A importância dos Jardins Botânicos Brasileiros
Nas últimas décadas, os jardins
botânicos, espaços protegidos onde a pesquisa botânica e ciências afins têm seu
berço e desenvolvimento, tornaram-se centros de importância para a conservação
da biodiversidade, passando a intensificar ações para promover, junto aos
visitantes, a percepção dos impactos da ação humana sobre o meio ambiente e a
consciência sobre os efeitos negativos da perda da biodiversidade, motivando-os
a participar de um ciclo de desenvolvimento sustentável. Hoje, mais e mais
jardins botânicos, em qualquer parte do mundo, estão envidando esforços para
conter os graves problemas ambientais decorrentes da destruição e fragmentação
de habitats e da alta taxa de extinção de espécies.
No cenário da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB), os esforços mundiais para remediar a perda de
espécies vegetais não têm surtido resultados na velocidade desejada. Na
tentativa de reverter essa situação, os jardins botânicos têm se aliado aos
movimentos das organizações que estabelecem diretrizes para conservação da vida
vegetal no planeta, como é o caso da Estratégia Global para a Conservação de
Plantas. Esse marco contemporâneo estabelece objetivos e metas que têm
orientado os jardins botânicos no desenvolvimento de suas próprias estratégias e
planos de ação, visando à cooperação com os governos no cumprimento de seus
compromissos relativos à conservação da biodiversidade.
A origem dos jardins botânicos
remonta ao século XVI, quando foram criados na Europa com o objetivo de
cultivar e estudar plantas de uso medicinal, o que deu início às primeiras
coleções de plantas desidratadas para fins científicos. No Brasil, a primeira
iniciativa para formar um jardim botânico foi do príncipe Maurício de Nassau,
no século XVII; esse jardim existiu junto ao Palácio de Friburgo, em Recife
(PE), entre 1637 e 1644. No século seguinte, o Jardim Botânico do Grão Pará,
implantado em Belém em 1798, com o objetivo de aclimatar espécies exóticas e
domesticar plantas nativas, teve papel importante no intercâmbio de vegetais
entre os jardins botânicos que caracterizou a rede de jardins botânicos
luso-brasileira de 1796 a 1817. A experiência bem sucedida desse jardim
botânico serviu de incentivo para a criação de outros, como o do Rio de
Janeiro, o de Olinda, o de Ouro Preto e o de São Paulo.
O Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, estabelecido em 1808, ampliou-se e consolidou-se como principal sítio
de recepção de espécies vegetais, oriundas principalmente de Belém e Caiena, e
como centro de aclimatação de especiarias, cujas atividades incluíam o
aperfeiçoamento do transporte das mudas e sementes, a constituição de viveiros
para semeá-las, o transplante dos vegetais para diferentes áreas e a observação
da necessidade de incidência de sol, sombra, água etc, de cada um deles. Tais
atividades tornaram-se prioritárias nos jardins botânicos no século XVIII e
XIX, face à importância dos descobrimentos e ao interesse dos governantes em
espécies economicamente relevantes para a cultura das nações. Com isso, também
as técnicas de horticultura evoluíram e a tecnologia para cultivo de plantas
ganharam escolas importantes no cenário mundial.
A Rede Brasileira de Jardins
Botânicos (RBJB), fundada em 1991 sob o estímulo do Botanic Gardens
Conservation International (BGCI), foi um elemento catalisador para a criação
dos jardins botânicos contemporâneos. Sua atuação visa à aplicação dos acordos
e convenções da área ambiental e à adoção da temática da conservação na
concepção e no estabelecimento da missão dessas instituições. Os técnicos,
pesquisadores e dirigentes que fundaram a RBJB trabalharam intensamente no
projeto de ampliar e estimular a cooperação e o intercâmbio entre os jardins
botânicos e outras instituições que mantivessem coleções científicas de plantas
vivas. A partir dessa premissa, foram estabelecidos os seus principais
objetivos: promover a cooperação entre jardins botânicos e instituições
congêneres; estimular o estudo da botânica e a conservação da biodiversidade; e
apoiar a criação e desenvolvimento de novos jardins botânicos.
O quadro ambiental mundial é
alarmante e o número de jardins botânicos brasileiros, hoje apenas 34, é
insuficiente para atender à demanda de conservação das espécies ameaçadas pela
devastação dos biomas e expansão das fronteiras urbanas e agrícolas. Os jardins
botânicos brasileiros estão localizados em 17 estados da federação, com uma
concentração na região Sudeste, sendo São Paulo o estado com o maior número
deles. Integrados no esforço de apoiar as iniciativas nacionais e
internacionais direcionadas à redução da perda da diversidade vegetal, os
jardins botânicos brasileiros, reunidos na RBJB, elaboraram um plano de ação
com uma agenda de trabalho para orientar sua atuação na documentação e
conservação da flora, na educação ambiental e no uso sustentável da diversidade
vegetal. As metas traçadas nesse plano, a serem alcançadas até 2014, demonstram
a importância e a potencialidade dos jardins botânicos em seu papel para a
consolidação dos objetivos da Estratégia Global de Conservação de Plantas; por
outro lado, o próprio delineamento dessas metas identifica e reflete a
complexidade que envolve o seu cumprimento, e expõe, indiretamente, a
fragilidade dos jardins botânicos diante de semelhantes desafios. Para cada
meta traçada no plano podem-se identificar não só as potencialidades como as
dificuldades que os jardins botânicos enfrentam para alcançá-las. Um exemplo
que pode ser citado refere-se à meta 2A, que visa a "garantir a proteção
das espécies nativas em seus habitats naturais". Os jardins botânicos
devem contar com parcerias para cumprir essa meta, pois não são responsáveis
pela criação e gerenciamento de áreas protegidas no Brasil. Embora a maioria
deles mantenha áreas com vegetação natural nos limites urbanos, que se
caracterizam como importantes campos de experimentação para estudos ecológicos
e monitoramento de populações in situ, tal proximidade, se por um lado
potencializa as atividades desenvolvidas junto ao público visitante, por outro
submete essas reservas às pressões do crescimento da cidade e conflitos com
comunidades adjacentes, sujeitando-as a invasões frequentes e a perda de
território em embates jurídicos. Os estudos que os jardins botânicos conduzem
em suas áreas naturais envolvem, predominantemente, o inventário florístico e
fitossociológico, a recuperação de áreas degradadas utilizando espécies da
fisionomia local, fenologia e coleta de sementes para produção de mudas.
No que se refere à conservação in
situ de espécies focais, o fato de estarem em áreas protegidas não é garantia
de sua conservação. Esses autores sugerem que a dinâmica das mudanças
ecológicas pode levar a mudanças consideráveis na composição das plantas e
animais num curto período de tempo, e que, a menos que haja uma ativa
intervenção no ecossistema ou o manejo específico de indivíduos na população, a
sobrevivência das espécies focais pode não estar sendo assegurada; faz-se
necessário, no mínimo, o monitoramento das populações.
A maior parte dos jardins
botânicos brasileiros está situada em área de ocorrência da Mata Atlântica,
considerado um hotspot pelo grande número de espécies endêmicas – aquelas
restritas a um ambiente específico – e pela elevada perda de habitats a que vem
sendo submetido. Uma proporção menor de jardins botânicos está estabelecida nos
biomas da Amazônia e do Cerrado, este último também considerado como um
hotspot. Para os demais biomas não há registro de jardins botânicos. Diante do
panorama que se apresenta, faz se necessário a criação de instituições dessa
natureza nos demais biomas visando à conservação e divulgação do conhecimento
tradicional sobre as espécies da Caatinga, da diversidade florística e
fisionômica do Pantanal e da vegetação dos Campos Sulinos, esta última sujeita
a pressão pela pecuária, pela introdução de espécies forrageiras exóticas e
pelo fogo. A definição pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) das áreas
prioritárias para conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da
biodiversidade nos biomas brasileiros constitui um importante instrumento de
orientação, não só para a criação de novos jardins botânicos como também para o
fortalecimento das ações daqueles já estabelecidos.
As metas do plano que dizem
respeito à conservação ex situ levam em conta as potencialidades dos jardins
botânicos em atender à sua tradicional incumbência de conservar plantas ou
material vegetal em coleções mantidas fora do seu habitat natural. No entanto,
a garantia de "inclusão de, no mínimo, 50% das plantas nativas
criticamente ameaçadas em suas coleções vivas", como preconizado na meta
2B, é um fator de grande complexidade, tendo em vista as condições que envolvem
a conservação de espécies raras e ameaçadas. A proposição, portanto,
dificilmente poderá ser cumprida no prazo de 2014 previsto pelo plano de ação.
Apesar de alguns jardins
botânicos contarem com um elevado número de espécies em suas coleções, nem
todas elas atendem aos requisitos necessários para que se possa considerá-las
como coleção de conservação. O conjunto de requisitos para a formação de uma
coleção de conservação envolve, entre outros, o registro de coleta dos
exemplares, com os devidos dados da procedência, e a necessidade de uma ampla
variabilidade genética de cada espécie representada. Isso significa manter em
estoque o maior número possível de exemplares da espécie, representantes de
diferentes procedências. A própria condição de ameaça da espécie e a carência
de dados sobre sua ocorrência podem dificultar a representatividade da coleção.
Uma outra dificuldade que pode vir a comprometer o alcance da diversidade
genética representada nas coleções é a limitação de espaços físicos enfrentada
pela maioria dos jardins botânicos, seja por sua localização em meio urbano,
seja pelas múltiplas funções assumidas que restringem o espaço para as
coleções.
Os jardins botânicos mais antigos
mantêm em suas coleções exemplares cujos dados de procedência não foram
anotados ou se perderam no tempo. Essas coleções assumem um valor, sobretudo,
histórico, uma vez que seu valor científico para conservação é limitado. No
entanto, atualmente todos estão se adequando às recomendações dos instrumentos
normativos no sentido de dar enfoque à conservação da flora local, e coleções
com bases científicas para conservação já se fazem presentes em alguns jardins
botânicos.
Estratégias
de Ação
No planejamento das estratégias
de conservação da flora nativa, os jardins botânicos vêm procurando atenuar o
embate entre o tempo necessário para suprir a carência de informações sobre as
espécies raras e ameaçadas e a velocidade de degradação dos habitats. Até que
seja gerado o conhecimento básico sobre seu cultivo, biologia reprodutiva e
armazenamento de sementes necessários à conservação da espécie, os sítios de
ocorrência da espécie podem estar sendo degradados e perdas irrecuperáveis de
diversidade da espécie, senão de populações inteiras, podem ocorrer. Nesse
sentido, cabe aos jardins botânicos estabelecer parcerias e prioridades de
ações de conservação para as espécies ameaçadas da flora brasileira, cuja lista
oficial foi recentemente divulgada pelo MMA. Por outro lado, medidas urgentes
devem ser tomadas pelo governo e agências de fomento para concessão de
incentivos e apoio financeiro aos projetos de resgate e conservação, visando à
exclusão de algumas espécies da referida lista e ao aumento do conhecimento
sobre aquelas citadas com insuficiência de dados.
Os jardins botânicos,
impulsionados pela necessidade de remediar a redução da diversidade nos
ambientes terrestres, estão convergindo suas linhas de pesquisas para a solução
de problemas ambientais. Testes com novas espécies de plantas, como as
bio-indicadoras de poluição atmosférica, ensaio para armazenamento a longo
prazo de sementes de espécies ameaçadas e estudos de resgate e re-introdução de
espécies de ambientes relictuais ameaçados, para citar apenas alguns exemplos,
tornam-se pesquisas correntes. As comunidades locais também são beneficiadas
por ações que resultam na introdução de novas espécies de plantas econômicas,
na criação de ambientes que propiciem bem-estar e segurança, na contribuição
para o progresso e o embelezamento das cidades, e na promoção da educação
continuada e da conscientização pública. Este último aspecto, sobretudo, tem
sido foco das ações dos jardins botânicos brasileiros, que vêm buscando, de
várias maneiras, superar as dificuldades que lhes são impostas e, nos últimos
anos, promoveram um grande avanço nas ações de conscientização do público, em
especial da comunidade escolar, sobre a importância da conservação da
biodiversidade. O "Projeto jardim botânico vai à escola", criado pela
Rede Brasileira de Jardins Botânicos, é um exemplo bem-sucedido, que teve
repercussão nacional ao integrar 22 jardins botânicos na adoção de metodologias
e materiais didáticos comuns a todos, enriquecidos, entretanto, com
particularidades de cada região. Um grande número de escolas e alunos foi
atendido e os jardins botânicos seguem implantando o projeto, em alguns casos
com o apoio das secretarias municipais de educação.
Sobre a integração de técnicas de
conservação in situ e ex situ, uma análise do panorama atual dos jardins botânicos
que leva em consideração seu estágio de desenvolvimento, corpo funcional e
estrutura física e administrativa revela que nem todos estão capacitados para
conduzir os estudos multidisciplinares necessários. Em avaliação feita pela
RBJB foi verificado que, na maioria dos jardins botânicos, os recursos
financeiros destinados às suas atividades-fim, sejam de pesquisa, conservação
ou educação ambiental, correspondem a menos de 50% do orçamento. Outra questão
problemática é que, na maioria dos casos, o quadro de pessoas permanente também
corresponde a menos de 50% do total de recursos humanos da instituição. A
instabilidade da equipe sujeita a sucessivas trocas nas mudanças de governo,
dificulta a continuidade das ações programadas.
Neste momento, quando se esperam
ações concretas dos jardins botânicos em resposta aos compromissos assumidos
pelo Brasil junto à Convenção sobre Diversidade Biológica, é necessário que
seus órgãos gestores mantenham um quadro funcional permanente e garantam a sua
continuada capacitação, a melhoria e modernização da infra-estrutura física e
laboratorial, e uma dotação orçamentária adequada à condução das atividades
previstas em sua missão institucional. Os jardins botânicos estão cientes de
seu importante papel no assessoramento técnico a dirigentes e executores do
planejamento e execução de estratégias nacionais de conservação. A interface da
ciência com os tomadores de decisão e com o público em geral é estratégica para
promover uma cultura cada vez mais científica, humanista e zelosa com as
riquezas ambientais. Avanços nesse sentido podem ser vislumbrados considerando
as perspectivas apresentadas pelo governo federal ao estabelecer as metas
nacionais para biodiversidade, que corroboram a responsabilidade dos jardins botânicos
na tarefa de conservar a flora brasileira.
Os jardins botânicos brasileiros
podem ser identificados como parceiros no plano estratégico do Ministério de
Ciência e Tecnologia que prevê a estruturação de redes de pesquisa voltadas
para a inovação de produtos e processos derivados da biodiversidade, bem como
para o atendimento das demandas de estratégias de planejamento,
desenvolvimento, conservação e uso sustentável no território nacional. Para
tanto, eles podem contribuir principalmente na geração de conhecimentos sobre a
taxonomia de espécies ameaçadas da flora regional, inventários florísticos e
fitossociológicos, monitoramento de áreas em restauração ecológica, e ainda na
difusão dos conhecimentos gerados pelas investigações científicas.
O reconhecimento da importância
da missão dos jardins botânicos por parte de instituições governamentais,
não-governamentais e privadas é fundamental para a formação das parcerias que
auxiliarão na geração do conhecimento sobre a flora brasileira. Ao trabalharem
em rede – a RBJB – os jardins botânicos demonstram estar imbuídos da
necessidade de agir localmente em busca de soluções globais para problemas que
afetam a conservação dos recursos vegetais vitais ao planeta.
Fonte: Tânia Sampaio Pereira e Maria Lúcia M. Nova da Costa
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