trânsito de veículos em toda a área urbana e de 30%, em 2030.
Em Santander, na Espanha, com 180 mil habitantes, o chão, as luminárias, os
ônibus e as lixeiras públicas têm sensores que identificam o nível de poluição
do ar, as vagas livres em estacionamentos, as lâmpadas danificadas ou as
lixeiras que precisam ser esvaziadas – e tudo é transmitido em tempo real para
o órgão municipal responsável, segundo Mariana Lima (Estado, 7/3/2016).
A falta de planejamento e de
controle por aqui é de tal ordem que “áreas de tragédia em São Paulo têm boom
de habitantes : 141% mais em Caieiras e 127% em Mairiporã, desde a década de
1990, ante 41% no Estado” (Folha de S.Paulo, 19/3/2016). O jornal acrescenta:
“Juntas, cidades mais afetadas pelas chuvas cresceram 99%” – um tema para
meditação nestes dias em que graves problemas dessa natureza nos rondam. Quem
estará pensando no nível obrigatório de impermeabilização do solo, que,
desrespeitado, reduz a possibilidade de infiltração de água e aumenta a
possibilidade de inundações? Quem se lembra de que essa mesma
impermeabilização, junto com a refração da energia solar pelos altos edifícios,
ajuda a formar as ilhas de calor localizadas, que atraem chuvas fortes e dramas
para as populações? Ao contrário, a nova Lei de Zoneamento vai alterar dois
itens do atual Plano Diretor e atrair mais veículos, ao permitir apartamentos
maiores e com mais de uma vaga de garagem (25/2/2016).
Quem vai se preocupar com isso
tudo, sabendo que “até 2030 o mundo deve chegar a 41 megacidades com mais de 10
milhões de pessoas” (Estado, 20/3/2016)?
Fonte: Washington Novaes – Jornalista de O Estado de S.
Paulo
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