Agro combustíveis & Alimentos


O etanol já está causando aumento crescente no preço do milho nos EUA e no México. A questão do milho (para etanol) está concentrada nos EUA, e já existem vários estudos indicando o aumento de preço.
Não creio que o Brasil corra real risco de substituição de produção de alimentos por cana-de-açúcar. Os atuais casos como a erradicação de laranjais do oeste paulista para plantação de cana ou a “transferência” da pecuária do noroeste paulista para o centro-oeste – são pontuais e não indicam uma tendência.
A substituição da produção de alimentos não acontecerá nos EUA em razão do rígido zoneamento agropecuário, e na Europa também será pontual, embora já aconteça em razão dos subsídios do biodiesel.
Com base em dados de 2006, a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) informa que a produção de alimentos no planeta é suficiente para que toda a população mundial tenha uma dieta diária de quase 3.000 calorias.
O problema não é a falta de comida, mas a falta de recursos financeiros para acesso a ela. Simplesmente mais de 800 milhões de pessoas não têm dinheiro para comprar comida.
ONDE ESTÁ O PROBLEMA
Na minha percepção, o problema estará no “pobre e sujo” Terceiro Mundo. No México é crescente a substituição do agave azul pelo milho para a produção de etanol. O milho é de extrema importância na alimentação mexicana e seus preços são crescentes, como reconhece o próprio governo, em razão do comprometimento das safras para exportação aos EUA.
De exportadora de produtos agrícolas, a Malásia tornou-se importadora, em razão da produção crescente de óleo de palma (dendê). Processo semelhante começa a surgir na América Central.
O maior e pior exemplo de como funciona o Terceiro Mundo (com vocação para quinto) é a Etiópia dos anos 1980. Em meio à imensa crise humanitária, com mais de 200 mil mortes por inanição, ela continuava o segundo maior exportador de arroz da África. Irresponsabilidade de estado e ganância privada são irmãs siamesas no subdesenvolvimento.
E O BRASIL
Nossa imensa capacidade de produção agrícola não indica que o potencial de substituição seja significativo. Na minha opinião, o problema será de gestão. Como sempre. Em primeiro lugar, os agro combustíveis precisam ser compreendidos e gerenciados pelo (des)governo como realmente são: produtos agrícolas.
Isto significa implantar um correto e rigoroso zoneamento agrícola, preço mínimo, estoques reguladores, seguro de safra, financiamento racional, logística de produção, armazenamento e distribuição, etc. Ou seja, tudo que o governo se atrapalha em fazer.
O contrato da Petrobras com o Japão, por exemplo, previsto para 3,5 bilhões de litros a serem exportados a partir de 2011, é contratualmente baseado em oferta firme de etanol.
Isto pode ser coerente com contratos de combustíveis, mas em termos agrícolas é uma maluquice, porque, em caso de quebra de safra, o mercado interno pode ser desabastecido para atender ao mercado externo, comprometido por força de contrato de oferta firme, ou seja, de volume especificado. É um contrato de venda de combustível que não considera que o etanol é um produto agrícola, com todos os riscos e incertezas deste tipo de produção. Coisa de petro burocrata.
Um bom exemplo é o que ocorre com o biodiesel (pessoalmente prefiro agro diesel).
Algumas boas intenções, cercadas de programas inconsistentes, incompetência gerencial e produção irregular. Até o farelo precisa de um modelo eficaz de gestão. Vejam a “crise” do crescente estoque de glicerina.
Nossa produção de etanol é em boa parte competitiva em razão da intensa utilização de mão de obra barata, explorada à exaustão e em condições frequentemente degradantes. Até agora não existe um real plano nacional de aumento de produção com significativa melhoria das condições de trabalho e renda.
Talvez a produção de cana de açúcar não aumente na Amazônia, mas já é um indutor da expansão da pecuária e da soja em direção à floresta. O governo sempre argumenta que a expansão da área de cana acontecerá nas áreas degradadas, mas isto não acontece na realidade, além dos gabinetes de Brasília.
Por quê? Simplesmente porque a recuperação de uma área degradada exige pesados investimentos e um prazo relativamente longo. É por isto que a fronteira agropecuária se expande sem “usar” as áreas degradadas. Não vai ser com os agro combustíveis que isto mudará por si mesmo.
A falta de planejamento colocou o governo norte-americano “nas mãos” dos produtores de milho, do mesmo modo que nosso governo está e sempre esteve nas mãos dos usineiros, com a agravante de que nossa produção é baseada em monocultura intensiva e latifundiária, um modelo oligarca de produção, que pouco se aperfeiçoou desde as capitanias hereditárias.
No caso brasileiro, não creio que “faltará” comida, mas tenho certeza que “sobrará” desorganização. E por desorganização entenda-se algo muito lucrativo para poucos e a plena socialização dos custos sociais e ambientais.
Enquanto isto, em muitos países, em especial na África e Ásia, o potencial de crise é grande, porque os grandes interesses econômicos internacionais (entenda-se os países economicamente desenvolvidos) não terão o menor escrúpulo em incentivar a substituição da produção de alimentos por agro combustíveis. Afinal, se já não se importam com a fome de 800 milhões de pessoas, por que se importariam com a fome de 1 bilhão e meio? 

Fonte: Henrique Cortez

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