Complexidade e Sustentabilidade
No “mundo em desenvolvimento”,
tanto quanto no “mundo desenvolvido”, vários fatores contribuem para o
surgimento e agravamento dos problemas ambientais, tais como: o crescimento
populacional, a industrialização, a urbanização acelerada, a poluição e o esgotamento
dos recursos naturais; sendo que a forma como estes fenômenos se organizam e se
reproduzem vem causando uma degradação crescente e de efeitos imprevisíveis ao
meio ambiente planetário – isto em função de até bem pouco tempo o meio
ambiente ser considerado como um bem livre (e ainda o é) ou quase livre, o que
é consequência da visão de mundo da sociedade ocidental capitalista, atualmente
nomeada como “sociedade globalizada”.
Neste cenário criado pela ação
humana, no qual o mundo contemporâneo é desnudado em suas intenções de domínio
da natureza, ecologia, eco desenvolvimento, desenvolvimento sustentável,
economia ecológica e economia do estado-estável, entre outros léxicos que
compõem o quadro teórico-conceitual sobre o tema meio ambiente e desenvolvimento,
mostram-se como sendo mais do que um movimento de “modismos” intelectuais;
expressam a crescente preocupação dos diversos segmentos sociais com a
constatação de que a organização social que emergiu desde a revolução
industrial, está colocando em cheque1 a sobrevivência da espécie humana; como
também, pondo em risco a sobrevivência de centenas de milhares de outras
espécies de seres vivos e, como se não fosse suficiente, o próprio meio
ambiente é colocado na “linha de frente” da ação-degradação global ora em
curso.
Desvelando
o desenvolvimento
As inovações tecnológicas que
perseguem a otimização do processo de produção, via de regra, não levam em
conta os efeitos nocivos sobre o meio ambiente – as externalidades, ou seja, os
custos sociais devido à poluição do meio externo à planta industrial, como
também, a depleção dos recursos naturais –, o que fica claro, principalmente,
quando os custos ambientais da atividade econômica ultrapassam a capacidade
assimilativa do meio ambiente, que serve como espaço de despejo de toda sorte
de resíduos – afinal, tem sido até agora, economicamente eficiente conduzir de
forma ecologicamente ineficiente, o modelo de civilização vigente.
Com o agravamento dos índices de
poluição e seus efeitos nocivos à saúde humana e aos diversos ecossistemas,
surge nos países mais industrializados, uma maior pressão social sobre os
problemas ambientais. A ação governamental, regra geral, atua através da
demarcação de áreas de conservação e preservação ambientais, do estabelecimento
de padrões mais rigorosos de emissão de poluentes industriais, da
internalização dos custos ambientais pagos em grau cada vez maior pelas
atividades econômicas que os produzem (repassando os custos aos consumidores),
da criação de equipamentos sofisticados de antipoluição e, também, do
desenvolvimento de plantas industriais mais limpas com a consequente exportação
de indústrias poluidoras para os países em desenvolvimento, levando a estes um
“surto” de progresso.
De fato, não há como negar a
necessidade do desenvolvimento social da humanidade; mas, de qual espécie de
desenvolvimento estamos falando? Como esse desenvolvimento vem sendo posto em
prática? E para quem é realizado o desenvolvimento? Será que as realizações do
desenvolvimento baseado na determinação do crescimento econômico estão sendo
tão prodigiosas a ponto de não suscitarem um questionamento amplo e profundo em
suas bases teórico-conceituais?
O que percebemos, atualmente, é a
emergência de uma série de problemáticas que estão ligadas ao processo de
desenvolvimento técnico-científico, de seus usos, de suas formações,
conformações e transformações, no e do meio ambiente natural e cultural. Este
“mosaico” de problemáticas é designado em sentido amplo como questões
ambientais – que englobam as diversas dimensões da organização planetária.
O eixo subjacente à reflexão
teórica que surge sob a égide das questões ambientais é a noção e,
posteriormente, a construção do conceito de desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento sustentável vem
sendo divulgado por todo o planeta como uma forma mais racional de prover uma
qualidade de vida equânime e socialmente justa. Este conceito adquiriu maior
expressão através do Relatório Brundtland – NOSSO FUTURO COMUM –, encomendado
pela ONU, e através da Conferência UNCED-92 (Eco-92), realizada no Brasil, na
cidade do Rio de Janeiro em 1992.
O conceito de desenvolvimento
sustentável apresenta três níveis fundamentais, quais sejam: sustentabilidade
da sociosfera, sustentabilidade da biosfera e sustentabilidade da ecosfera.
Sendo que cada um destes subsistemas está interligado aos demais, alimentando
perenemente o conceito de sustentabilidade através do princípio da
recursividade, não havendo, portanto, o privilegiamento de um nível sobre os
demais.
Sustentabilidade é o modo de
sustentação, ou seja, da qualidade de manutenção de algo. Este algo “somos
nós”, nossa forma de vida enquanto espécie biológica, individualidade psíquica
e seres sociais. Obviamente, que também se inclui no princípio da
sustentabilidade, o meio ambiente - lato sensu - e as demais formas de vida do
planeta – afinal, embora o ser humano possua autonomia de existência, não
possui independência da natureza. Por mais que nos mostremos seres sócio culturais,
ainda somos, também, seres biológicos!
Complexidade
A grande questão com que nos
defrontamos atualmente é de como articularmos as várias informações
(científicas e de outros campos do saber humano) em um todo consistente e
coerente para mantermos uma uniformidade organizativa, sem sufocarmos a
diversidade criativa do saber-fazer humano. Uma sugestão para tal intento, são
os estudos apoiados na Complexidade, elaborados, entre outros, por Edgar Morin,
em sua obra intitulada, O Método, composta de quatro volumes, onde é destacada
(principalmente nos dois primeiros volumes) a importância de uma organização
pautada pelo macro conceito de auto eco organização através dos princípios da
dialógica, da recursividade organizacional e do princípio hologramático, para
se viabilizar uma sociedade sustentável.
A auto eco organização,
sucintamente, é o entendimento de que todos os fenômenos de organização são de
duas ordens: uma autônoma e outra dependente. Na autonomia temos a concepção
daquilo que é interno ou próprio à organização e que dá a sua identidade enquanto
tal. Na dependência temos o entendimento dos diversos níveis de relações; ou
seja, da interdependência dos fenômenos organizacionais. A dialógica é o
entendimento dos fenômenos como simultaneamente concorrentes, antagônicos e
complementares. A recursividade organizacional postula a não linearidade da
relação causa e efeito, mas sim, o constante fluxo e refluxo, onde causas e
efeitos se alternam como origens e consequências dos fenômenos, gerando uma
complexa sinergia. O princípio hologramático diz respeito à imbricada relação
entre a parte e o todo, onde o todo é maior ou menor que a soma das partes,
sendo que o todo contém a parte e nela está contido.
O fenômeno organizacional deve
ser visto, então, como uma teia complexa, onde ordem e desordem estão ligadas e
compõem a tessitura da própria organização na sua
sustentabilidade/insustentabilidade através de ciclos que se reciclam, ora
reprimindo, ora inovando o processo de auto eco organização.
O princípio da sustentabilidade,
embora seja um conceito antropocêntrico, possui a dimensão crítica da
necessidade de co evolução do ser humano e demais formas de vida, com e no meio
ambiente natural e ambiente antrópico, como o expressa tão bem Fritjof Capra,
em sua obra, A Teia da Vida, onde ressalta a necessidade da alfabetização
ecológica da humanidade; ou seja, de uma prática educativa transdisciplinar que
seja precursora de um novo ser humano que possua de forma marcante e inegável,
a percepção e a consciência da interdependência entre os sistemas bióticos e
abióticos em seus vários níveis de relações. A sustentabilidade, aqui,
portanto, é percebida como um exercício de simbiose e cooperação.
Assim, temas como poluição,
biodiversidade, exploração de recursos naturais renováveis e não renováveis e
efeitos climáticos complexos, devem ser relacionados (tanto para análise quanto
para a implementação de soluções) ao desemprego, pobreza e riqueza, inovações
tecnológicas, valores culturais, organização política e organização social. Ou
seja, as dimensões do social e do natural estão imbricadas de tal forma, que o
modo de apreensão desses eventos é de fundamental importância, isto é, a
percepção do observador (científico ou não) enquanto criador/produtor, processo
e criatura/produto.
Fica claro que pensar a sustentabilidade
não é tarefa apenas de um ramo científico, nem mesmo de um setor específico da
sociedade. Também é desvelada a condição de insustentabilidade na qual nos
encontramos e que por quase um século, acreditamos ser plenamente viável.
Daí a necessidade de refletirmos
que o conceito de desenvolvimento tem sido considerado de forma unidimensional
de acordo com a prática do crescimento econômico industrial ilimitado, quando
na verdade, o desenvolvimento que é posto em ação comporta uma multiplicidade de
ideias e concepções (conscientes ou não) que revelam a sua complexidade. Como
exemplo, cito dois aspectos.
Todo desenvolvimento significa "desenvolver"
algo que está envolvido, ou seja, abrir, desfazer, destruir, para reorganizar e
reenvolver o que foi "desenvolvido" em um novo padrão, em uma nova
estrutura, com outras propriedades e funções. Este processo não pode ser
considerado apenas de um ponto de vista do “progresso humano”, do avanço da
técnica e do conhecimento científico, como se não houvesse o outro “lado da
moeda”, o subdesenvolvimento!
O segundo aspecto é justamente o
subdesenvolvimento, o regresso que está contido na ideia de desenvolvimento e
progresso. Existe tanto o aspecto prejudicial da própria técnica, como por
exemplo, os dejetos radioativos da produção nuclear, quanto às sequelas
político ideológicas, tão bem representadas na atualidade, pela divisão
econômica mundial. O problema é que a ideia de desenvolvimento industrial vem
sendo apresentada como uma crença de salvação a todos os povos do planeta,
obrigando-os a uma “conversão” ao padrão considerado como “verdadeiro”. Por
isso, temos que atentar para o uso do qualificativo sustentável agregado ao
conceito de desenvolvimento, justamente em um momento em que o desenvolvimento
é desvelado em seu subdesenvolvimento (principalmente na esfera da ética).
Reciclagem
e auto eco organização
A natureza se organiza em ciclos
de reciclagem biogeoquímicos que provêm a sua sustentabilidade; contudo a
produção crescente de resíduos e as externalidades de origem antrópica colocam
em risco a reprodução destes ciclos, e, por conseguinte, da própria vida.
Daí que a pista para se alcançar
também a sustentabilidade da sociedade humana seja através de ciclos de
reciclagem. Mas, reciclagem do quê? Para se dar início a esta empreitada,
comecemos pelo lixo, em seu aspecto material e energético. Penso que é uma boa
escolha para refletirmos sobre o tema do meio ambiente e desenvolvimento
porque, segundo Rosnay (1997:327):
Diferentemente das leis de regulação
que regem a biologia ou a ecologia, nossas sociedades industriais funcionam em
“circuitos abertos”, sem macro regulações. As cadeias de produção e consumo são
sequências, dando origem a detritos que se acumulam no meio ambiente. A pressão
ecológica no decorrer dos últimos anos impôs progressivamente o princípio da
reciclagem (fechamento de circuitos). Embora este esteja se generalizando, por
enquanto só é aplicado por um número limitado de setores industriais.
O que temos de compreender é a
necessidade urgente de organizarmos não apenas uma economia ecológica, mas uma
reorganização antropossocial que se funde na premissa dos ciclos ecológicos; ou
seja, devemos atentar para a construção de uma sociedade planetária em que o
macro conceito de auto eco organização, seja não somente uma proposição
teórica, mas também a materialização de nossos projetos e ações, tanto de cunho
individual quanto coletivo.
Não se pode, portanto, prender a
atenção apenas na reciclagem pontual de alguns exemplos isolados, mas sim,
ampliar-se esta práxis (da reciclagem) à dimensão do social; tarefa nada fácil
de ser realizada, porém urgente, já que o esgotamento da matéria/energia do
planeta e o aumento vertiginoso da entropia produzida pela nossa atual
sociedade que se pauta pela crença (e a executa) em um crescimento ilimitado e
caótico, estão pondo em risco a sobrevivência planetária da humanidade enquanto
organização cultural.
Logo, a pertinência da reciclagem
como uma práxis não só para o próximo século, como para este momento, pode ser
enunciada como: a construção de uma sociedade sustentável está relacionada à
reciclagem constante de seus resíduos com vias à reciclagem total através da
operacionalização do conceito de auto eco organização.
A operacionalização proposta para
tal intento, deve ser concebida através de dois requisitos básicos:
configuração de modelos de reciclagem e construção de um coeficiente de
reciclagem. O primeiro faz referência aos aspectos qualitativos da organização
social, o segundo funciona como parâmetro quantitativo; ambos atuam como
substrato empírico das formulações teóricas.
Estes requisitos são “pistas”
para a compreensão do que possa vir a ser uma sociedade auto eco organizada, ou
seja, segundo a concepção dos ciclos ecológicos, atingindo, assim, um status
que se possa designar como sociedade sustentável.
Finalizando
O desenvolvimento baseado no
crescimento ilimitado do modo de produção capitalista-industrial é apenas um
momento da organização antropossocial que se planetariza, e que traz (e trará)
consequências imprevisíveis a curto e médio prazo – efeitos que se originam
aquém e além da tecnosfera produzida por esta prática do crescimento ilimitado.
Sabemos que os vários atores que
compõem o cenário mundial, possuem interesses e concepções diversas sobre
desenvolvimento e sustentabilidade, e de como proceder para a implantação dos
mesmos. Mas o fato de estarmos no mesmo “barco”, leva a uma responsabilidade
comum à construção de uma realidade social que permita aos diversos sistemas
sociais, persistirem de forma sustentada respeitando a diversidade de cada
organização social.
As transformações científicas nos
dão além do progresso técnico (e não há motivo para se desdenhar tais
conquistas), os desequilíbrios que ameaçam os vários ecossistemas do planeta.
Nunca antes na história humana o homem foi capaz de um poder, não de
destruição, mas de dizimação e extermínio da totalidade dos seres vivos que
habitam o planeta. Fora essa “capacidade” gigantesca, a vida social está sendo
deteriorada e levada à decadência ética em proporções homeopáticas, mas que
estão sendo aceleradas e ampliadas. Infelizmente a tomada de consciência ainda
é lenta comparando-a com a velocidade dos acontecimentos desencadeados pelas
revoluções do saber científico.
Atualmente o homem transforma o
globo terrestre em um “grande laboratório”, do qual não possui um mínimo de
controle. A atividade humana altera a litosfera, a hidrosfera, a atmosfera, a
biosfera; extingue espécies, compostos orgânicos e inorgânicos, diminuindo
sensivelmente a biodiversidade em todo o planeta. Além disso, ensaia
manipulações ao código genético, e para quê? Qual o propósito desta aventura
(ou desventura)? “O progresso da ciência não pode ser paralisado”, eis o que
respondem “as vozes” do saber científico, respaldadas pelas “vozes” do
saber-fazer político. Talvez tenham razão, não pelos motivos que julgam, mas
por não saberem como parar o carro de Jagrená!
Mas então, quais sistemas de ideias
estarão sendo concebidos e aplicados dentro das alternativas atuais? Qual ou
quais apresentam maiores possibilidades de se perpetuarem? Será que a
emergência de uma consciência ambiental – se de fato caracterizada como tal –
apontará para mudanças globais? Será, então, o pensamento complexo uma
abordagem fecunda às diversas questões e as temáticas relacionadas ao meio
ambiente? Penso que a resposta a esta última interrogação é sim; pois, conforme
Morin e Kern (1995 : 65), a terra não é a adição de um planeta físico, mais a
biosfera, mais a humanidade. A terra é uma totalidade complexa
física/biológica/antropológica, em que a vida é uma emergência da história da
vida terrestre. A vida é uma força organizadora biofísica em ação na atmosfera
que ela criou, sobre a terra, debaixo da terra, nos mares, onde ela se espalhou
e se desenvolveu. A humanidade é uma entidade planetária e biosférica.
Estamos agora diante da
necessidade de mudarmos a nossa concepção/percepção de organização social, o
que significa crise. Entretanto, a crise pode ser a oportunidade para a
humanidade de criação de novas formas organizativas do ser antropossocial; ou
então, de seu eclipse em mais um “inverno glacial” que poderá ou não, suscitar
uma nova “chance” de recomeçarmos a civilização humana sobre a superfície do
único lar que temos, a Terra! A opção consciente ou não, é nossa (da
humanidade)!
Fonte: Reynaldo França Lins de Mello
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