Sistema de bioretenção de água de chuva pode ajudar a combater enchentes
Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos, da
Universidade de São Paulo (EESC-USP), estão estudando um sistema de drenagem de
água de chuva alternativo aos utilizados hoje no Brasil, que pode contribuir
para minimizar o problema de enchentes em cidades. Alguns resultados do estudo,
realizado no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, foram
apresentados na conferência “Water, megacities and global change”, realizada no
início de dezembro na Unesco, em Paris, paralelamente à 21ª Conferência das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21).
“O sistema permite captar a água da chuva antes de ser
lançada diretamente em um rio ou córrego de uma cidade, por exemplo, para que
possa ser tratada previamente e infiltre no solo com velocidade e volume
adequados, diminuindo o risco de inundações. Por isso, pode ser útil para a
prevenção de enchentes”, disse Altair Rosa, participante do projeto, à Agência
FAPESP.
A solução de drenagem consiste na construção em áreas que
costumam sofrer com alagamentos de filtros subterrâneos permeáveis, compostos
por camadas sobrepostas de grama, areia, brita e manta geotêxtil, que permitem
reter poluentes e deter temporariamente volumes excessivos de água de chuva que
escoa dentro deles.
As estruturas, chamadas tecnicamente de sistemas de
biorretenção, funcionam como um reservatório para o amortecimento da água da
chuva, armazenando-a por um determinado período de tempo de modo que possa
posteriormente infiltrar ou ser absorvida naturalmente pelo solo.
Dessa forma, elas ajudam a reduzir o volume de água de chuva
e a retardar os picos de cheias em bacias ou microbacias, como rios e córregos,
de regiões urbanizadas, explicou Altair, que participa do projeto por meio de
uma Bolsa concedida pela FAPESP.
“O sistema pode colaborar bastante nesse sentido porque faz
com que a água da chuva que recebe ajude no abastecimento do lençol freático,
sem ter que passar por uma tubulação, por exemplo, até chegar ao seu destino
final. Ele possibilita reter e tratar água de chuva que poderia ser
desperdiçada”, afirmou.
A camada superficial do sistema, composta por vegetação,
permite reter a água da chuva de modo a não causar problemas de erosão.
Em conjunto com as camadas de areia, brita e a manta
geotêxtil, a camada de vegetação também auxilia na retenção de poluentes
carreados pela água da chuva, detalhou Altair.
“Ao passar por essa série de filtros, a água da chuva
torna-se cada vez mais tratada antes de chegar ao lençol freático”, disse.
Desempenho do sistema
A fim de avaliar o desempenho do sistema, os pesquisadores
mapearam oito áreas críticas para enchentes no campus 2 da USP em São Carlos,
no interior paulista, e selecionaram uma delas para implantá-lo.
Para tentar prever se o sistema teria capacidade de
armazenar a quantidade de água de chuva prevista para cair na área onde foi
instalado, eles usaram um novo método de dimensionamento de sistemas de
drenagem que desenvolveram no âmbito do projeto em colaboração com grupos de
outras universidades e instituições de pesquisa.
Um dos diferenciais do método é usar simulações de cenários
climáticos futuros e dados como a extensão, o grau de urbanização e de
vegetação e a previsão de novas construções na área onde a técnica de drenagem
será implementada.
Além disso, integra indicadores de qualidade e quantidade de
água de chuva e estimativas de riscos de contaminação da população, que, de
acordo com os pesquisadores, é um aspecto não abordado pelos métodos
tradicionais de dimensionamento de sistemas de drenagem.
Com isso, o método de dimensionamento possibilita construir
sistemas de drenagem de forma modular e escalonada ao longo do tempo e que a
obra seja executada progressivamente, permitindo maior flexibilidade no custeio
e eficiência no funcionamento.
“Esse método de dimensionamento de sistemas de drenagem
modulares e escalonáveis é fundamental para países como o Brasil, onde há uma
taxa crescente de urbanização e um regime de chuvas muito superior ao de outros
países”, apontou Eduardo Mario Mendiondo, professor da EESC-USP e pesquisador
responsável pelo projeto.
Resultados preliminares indicaram que o novo modelo de
dimensionamento foi capaz de prever os volumes de água de chuva que o sistema
de biorretenção é capaz de armazenar com uma boa margem de segurança e mesmo em
picos de cheia.
Por sua vez, o sistema implementado no campus da USP de São
Carlos também se mostrou capaz de reter toda a quantidade de água de chuva que
recebeu nas últimas semanas, incluindo a do final de dezembro, quando foram
registradas na cidade do interior paulista chuvas com volume superior a 60
milímetros, superando a média dos últimos 80 anos.
“Vimos que mesmo com um volume de chuva inesperado o sistema
funcionou e foi capaz de reter toda a quantidade de água que recebeu”, afirmou Altair.
Para monitorar a qualidade e quantidade da água escoada, os
pesquisadores instalaram sensores na entrada e na saída do sistema de
biorretenção, além de um sistema de transmissão de dados em tempo real a fim de
possibilitar o controle do funcionamento.
“A ideia do uso desses sensores é que, com o advento de
tecnologias voltadas a tornar as cidades inteligentes, no futuro próximo seja
possível que os próprios cidadãos ou moradores de um edifício, por exemplo,
controlem o tratamento da poluição da água por esses sistemas de biorretenção”,
afirmou Mendiondo, que também é coordenador de pesquisa e desenvolvimento do
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres (Cemaden), do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Algumas análises preliminares indicaram que os sensores de
monitoramento foram capazes de medir com bastante acurácia os níveis de metais
e substâncias, como nitrito, nitrato e fósforo, na água recebida pelo sistema.
“Como o sistema foi construído recentemente, estimamos que,
com o passar do tempo, a qualidade da água e a infiltração no solo irão
melhorar progressivamente”, disse Altair.
Vantagens
De acordo com os pesquisadores, algumas das vantagens do
sistema alternativo de drenagem de água são o fato de poder ser modificado e
expandido de acordo com o grau de urbanização de uma determinada área, é
barato, não interfere na paisagem local e ajuda a controlar a poluição em áreas
com tráfego intenso de veículos, uma vez que os poluentes são carreados pela
água da chuva escoada para o sistema.
Além disso, também pode servir para outras finalidades, como
tratamento de efluentes, e ser usado em conjunto com os sistemas de drenagem
urbana usados hoje nas cidades, baseados em canalizações.
“Em vez de colocar só um bueiro em uma via, por exemplo, é
possível associá-lo a esse sistema de drenagem alternativo, que permite não
somente escoar essa água da chuva, como também fazer com que se infiltre ou
seja absorvida pelo solo e retenha parte da poluição que é gerada na bacia em razão
da constante urbanização”, disse Mendiondo.
Segundo ele, essas soluções de drenagem sustentável, que
aliam técnicas da Engenharia, Arquitetura, Paisagismo e Química, entre outras
áreas, são conhecidas e usadas desde o início da década de 1990 em países como
França, Austrália e Estados Unidos.
No Brasil ainda são novas e vêm sendo estudadas por seu
grupo na EESC-USP nos últimos dez anos a partir de experimentos-piloto, como o
que estão sendo realizados agora no campus 2 da USP de São Carlos.
“Essas técnicas compensatórias podem contribuir como
elementos viáveis em planos de adaptação que estão sendo cada vez mais
realizados em países que já estão lidando com a gestão de riscos potenciais de
desastres oriundos da urbanização excessiva e os impactos das cheias nas
cidades”, avaliou Mendiondo.
Segundo o pesquisador, a ideia é que essas técnicas possam,
por um lado, oferecer subsídios para novas pesquisas e, por outro, promover
mudanças no longo prazo nos sistemas de drenagem urbana usados no Brasil que,
de acordo com ele, têm gerado conflitos pela falta de manutenção, obsolescência
e incapacidade de evitar desastres e impactos causados por enchentes e
inundações.
“As enchentes e inundações são responsáveis por perdas
econômicas e humanas. Por isso, a Política Nacional de Defesa e Proteção Civil e
o Marco Internacional de Redução de Riscos de Desastres, que orientou as
discussões da COP21, estabeleceu como prioritárias ações para mitigar seus
impactos”, afirmou.
Fonte: Agência FAPESP
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