Um desafio brasileiro na Amazônia
Para compreender a Amazônia é
preciso em primeiro lugar abandonar grandes mitos. É claro que os 6 milhões de
quilômetros quadrados de floresta tropical que cobrem esse imenso território,
colaboram para retirada do gás carbônico da atmosfera e regulam a distribuição
de chuvas de quase metade do Continente americano, mas a Amazônia não é o
pulmão do mundo.
Segundo a geógrafa e pesquisadora
Bertha Becker, a Amazônia já é uma floresta urbanizada, o que para os
especialistas é motivo de polêmica. Floresta urbanizada porque registrou a
maior taxa de crescimento urbano do país nas últimas três décadas. E de acordo
com o último censo de 2000 do IBGE, quase 70% da população na Região Norte vive
em núcleos urbanos com uma das piores distribuições de renda do País. A falta
de infra estrutura e de serviços condena o reconhecimento desses núcleos como
pequenas cidades, apontadas ainda como aglomerados inchados meio rurais e meio
urbanos.
O fato é que, além de florestas
tropicais virgens e índios, há pecuária, cada vez mais melhorada geneticamente,
grandes plantações de soja, muito minério de ferro, manganês e cobre, polos
industriais como em Manaus e, inclusive, estradas nesta grande área já
incorporada à economia local e global. A riqueza natural e o crescimento expressivo
da região, a cultura dos índios, caboclos e brancos, atraem o interesse dos
investidores nacionais e internacionais e têm gerado disputas pelo acesso à
biodiversidade, que atrasam o desenvolvimento da Lei para regular esse acesso,
especialmente quando a necessidade de pagamento de dividendos à população local
pelas atividades produtivas realizadas a partir dos seus conhecimentos sobre a
floresta é considerada nas convenções internacionais.
O Brasil precisa estar mais do
que nunca atento à implementação desta Lei para garantir o desenvolvimento
sustentado e a autonomia brasileira. A questão da biodiversidade envolve ainda
um imenso conflito entre interesses na apropriação de terras visando o
crescimento econômico através da agropecuária e da exploração da madeira em
grande escala - o que acarreta a destruição da floresta - e de interesses da
produção familiar e de ambientalistas visando a permanência dos pequenos
produtores e do patrimônio natural. “Até recentemente esse conflito se
expressava em duas políticas públicas paralelas e igualmente conflitantes.
Hoje, há quem reconheça que se trata de uma falsa dicotomia, pois que o
desenvolvimento é necessário e demandado por todos, implicando na
compatibilização do crescimento econômico com compromisso social e ambiental”,
explica a geógrafa e pesquisadora Bertha Becker.
Por isso, o Presidente Lula tenta
construir e implantar uma série de medidas para acelerar o processo de
liberação de licenças ambientais para obras nos setores de energia elétrica,
mineração e transporte, lutando contra o que alguns chamam de “burocracia
ambiental“, enquanto diferentes representações civis reagem de modos distintos
à essa diretriz, inclusive a comunidade científica, que demanda verbas
nacionais para o desenvolvimento de seus projetos de pesquisas sem atendimento
pleno e muitas vezes, acaba recorrendo aos investimentos estrangeiros
associados aos interesses externos, para poder desenvolver os trabalhos e
constituir tecnologia e know-how brasileiros no aproveitamento das riquezas da
floresta. Há muitas reivindicações e ações políticas contraditórias na
Amazônia, até porque é uma região extremamente heterogênea, ao contrário do que
a maioria acredita.
A
diversidade da floresta em detalhe
Podemos identificar pelo menos
três amazônias distintas. A primeira é a Região de povoamento consolidado
formada por grandes extensões de Cerrado do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão e
as áreas desmatadas do Sudeste do Pará, que por ter sido a grande expansão da
fronteira agropecuária, passou recentemente a ser denominada de Arco do Fogo ou
do Desmatamento, ou ainda das terras degradadas. A segunda Região é a da
Amazônia Central, cortada pelas novas estradas oficialmente previstas nos
planos plurianuais do Governo Federal, os PPA e “espontâneas”, estendendo-se do
centro do Pará e extremo Norte de Mato Grosso à estrada Porto Velho - Manaus.
Nesta região há grande proporção de áreas florestais, terras indígenas e
virgens, extrativismo e produção agrícola familiar, o que a torna extremamente
vulnerável à implantação dessas estradas e aos conflitos agrários, necessitando
de ações políticas e conservacionistas urgentes geradoras de expansão ordenada.
A área mais preservada é a
terceira, a Amazônia Ocidental, que corresponde basicamente aos Estados do
Amazonas, do Acre e parte de Roraima. Reune vastas extensões de florestas,
recursos minerais e expressivas várzeas formadas pelo Rio Solimões e seus
afluentes que, permanecendo à margem das grandes rodovias implantadas no
passado, ainda são comandados pelo ritmo da natureza. Uma de suas maiores
riquezas é a sócio diversidade.
Há forte presença de população
indígena e de caboclos. As forças armadas constituem um contingente expressivo
na região também marcada pela vulnerabilidade das fronteiras políticas com a
Colômbia, Peru e Bolívia, em função do narcotráfico e da lavagem de dinheiro. A
fronteira com a Venezuela em Roraima, pelo contrário, se configura como uma
possibilidade de integração continental marcada pela rodovia e pelo
fornecimento da hidrelétrica de Guri. Vale destacar que Manaus tende a
funcionar como a capital da grande fronteira amazônica, situada próxima ao
corredor de circulação Noroeste e às grandes extensões florestais não só da
Amazônia brasileira, mas também da Sul-americana. A maior potencialidade desta
região, porém, é a imensa disponibilidade de águas.
A gestão
local e global da água
Alguns dos principais interesses
públicos e privados para traçar políticas de tratamento e comercialização da
água foram revelados ainda no governo Fernando Henrique Cardoso no seminário
“Água, o desafio para o próximo milênio” em Julho de 1999, onde foram
discutidos os anteprojetos de Lei para a criação da Agência Nacional de Águas
(ANA) e do Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNGRH). A lei 9.433/97 sobre
recursos hídricos funciona como instrumento técnico para a ANA alcançar seus
objetivos básicos em relação ao planejamento e aproveitamento da água.
Mesmo assim, segundo o Secretário
Estadual de Recursos Hídricos, Paulo Loes, o Estado do Amazonas enfrenta um
atraso em relação às outras regiões do Brasil e aos outros países na formulação
de políticas públicas e na consequente operacionalização de ações para o uso
local da água e para a exportação. “O Plano Nacional de Recursos Hídricos da
ANA está em desenvolvimento e a Lei Estadual 2712 serve de base para o
aproveitamento da água no Amazonas, mas ainda não foi regulamentada, é
necessário criar o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, a outorga, o direito
de uso e a cobrança. Até o mês de junho, pretendemos formular uma política
pública de maneira precisa para garantirmos os instrumentos de fiscalização
necessários para a sua aplicação pelo Instituto de Proteção Ambiental da
Amazônia - IPAAM, como o controle das águas dos lençóis subterrâneos”, afirma.
A Secretaria Estadual de Recursos
Hídricos conta com um orçamento anual de 500 mil Reais aplicados na educação
ambiental e na recuperação dos igarapés e realiza outras ações ecológicas
através de parcerias. Recentemente, recebeu do MMA e da Unesco recursos no
valor de US$ 8 milhões, sendo um milhão e meio liberados para este ano, para
preservar a biodiversidade, investindo no manejo da fauna e nas reservas
florestais ao longo do Rio Negro. A Secretaria Estadual de Recursos Hídricos
pertence a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
do Amazonas, cuja principal diretriz é tentar realizar um Projeto de Gestão
Ambiental Integrado. E sua estratégia é mobilizar a participação comunitária
nos projetos de preservação da natureza, a partir do PPG-7, programa piloto de
proteção das florestas tropicais.
Um dos maiores projetos é o do
Corredor Central da Amazônia, orçado na primeira fase em 800 mil dólares e em
11 milhões e 600 mil dólares na segunda etapa. O objetivo é instalar 17 bases
comunitárias e 16 postos de fiscalização numa área de 4 milhões e meio de
hectares em torno do baixo Rio de Negro para evitar a caça, o manejo ilegal de
madeira, os dejetos irregulares e tentar não perder a qualidade da água.
Fiscalizar esse corredor ecológico e recuperar as bacias urbanas são os
principais desafios do governo estadual para evitar a destruição da
biodiversidade e a contaminação da água. Essas ações políticas estaduais para
conservação dos recursos hídricos, baseada na lei 2712, pretendem estabelecer
uma diretriz para a cobrança do uso da água do Amazonas.
Mas, segundo Anna Eunice Aleixo,
ex-Secretaria Executiva Adjunta de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, é preciso ainda desenvolver e implantar
um modelo brasileiro para a exportação da água, a nova commodity internacional,
porque ao contrário dos outros países não enfrentamos a escassez, mas a
abundância. “Temos a maior concentração de água doce do Planeta”, ressalta.
O aproveitamento da água implica
numa inserção internacional sem perda da autonomia brasileira na gestão de seus
próprios recursos. Um desafio nada trivial: “Não se trata de xenofobia, mas de
encarar a realidade do mundo globalizado e competitivo. Os investimentos
internacionais estrangeiros estão presentes em todos os países, inclusive nas
maiores potências, e são fundamentais para o desenvolvimento almejado no
Brasil.
A estratégia básica para garantir
a autonomia são as negociações adequadas, baseadas em clara definição das
regras do jogo, o que depende de políticas públicas concentradas, fundadas em
amplas parcerias domésticas e externas - no caso da Amazônia com os países
vizinhos - e legitimadas pela sociedade”. Conclui a geógrafa Bertha Becker.
A cooperação técnica, científica
e financeira é mesmo fundamental nesse processo. Hoje, pesquisadores e
cientistas que dedicam seus estudos à região amazônica já podem acessar, pela
Internet, os dados coletados nos últimos dez anos pelo Projeto HiBAm
(Hidrologia e Geoquímica da Bacia Amazônica).
O Projeto HiBAm é fruto da
cooperação entre Brasil e França, por intermédio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do CNPq e do IRD, que é uma
instituição pública francesa que apóia a pesquisa para o desenvolvimento.
O objetivo do projeto é
desenvolver estudos e pesquisas para o melhor conhecimento das características
hidrológicas e geoquímicas ocorrentes nos rios da bacia do Amazonas. Sem
dúvida, de acordo com a coordenadora francesa do HiBAm, Laurence Maurice, os
dados coletados têm contribuído para o desenvolvimento de projetos de previsão
de enchentes, condições de navegabilidade, especialmente no rio Madeira,
estudos de impacto ambiental e aperfeiçoamento de novas técnicas de medições.
Mas, se a cooperação
internacional pode contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico,
também pode ameaçar a autonomia nacional na gestão e aproveitamento dos seus
recursos naturais. O fato é que curiosamente toda a água do Estado do Amazonas
é distribuída por uma empresa privada de origem francesa chamada Águas do
Amazonas, que pertence à holding Suez, presente em 130 países e é um dos
maiores grupos de serviços do mundo atuando nas áreas de meio ambiente e
energia. No Brasil a marca Suez é representada pela Suez Ambiental, que também
atua nos segmentos de água, resíduo e saneamento, assim como na área de
energia, empregando cerca de 12 mil pessoas em 10 estados brasileiros. A
Amazônia não é a única região do país onde os serviços de saneamento,
abastecimento e captação de água são privatizados, inclusive por outras
empresas. Vale destacar, porém, que as atividades da Águas do Amazonas já estão
chegando a outros países que compõe a Amazônia sul-americana como a Venezuela.
A empresa funciona na Amazônia há pouco mais de três anos através de concessão.
Para garantir o abastecimento de água tratada em Manaus, a empresa Águas do
Amazonas conta com modernas estações de tratamento dotadas das mais avançadas
tecnologias no seu processo de potabilização. O sistema de flotação, um dos
maiores e mais modernos do país, assegura fornecimento de água com qualidade
exigida pela população e organismos sanitários nacionais e internacionais. A
empresa já investiu mais de R$ 400 milhões em 2 anos (2001-02) na implantação
de toda a gestão operacional do abastecimento de água. E possui hoje 215.510
clientes ativos.
Se por um lado a população começa
a ser beneficiada por esse abastecimento, por outro lado o País pode vir a
perder o controle da comercialização da moeda do Terceiro Milênio e do
aproveitamento da maior concentração de água doce do Planeta. A água é um bem
que representa garantia para todas as formas de vida. É preciso, porém, ações
urgentes na implantação de modelos nacionais de desenvolvimento sustentável
para o Brasil não perder seus recursos e garantir a qualidade de vida da
população no território nacional.
Fonte: Beatriz Becker - Jornalista e professora UFRJ
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