Biodiversidade subterrânea
Enquanto uma parte da comunidade
científica internacional se empenha em obter medicamentos sintéticos e em
“melhorar” mediante manipulação genética os alimentos que chegam até a nossa
mesa, outros pesquisadores continuam acreditando na infinita capacidade da Mãe
Terra em garantir o futuro da Humanidade.
O Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente (PNUMA) lançou há dois anos um fascinante projeto internacional
de pesquisa que foi considerado o mais “curioso” de todos os elaborados nesse
organismo da ONU. O seu principal objetivo é o de aprofundar os conhecimentos
sobre os organismos que habitam o subsolo; um tipo de biodiversidade que
representa um imenso recurso genético até hoje minimamente explorado. Estes
hábitats subterrâneos guardam enormes tesouros que, segundo os micólogos, podem
influir significativamente no futuro ecológico do Planeta e na descoberta de
novos medicamentos para combater mais eficazmente as doenças. Os cientistas
estão coletando e identificando insetos tropicais, nematódeos, térmitas, e
outras formas de vida reptantes que habitam o subsolo da Terra. A primeira fase
do projeto, que termina neste ano, foi desenvolvida em 7 países: Brasil,
México, Costa do Marfim, Uganda, Quênia, Indonésia e a Índia; países que foram
escolhidos exatamente pela enorme riqueza que acumulam nos seus solos.
As formas de vida subterrâneas
são as menos conhecidas de todas as existentes no Planeta e elas, muitas vezes,
estão apenas a centímetros da superfície, mas existem outras milhares ainda não
catalogadas que habitam a centenas de metros nas camadas mais profundas do
solo. Um grama de terra da Floresta Amazônica pode conter até 40 mil espécies
de bactérias; muitas das quais nunca foram descritas. Da família dos fungos
apenas se conhece o 5% (72.000), sendo que 35.000 vivem no solo ou a milímetros
do subsolo. As 3.600 espécies de minhocas registradas são menos da metade
existentes. As trufas, por exemplo, são uma espécie que a ciência ainda não
classificou nem como animal nem como vegetal, pois possui as características de
ambas. Estes ascocarpos, de sabor marcante e muito requisitado nos restaurantes
da alta culinária, vivem somente na Europa num ecossistema específico a vários
metros no subsolo.
Infelizmente o rico mundo do
subsolo está sendo dizimado pela poluição ambiental, pela colheita
indiscriminada e pela destruição dos hábitats pela produção agrícola,
principalmente pelas monoculturas.
Um melhor conhecimento de sua
existência poderá contribuir na busca de soluções para muitos problemas. As bactérias
e os fungos, por exemplo, são capazes de limpar as áreas hídricas ajudando a
eliminar substâncias tóxicas e organismos patogênicos das águas subterrâneas.
Em muitos casos a presença destes organismos influi na capacidade de absorção
das chuvas pelos solos. Nos lugares onde não existem estes microorganismos há
maiores riscos de inundações ou erosões com severas consequências para a
qualidade da água dos rios, várzeas e manguezais. Estas pouco estudadas formas
de vida desempenham um papel-chave na regulação das emissões de carbono e de
outros gases de Efeito Estufa. Estudar e revelar o papel destas criaturas no
“Ciclo do Carbono” pode ajudar aos cientistas e à própria indústria a criar
sistemas de absorção dos gases que favorecem o aquecimento da atmosfera.
O papel destes organismos como
“arados biológicos” e fornecedores de nutrientes é um campo novo para a
pesquisa. Uma experiência realizada pela Usina Açucareira São Francisco, no
interior de São Paulo, com minhocas cultivadas resultou numa safra extraordinária,
graças ao fosfato produzido pelos excrementos desses anelídeos, pelo nitrogênio
gerado a partir da sua decomposição e à aeração do subsolo facilitada pelos
quilômetros de galerias abertas no seu ciclo vital. Na Índia, plantações
tradicionais com mais de 100 anos foram monitoradas, constatando-se que após a
reintrodução do “verme da terra” as colheitas aumentaram quase 300%.
A microbiologista da Universidade
Federal de Lavras, Fátima Moreira, trabalhando no projeto, informou que
bactérias fixadoras de nitrogênio já estavam sendo utilizadas no Brasil para
cultivar soja de forma ambientalmente amigável. “Os grãos de soja foram
inoculados por uma espécie denominada Bradyrhizobium no lugar dos fertilizantes
industriais”. A Dra. Fátima já fez experiências em mais de 2.000 espécies,
incluindo árvores, pequenas plantas e herbáceas, com a finalidade de saber
quais podem ser inoculadas com bactérias fixadoras de nitrogênio. Muitas destas
espécies de plantas, que são vitais para a produção de madeira, carvão e
produção alimentar, se beneficiariam com esta tecnologia.
Este projeto fornecerá
informações cruciais sobre como pode ser conservada a biodiversidade do
subsolo, principalmente em terras voltadas para o agrobussines, enquanto se
preserva a herança natural desses organismos extraordinariamente diversos e
potencialmente úteis para as futuras gerações.
Comentários
Postar um comentário